012 - OS FENÔMENOS ESPÍRITAS

O ESPIRITISMO NÃO FAZ MILAGRES:

O Espiritismo vem, pois, ao seu turno, fazer o que cada ciência fez em seu advento: revelar novas leis, e explicar, por consequência, os FENÔMENOS que são da alçada dessas leis.

Esses FENÔMENOS, é verdade, se prendem à existência dos Espíritos e à sua intervenção no mundo material; ora, aí está, diz-se, o que é sobrenatural, mas, então seria necessário provar que os Espíritos, e as suas manifestações, são contrários às leis da Natureza; que isso não é, e não pode aí estar uma dessas leis. O Espírito não é outro senão a alma que sobrevive ao corpo; é o ser principal uma vez que não morre, ao passo que o corpo não é senão um acessório que se destrói. Sua existência é, pois, tudo tão natural depois como durante a encarnação; ela está submetida às leis que regem o princípio espiritual, como o corpo está submetido às leis que regem o princípio material; mas como estes dois princípios têm uma afinidade necessária, que reagem incessantemente um sobre o outro, que, de sua ação simultânea, resultam o movimento e a harmonia do conjunto, segue-se que a espiritualidade e a materialidade são duas partes de um mesmo todo, tão naturais uma quanto a outra, e que a primeira não é uma exceção, uma anomalia na ordem das coisas.

Durante a sua encarnação, o Espírito atua sobre a matéria por intermédio de seu corpo fluídico ou perispírito; ocorre o mesmo fora da encarnação, ele faz, como Espírito e na medida de suas capacidades, o que fazia como homem; como ele não tem mais seu corpo carnal por instrumento, somente se serve dos órgãos materiais de um encarnado, que se torna o que se chama "MÉDIUM". Ele faz como aquele que, não podendo ele mesmo escrever, toma emprestada a mão de um secretário; ou que, não sabendo uma língua, serve-se de um intérprete, um secretário, um intérprete são os médiuns de um encarnado, como o médium é o secretário ou o intérprete de um Espírito.

O meio no qual agem os Espíritos, e os meio de execução não sendo os mesmos que no estado de encarnação, os efeitos são diferentes; estes efeitos não parecem sobrenaturais senão porque são produzidos com a ajuda de agentes que não são os dos que nos servimos; mas desde o instante em que esses agentes estão na Natureza, e que os fatos das manifestações se cumprem em virtude de certas leis, nada há de sobrenatural nem de maravilhoso. Antes de se conhecer as propriedades da eletricidade, os fenômenos elétricos passavam por prodígios aos olhos de certas pessoas; desde que a causa foi conhecida, o maravilhoso desapareceu; ocorre, o mesmo com os FENÔMENOS ESPÍRITAS, que não saem mais da ordem das leis naturais que os fenômenos elétricos, acústicos, luminosos e outros, que foram a fonte de uma multidão de crenças supersticiosas.

Todavia, dir-se-á, admitis que um Espírito pode levantar uma mesa e mantê-la no espaço sem ponto de apoio; isso não é uma derrogação da lei da gravidade? - Sim, da lei conhecida; mas se conhecem todas as leis? Antes que se tivessem experimentado a força ascensional de certos gases, quem diria que uma pesada máquina, levando vários homens, poderia vencer a força de atração? Aos olhos do vulgo, isso não deveria parecer maravilhoso, diabólico? Aquele que propusesse, há um século, transmitir um despacho a quinhentas léguas, e receber sua resposta em alguns minutos, teria passado por um louco; se o fizesse, crer-se-ia que tinha o diabo às suas ordens, porque, então, só o diabo era capaz de andar tão depressa; entretanto, hoje, a coisa é não somente reconhecida possível mas parece naturalíssima.

Por que, pois, um fluido desconhecido não teria a propriedade, em circunstâncias dadas, de contrabalançar o efeito da gravidade, como o hidrogênio contrabalança o peso do balão? Foi, com o efeito, o que ocorreu no caso do qual se trata. Os fenômenos espíritas, estando na Natureza, produziram-se em todos os tempos; mas precisamente porque o seu estudo não podia ser feito pelos meios materiais de que dispõe a ciência vulgar, eles permaneceram por muito mais tempo que outros no domínio do sobrenatural, de onde o Espiritismo fê-los sair hoje.

O sobrenatural, baseado sobre aparências inexplicadas, deixa um livre curso à imaginação, que, errando no desconhecido, dá nascimento, então, às crenças supersticiosas; uma explicação racional, fundada sobre as leis da Natureza, reconduzindo o homem sobre o terreno da realidade, põe um ponto de parada aos desvios da imaginação, e destrói as superstições. Longe de estender o domínio do sobrenatural, o Espiritismo o restringe até nos seus últimos limites e lhe tira o seu último refúgio, se ele faz crer na possibilidade de certos fatos, impede de crer em muitos outros, porque demonstra, no círculo da espiritualidade, como a ciência no círculo da materialidade, o que é possível e o que não o é.

Contudo, como ele não tem a pretensão de ter a última palavra sobre todas as coisas, mesmo sobre aquelas que são da sua competência, não se opõe como regulador absoluto do possível, e leva em conta conhecimentos que reserva para o futuro. Os fenômenos espíritas consistem nos diferentes modos de manifestação da alma, ou Espírito, seja durante a encarnação, seja no estado de erraticidade. É pelas suas manifestações que a alma revela a sua existência, a sua sobrevivência e a sua individualidade; ela é julgada por seus efeitos; a causa sendo natural, o efeito o é igualmente.

São esses efeitos que fazem o objeto especial de pesquisas e de estudos do Espiritismo, a fim de chegar ao conhecimento, tão completo quanto seja possível, da natureza e dos atributos da alma, assim como as leis que regem o princípio espiritual. Para aqueles que negam a existência do princípio espiritual independente, e, por consequência, o da alma individual e sobrevivente, toda a Natureza está na matéria tangível; todos os fenômenos que se ligam à espiritualidade são, a seus olhos, sobrenaturais, e, por consequência, quiméricos; não admitindo a causa, não podem admitir o efeito; e quando os efeitos são patentes, eles os atribuem à imaginação, à ilusão, à alucinação, e recusam aprofundá-los; daí, entre eles, uma opinião preconcebida que os torna impróprios para julgar sadiamente o Espiritismo, porque partem do princípio da negação de tudo o que não é material.

Do fato de o Espiritismo admitir os efeitos que são a consequência da existência da alma, não se segue que ele aceita todos os efeitos qualificados de maravilhosos, e entenda justificá-los e acreditá-los; que seja o campeão de todos os sonhadores, de todas as utopias e de todas as excentricidades sistemáticas, de todas as lendas miraculosas; seria necessário conhecê-lo bem pouco para pensar assim. Seus adversários crêem opor-lhe argumento sem réplica, quando, depois de terem feito eruditas pesquisas sobre os convulsionários de Saint-Médard, os calvinistas de Cévennes ou os religiosos de Loudun, chegaram a descobrir fatos patentes de fraude que ninguém contesta; mas essas histórias são o Evangelho do Espiritismo?

Seus partidários negam que o charlatanismo haja explorado certos fatos em seu proveito; que a imaginação os haja criado; que o fanatismo os tenha exagerado muito? Ele não é solidário com as extravagâncias que se podem cometer em seu nome, como a verdadeira ciência não o é quanto aos abusos da ignorância, nem a verdadeira religião quanto aos excessos do fanatismo. Muitos críticos não julgam o Espiritismo senão pelos contos de fadas e as lendas populares, que dele são as ficções; outro tanto valeria julgar a história pelos romances históricos ou as tragédias.

Os fenômenos espíritas são, o mais frequentemente, espontâneos e se produzem sem nenhuma idéia preconcebida nas pessoas que neles menos pensam; em certas circunstâncias, eles podem ser provocados por agentes designados sob o nome de médiuns; no primeiro caso, o médium é inconsciente, do que se produz por seu intermédio; no segundo age com conhecimento de causa: daí a distinção de médiuns conscientes e de médiuns inconscientes. Estes últimos são os mais numerosos e se encontram, frequentemente, entre os incrédulos mais obstinados, que fazem assim o Espiritismo sem o saber e sem o querer. Os fenômenos espontâneos têm, por isso mesmo, uma importância capital, porque não se pode suspeitar da boa-fé daqueles que os obtêm.

Ocorre aqui como no sonambulismo que, entre certos indivíduos, é natural e involuntário, e entre outros, provocados pela ação magnética, mas, que esses fenômenos seja ou não o resultado de um ato da vontade, a causa primeira é exatamente a mesma e em nada se afasta das leis naturais. Os médiuns, portanto, não produzem absolutamente nada de sobrenatural; por consequência, eles não fazem nenhum milagre; mesmo as curas instantâneas não são mais miraculosas do que os outros efeitos, porque são devidas a ação de um agente fluídico fazendo o papel de agente terapêutico, cujas propriedades não são menos naturais por terem sido desconhecidas até este dia.

O epíteto de taumaturgos, dado a certos médiuns pela crítica ignorante dos princípios do Espiritismo, portanto, é inteiramente impróprio, a qualificação de milagre, dada, por comparação, a certas espécies de fenômenos, não pode senão induzir em erro sobre o seu verdadeiro caráter. A intervenção de inteligências ocultas nos fenômenos espíritas não tornam estes mais miraculosos que todos os outros fenômenos que são devidos a agentes invisíveis, porque estes seres ocultos que povoam os espaços são uma das forças da Natureza, força cuja ação é incessante sobre o mundo material, quanto sobre o mundo moral.

O Espiritismo, em nos esclarecendo sobre esta força, nos dá a chave de uma multidão de coisas inexplicadas, e inexplicáveis, por todo outro meio, e que puderam, nos tempos recuados, passar por prodígios; ele revela, do mesmo modo que o magnetismo, uma lei, se não desconhecida, pelo menos mal compreendida; ou, para melhor dizer, conheciam-se os efeitos, porque se produziram em todos os tempos, mas não se conhecia a lei, e foi a ignorância desta lei que engendrou a superstição. Conhecida a lei, o maravilhoso desaparece e os fenômenos entram na ordem das coisas naturais.

Eis porque os Espíritas não fazem mais milagre em fazendo girar uma mesa, ou os mortos escreverem, do que o médico em fazendo reviver um moribundo, ou o físico em fazendo cair o raio, aquele que pretendesse, com a ajuda desta ciência, fazer milagres, seria ou um ignorante da coisa, ou um fazedor de tolos. Uma vez que o Espiritismo repudia toda pretensão às coisas maravilhosas, fora dele há milagres na acepção usual da palavra? Dizemos primeiro que, entre os fatos repudiados miraculosos que se passaram antes do advento do Espiritismo, e que se passam ainda em nossos dias, a maioria, senão todos, encontram a sua explicação nas leis novas que ele veio revelar; estes fatos entram, pois, embora sob um outro nome, na ordem dos fenômenos espíritas, e, como tais, nada têm de sobrenatural.

Bem entendido que não se trata aqui senão dos fatos autênticos, e não daqueles que, sob o nome de milagres, são o produto de uma indigna charlatanice, tendo em vista explorar a credulidade; não mais que certos fatos legendários que puderam ter, em sua origem, um fundo de verdade, mas que a superstição ampliou ao absurdo. É sobre estes fatos que o Espiritismo vem lançar a luz, dando os meios de fazer a parte do erro e da verdade.

A Gênese - Allan Kardec