017 - O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO I

Embora represente uma face do Espiritualismo, cumpre esclarecer que o Espiritismo difere de toda e qualquer ramificação espiritualista religiosa, na medida em que não possui "dogmas" propriamente ditos, mas antes fundamenta-se na razão e nos fatos. Sob esse aspecto o Espiritismo é considerado uma Doutrina Tríplice, pois sua natureza consiste em Ciência, Filosofia e Religião.

Em seus aspectos científicos e filosóficos, a Doutrina será sempre um campo de investigações humanas; no aspecto religioso, todavia, repousa a sua grandeza divina, por constituir a RESTAURAÇÃO DO EVANGELHO DE JESUS CRISTO, estabelecendo a renovação definitiva do homem para a grandeza de seu imenso futuro espiritual.

Vamos procurar demonstrar que a alta espiritualidade, através do Cristo (governador do Orbe Terrestre), procurou construir (implantar, formar) passo a passo a CONSCIÊNCIA CRISTÃ ( fundamentada nos seus dois grandes mandamentos), através dos seus mensageiros, dos seus missionários enviados à Terra de tempos em tempos para pôr o seu tijolo (sua parcela de contribuição) nesta imensa construção.

I - SÓCRATES E PLATÃO, PRECURSORES DA DOUTRINA CRISTÃ E DO ESPIRITISMO:

Da suposição de que Jesus devia conhecer a seita dos Essênios, seria errado concluir que Ele bebeu nessa seita a sua Doutrina, e que se tivesse vivido em outro meio, professaria outros princípios; as grandes idéias não aparecem nunca de súbito, as que têm a verdade por base contam sempre com precursores, que lhes preparam parcialmente o caminho. Depois, quando o tempo é chegado, Deus envia um homem com a missão de resumir, coordenar e completar os elementos esparsos, com eles formando um corpo de doutrina.

Dessa maneira, não tendo surgido bruscamente, a doutrina encontra, ao aparecer, espíritos inteiramente preparados para a aceitar; assim aconteceu com as idéias cristãs, que foram pressentidas muitos séculos antes de Jesus e dos Essênios, e das quais foram Sócrates e Platão os principais precursores. Sócrates, como o Cristo, teve a morte dos criminosos, vítimas do fanatismo, por haver atacado as crenças tradicionais e colocado a verdadeira virtude acima da hipocrisia e da ilusão dos formalismos, ou seja, por haver combatido os preconceitos religiosos.

Assim como Jesus foi acusado pelos Fariseus de corromper o povo com seus ensinos, ele também foi acusado pelos Fariseus do seu tempo - pois que os têm havido em todas as épocas - de corromper a juventude, ao proclamar o dogma da UNICIDADE de Deus, da IMORTALIDADE DA ALMA, e da EXISTÊNCIA DA VIDA FUTURA. Da mesma maneira porque hoje não conhecemos a Doutrina de Jesus senão pelos escritos dos seus discípulos, também não conhecemos a de Sócrates, senão pelos escritos do seu discípulo Platão; consideramos útil resumir aqui os seus pontos principais, para demonstrar sua concordância com os princípios do Cristianismo.

Aos que encararem este paralelo como uma profanação, pretendo não ser possível haver semelhanças entre a doutrina de um pagão e a do Cristo, responderemos que a doutrina de Sócrates não era pagã, pois tinha por finalidade combater o paganismo, e que a doutrina de Jesus, mais completa e mais depurada que a de Sócrates, nada tem que perder na comparação. A grandeza da missão divina do Cristo não poderá ser diminuída; além disso, trata-se de fatos históricos, que não podem ser escondidos, o homem atingiu um ponto em que a luz sai por si mesma de debaixo do alqueire e o encontra maduro para o enfrentar.

Tanto pior para os que temem abrir os olhos; é chegado o tempo de encarar as coisas do alto e com amplitude, e não mais do ponto de vista mesquinho e estreito dos interesses de seitas e de castas. Estas citações provarão, além disso, que, se Sócrates e Platão pressentiram as idéias cristãs, encontram-se igualmente na sua doutrina os princípios fundamentais do Espiritismo.

RESUMO DA DOUTRINA DE SÓCRATES E PLATÃO

1 - O HOMEM É UMA ALMA ENCARNADA. Antes de sua encarnação ela existia junto aos modelos primordiais, às idéias do verdadeiro, do bem e do belo; separou-se deles ao encarnar-se, e, lembrando seu passado, sente-se mais ou menos atormentada pelo desejo de a eles voltar.

Não se pode enunciar mais claramente a distinção e a independência dos dois princípios, o inteligente e o material; além disso, temos aí a doutrina da preexistência da alma; da vaga intuição que ela conserva, da existência de outro mundo, ao qual aspira; de sua sobrevivência à morte do corpo; de sua saída do mundo espiritual; para encarnar-se; e da sua volta a esse mundo, após a morte; é enfim, o germe da doutrina dos anjos decaídos.

2 - A alma se perturba e confunde, quando se serve do corpo para considerar algum objeto; sente vertigens, como se estivesse ébria, porque se liga a coisas que são, por sua natureza, sujeitas a transformações. Em vez disso, quando contempla sua própria essência, ela se volta para o que é puro, eterno, imortal, e, sendo da mesma natureza, permanece nessa contemplação tanto tempo quanto possível; cessam, então, as suas perturbações, e esse estado da alma é o que chamamos de sabedoria.

Assim, o homem que considera as coisas de baixo, terra-a-terra, do ponto de vista material, vive iludido; para apreciá-las com justeza, é necessário vê-las do alto, ou seja, do ponto de vista espiritual; o verdadeiro sábio deve, portanto, de algum modo, isolar a alma do corpo, para ver com os olhos do espírito; é isso o que ensina o Espiritismo.

3 - Enquanto tivermos o nosso corpo, e a nossa alma encontrar-se mergulhada nessa corrupção, jamais possuiremos o objeto de nossos desejos: a verdade; de fato, o corpo nos oferece mil obstáculos, pela necessidade que temos de cuidar dele; além disso, ele nos enche de desejos, de apetites, de temores, de mil quimeras e de mil tolices, de maneira que, com ele, é impossível sermos sábios por um instante. Mas, se nada se pode conhecer puramente, enquanto a alma está unida ao corpo, uma destas coisas se impõe: ou que jamais se conheça a verdade, ou que se conheça após a morte. Livres da loucura do corpo; então conversaremos, é de esperar, com homens igualmente livres, e conheceremos por nós mesmos a essência das coisas.

Eis porque os verdadeiros filósofos se preparam para morrer e a morte não lhes parece de maneira alguma temível. Temos aí o princípio das faculdades da alma, obscurecidas pela mediação dos órgãos corporais, e da expansão dessas faculdades depois da morte; mas trata-se, aqui, das almas evoluídas, já depuradas; não acontece o mesmo com as almas impuras.

4 - A alma impura, neste estado, encontra-se pesada, e é novamente arrastada para o mundo visível, pelo horror do que é invisível e imaterial; ela erra, então, segundo se diz, ao redor dos monumentos e dos túmulos, junto dos quais foram vistos às vezes fantasmas tenebrosos, como devem ser as imagens das almas que deixaram o corpo, sem estarem inteiramente puras, e que conservam alguma coisa da forma material, o que permite aos nossos olhos percebê-las. Essas não são almas dos bons, mas as dos maus, que são forçadas a errar nesses lugares, onde carregam as penas de sua vida passada, e onde continuam a errar, até que os apetites inerentes à sua forma material as devolvam a um corpo. Então, elas retomam, sem dúvida, os mesmos costumes que, durante a vida anterior, eram de sua predileção.

Não somente o princípio da reencarnação está aqui claramente expresso; mas também o estado das almas que ainda estão sob o domínio da matéria é descrito tal como o Espiritismo o demonstra, nas evocações; e há mais, pois, afirma-se que a reencarnação é uma consequência da impureza da alma, enquanto as almas purificadas estão livres dela. O Espiritismo não diz outra coisa, apenas acrescenta que a alma que tomou boas resoluções na erraticidade, e que tem conhecimentos adquiridos, trará menos defeitos ao renascer, mais virtudes e mais idéias do que na existência precedente, e que, assim, cada existência marca para ela um progresso intelectual e moral.

5 - Após a nossa morte, o gênio (daimon, démon) que nos havia sido designado durante a vida, nos leva a um lugar onde se reúnem todos os que devem se conduzidos ao Hades, para o julgamento; as almas, depois de permanecerem no Hades o tempo necessário, são reconduzidos a esta vida, por numerosos e longos períodos.

Esta é a doutrina dos Anjos Guardiães ou Espíritos protetores, e das reencarnações sucessivas, após intervalos mais ou menos longos de erraticidade.

6 - Os demônios preenchem o espaço que separa o céu da terra; são o laço que liga o Grande Todo consigo mesmo; a divindade não entra jamais em comunicação direta com os homens, mas é por meio dos demônios que os deuses se relacionam e conversam com eles, seja durante o estado de vigília, seja durante o sono.

A palavra daimon, da qual se originou demônio, não era tomada no mau sentido pela antiguidade, como entre os modernos; não se aplicava essa palavra exclusivamente aos seres malfazejos, mas aos Espíritos em geral, entre os quais se distinguiam os Espíritos superiores, chamados deuses, e os Espíritos menos elevados, ou demônios propriamente ditos. que se comunicavam diretamente com os homens. O Espiritismo ensina também que os Espíritos povoam o espaço; que Deus não se comunica com os homens senão por intermédio dos Espíritos puros, encarregados de nos transmitir a sua vontade; que os Espiritos se comunicam conosco durante o estado de vigília e durante o sono.

Substituí a palavra demônio pela palavra Espírito, e tereis a Doutrina Espirita; ponde a palavra anjo, e tereis a doutrina cristã.

7 - A preocupação constante do filósofo (tal como o compreendem Sócrates e Platão) é a de ter o maior cuidado com a alma, menos em vista desta vida, que é apenas um instante, do que em vista da eternidade. Se a alma é imortal, não é sábio viver com vistas à eternidade?

O Cristianismo e o Espiritismo ensinam a mesma coisa.

8 - Se a alma é imaterial, ela deve passar, após esta vida, para um mundo igualmente invisível e imaterial, da mesma maneira que o corpo, ao se decompor, retorna a matéria; importa somente distinguir bem a alma pura, verdadeiramente imaterial, que se nutre, como Deus, da ciência e de pensamentos, da alma mais ou menos manchada de impurezas materiais, que a impedem de elevar-se ao divino, retendo-a nos lugares de sua passagem pela terra.

Sócrates e Platão, como se vê, compreendiam perfeitamente os diferentes graus de desmaterialização da alma; eles insistem sobre as diferenças de situação que resultam para ela, de sua maior ou menor pureza. Isso que eles diziam por intuição, o Espiritismo o prova, pelos numerosos exemplos que nos põe diante dos olhos.

9 - Se a morte fosse a dissolução total do homem, isso seria de grande vantagem para os maus, que, após a morte estariam livres, ao mesmo tempo, de seus corpos, de suas almas e de seus vícios. Aquele que adornou sua alma, não com enfeites estranhos, mas com os que lhe são próprios, somente poderá esperar com tranquilidade a hora de sua partida para o outro mundo.

Em outros termos, quer dizer que o materialismo, que proclama o nada após a morte, seria a negação de toda responsabilidade moral ulterior, e por conseguinte um estímulo ao mal; que o malvado tem tudo a ganhar com o nada; que o homem que se livrou dos seus vícios e se enriqueceu de virtudes é o único que pode esperar tranquilamente o despertar na outra vida. O Espiritismo nos mostra, pelos exemplos que diariamente nos põe ante os olhos, quanto é penosa para o malvado a passagem de uma para a outra vida, a entrada na vida futura.

10 - O corpo conserva os vestígios bem marcados dos cuidados que se teve com ele ou dos acidentes que sofreu. Acontece o mesmo com a alma; quando ela se despoja do corpo, conserva os traços evidentes de seu caráter, de seus sentimentos, e as marcas que cada um dos seus atos lhe deixou. Assim, a maior desgraça que pode acontecer a um homem, é a de ir para o outro mundo com uma alma carregada de culpas; tu vês, Calicles, que nem tu, nem Pólus, nem Górgias, poderíeis provar que se deve seguir outra vida que nos seja mais útil, quando formos para la´.

De tantas opiniões diversas, a única que permanece inabalável é a de que mais vale sofrer que cometer uma injustiça, e que antes de tudo devemos aplicar-nos, não a parecer, mas a ser homem de bem.

Aqui se encontra outro ponto capital, hoje confirmado pela experiência, segundo o qual a alma não purificada conserva as idéias, as tendências, o caráter e as paixões que tinha na terra. Esta máxima: "Mais vale sofrer do que cometer uma injustiça", não é inteiramente cristã? É o mesmo pensamento que Jesus exprime por esta figura: "Se alguém te bater numa face, oferece-lhe a outra".

11 - De duas, uma: ou a morte é a destruição absoluta, ou é a passagem da alma para outro lugar. Se tudo deve extinguir-se, a morte é como uma dessas raras noites que passamos sem sonhar e sem nenhuma consciência de nós mesmos; mas, se morte é apenas uma mudança, a passagem para um lugar em que os mortos devem reunir-se, que felicidade a de ali reencontrar os nossos conhecidos! Meu maior prazer seria o de examinar de perto os habitantes dessa morada, e dentre eles distinguir, como aqui, os que são sábios dos que crêem sê-lo e não o são. Mas já é o tempo de partirmos, eu para morrer e vós para viver (Sócrates a seus julgadores).

Segundo Sócrates, os homens que viveram na terra encontram-se depois da morte e se reconhecem. O Espiritismo no-los mostra continuando suas relações, de tal maneira que a morte não é uma interrupção, nem uma cessação da vida, sem solução de continuidade, mas uma transformação. Sócrates e Platão, se tivessem conhecido os ensinamentos que o Cristo daria quinhentos anos mais tarde, e os que o Espiritismo hoje nos dá, não teriam falado de outra maneira. Nisso, nada há que nos deva surpreender, se considerarmos que as grandes verdades são eternas, e que os Espíritos adiantados devem tê-las conhecido antes de vir para a terra, para onde as trouxeram.

Se considerarmos ainda que Sócrates, Platão, e os grandes filósofos do seu tempo, podiam estar, mais tarde, entre aqueles que secundaram o Cristo na sua divina missão, sendo escolhidos precisamente porque estavam mais aptos do que outros a compreenderem os seus sublimes ensinos. E que eles podem, por fim, participar hoje da grande plêiade de Espíritos encarregados de vir ensinar aos homens as mesmas verdades.

12 - Não se deve nunca retribuir a injustiça com a injustiça, nem fazer mal a ninguém que seja o mal que nos tenham feito. Poucas pessoas, entretanto, admitem esse princípio, e as que não concordam com ele só podem desprezar-se umas às outras.

Não é este o princípio da caridade, que nos ensina a não retribuir o mal com o mal e a perdoar aos inimigos?

13 - É pelos frutos que se conhece a árvore. É necessário qualificar cada ação, segundo o que ela produz: chamá-la má, quando a sua consequência é má, e boa, quando produz o bem.

Esta máxima: "É pelos frutos que se conhece a árvore", encontra-se textualmente repetida, muitas vezes, no Evangelho.

14 - A riqueza é um grande perigo. Todo homem que ama a riqueza, não ama nem a ele nem ao que possui, mas a uma coisa que ainda é mais estranha do que aquilo que ele possui.

15 - As mais belas preces e os mais belos sacrifícios agradam menos à Divindade, do que uma alma virtuosa que se esforça por assemelhar-se a ela. Seria grave que os deuses se interessassem mais pelas nossas oferendas do que pelas nossas almas. Dessa maneira, os maiores culpados poderiam conquistar os seus favores; mas, nao; pois só são verdadeiramente sábios e justos os que, por suas palavras e seus atos, resgatam o que devem aos deuses e aos homens.

16 - Chamo de homem vicioso ao amante vulgar, que ama mais ao corpo que à alma; o amor está por toda a natureza, e incita-nos a exercer a nossa inteligência: encontramo-lo até mesmo no movimento dos astros. É o amor que adorna a natureza com suas ricas alfombras; ele se enfeita e fixa a sua morada onde encontra flores e perfumes; é ainda o amor que traz a paz aos homens, a calmaria ao mar, o silêncio aos ventos e o sossego à dor.

O amor, que deve unir os homens por um sentimento de fraternidade, é uma consequência dessa teoria de Platão sobre o amor universal, como lei da natureza. Sócrates, tendo dito que "o amor não é um deus nem um mortal, mas um grande demônio", ou seja, um grande Espírito que preside ao amor universal, esta afirmação lhe foi, sobretudo, imputada como crime.

17 - A virtude não pode ser ensinada; ela vem por um dom de Deus aos que a possuem.

É quase a Doutrina cristã sobre a graça; mas, se a virtude é um dom de Deus, é um favor, pode perguntar-se por que ela não é concedida a todos; de outro lado, se ela é um dom, não há mérito da parte daquele que a possui. O Espiritismo é mais explícito; ele ensina que aquele que a possui, a adquiriu pelos seus esforços nas vidas sucessivas, ao se livrar pouco a pouco das suas imperfeições. A graça é a força que Deus concede a todo homem de boa vontade, para se livrar do mal e fazer o bem.

18 - Há uma disposição natural, em cada um de nós, para nos apercebermos bem menos dos nossos defeitos, do que dos defeitos alheios.

O Evangelho diz: "Vês a aresta no olho do teu irmão, e não vês a trave no teu?".

19 - Se os médicos fracassam na maior parte das doenças, é porque tratam do corpo sem a alma, e porque, se o todo não se encontra em bom estado, é impossível que a parte esteja bem.

O Espiritismo oferece a chave das relações entre a alma e o corpo, e prova que existe incessante reação de um sobre o outro. Ele abre, assim, novo caminho à ciência: mostrando-lhe a verdadeira causa de certas afecções, dá-lhe os meios de combatê-las, quando ela levar em conta a ação do elemento espiritual na economia orgânica, fracassará menos.

20 - Todos os homens, desde a infância, fazem mais mal do que bem.

Estas palavras de Sócrates tocam a grave questão da predominância do mal sobre a terra, questão insolúvel sem o conhecimento da pluralidade dos mundos e do destino da terra, onde encontra apenas uma pequena fração da Humanidade. Só o Espiritismo lhe dá solução.

21 - A sabedoria está em não pensares que sabes aquilo que não sabe.

Isto vai endereçado àqueles que criticam as coisas de que, frequentemente, nada sabem; Platão completa este pensamento de Sócrates, ao dizer: "Tentemos primeiro torná-los, se possível, mais honestos nas palavras; se não o conseguirmos, não nos ocupemos mais deles e não busquemos mais do que a verdade. Tratemos de nos instruir, mas não nos aborreçamos". É assim que devem agir os espíritas, com relação aos seus contraditores de boa ou de má fé; se Platão revivesse hoje, encontraria as coisas mais ou menos como no seu tempo, e poderia usar a mesma linguagem. Sócrates também encontraria quem zombasse de sua crença nos Espíritos e o tratasse de louco, assim como ao seu discípulo Platão.

Por haver professado esses princípios, Sócrates foi primeiro ridicularizado, depois acusado de impiedade e condenado a beber cicuta; tanto é certo que as grandes verdades novas, levantando contra elas os interesses e os preconceitos que ferem, não podem ser estabelcidas sem lutas e sem mártires.

ALLAN KARDEC - O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO - INTRODUÇÃO.

O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO II

"Contendo a explica��o das m�ximas do Cristo, sua concord�ncia com o Espiritismo e sua aplica��o �s diversas situa��es da vida."

"F� inabal�vel � somente aquela que pode encarar a raz�o, face a face, em todas as �pocas da humanidade".

I - INTRODU��O: O OBJETIVO DA ELABORA��O DO LIVRO:

Podemos dividir as mat�rias contidas nos "EVANGELHOS" em cinco partes:

1 - Os atos comuns da vida do Cristo;

2 - Os milagres;

3 - As profecias;

4 - As palavras que serviram para o estabelecimento dos dogmas da Igreja;

5 - O ensino moral.

Se as quatro primeiras partes tem sido objeto de discuss�es, a �ltima permanece inatac�vel. Diante desse c�digo divino, a pr�pria incredulidade se curva. � o terreno em que todos os cultos podem encontrar-se, a bandeira sob a qual todos podem abrigar-se, por mais diferentes que sejam as suas cren�as. Porque nunca foi objeto de disputas religiosas, sempre e por toda parte provocadas pelos dogmas. Se o discutissem, as seitas teriam a parte provocadas pelos dogmas; se o discutissem, as seitas teriam, ali�s, encontrado nele a sua pr�pria condena��o, porque a maioria delas se apegaram mais � parte m�stica do que � parte moral, que exige a reforma de cada um.

Para os homens, em particular, � uma regra de conduta, que abrange todas as circunst�ncias da vida privada e p�blica, o princ�pio de todas as rela��es sociais fundadas na mais rigorosa justi�a; �, por fim, e acima de tudo, o caminho infal�vel da felicidade a conquistar, uma ponta do v�u erguida sobre a vida futura. E essa parte que constitui o objeto desta obra.

Todo o mundo admira a moral evang�lica; todos proclamam a sua sublimidade e a sua necessidade; mas muitos o fazem confiando naquilo que ouviram, ou apoiados em algumas m�ximas que se tornaram proverbiais, pois poucos a conhecem a fundo, e menos ainda a compreendem e sabem tirar-lhe as consequ�ncias. A raz�o disso est�, em grande parte, nas dificuldades apresentadas pela leitura do Evangelho, inintelig�vel para a maioria, a forma aleg�rica e o misticismo intencional da linguagem fazem que a maioria o leia por desencargo de consci�ncia e por obriga��o, como l� as preces sem as compreender, o que vale dizer sem proveito.

Os preceitos de moral, espalhados no texto, misturados com as narrativas, passam despercebidos; torna-se imposs�vel apreender o conjunto e faz�-lo objeto de leitura e medita��o separadas. Fizeram-se, � verdade, tratados de moral evang�lica, mas a adapta��o ao estilo liter�rio moderno tira-lhe a ingenuidade primitiva, que lhes d�, ao mesmo tempo, encanto e autenticidade. Acontece o mesmo com as m�ximas destacadas, reduzidas a mais simples express�o proverbial, as quais n�o passam ent�o de aforismos, perdendo uma parte de seu valor e de seu interesse, pela falta dos acess�rios e das circunst�ncias em que foram dadas.

Para evitar esses inconvenientes, reunimos nesta obra os trechos que podem constituir, propriamente falando, um c�digo de moral universal, sem distin��o de cultos; nas cita��es, conservamos tudo o que era de utilidade ao desenvolvimento do pensamento, suprimindo apenas as coisas estranhas ao assunto. Al�m disso, respeitamos escrupulosamente a tradu��o original de Sacy, assim como a divis�o por vers�culos. Mas, em vez de nos prendermos a uma ordem cronol�gica imposs�vel, e sem vantagem real em semelhante assunto, as m�ximas foram agrupadas e distribu�das metodicamente segundo a sua natureza, de maneira a que umas se deduzem das outras, tanto quanto poss�vel.

A indica��o dos n�meros de ordem dos cap�tulos e dos vers�culos permite socorrer � classifica��o comum, caso se julgue conveniente; esse seria apenas um trabalho material, que por si s� n�o teria mais do que uma utilidade secund�ria. O essencial era p�-lo ao alcance de todos, pela explica��o das passagens obscuras e pelo desenvolvimento de todas as suas consequ�ncias, com vistas � aplica��o �s diferentes situa��es da vida. Foi o que procuramos fazer, com a ajuda dos bons Esp�ritos que nos assistem.

Muitas passagens do Evangelho, da B�blia, e dos autores sagrados em geral s�o inintelig�veis, em muitas mesmo parecem absurdas, por falta de uma chave que nos d� o seu verdadeiro sentido. Essa chave est� inteirinha no Espiritismo, como j� se convenceram os que estudaram seriamente a Doutrina, e como ainda melhor se reconhecer� mais tarde. O Espiritismo se encontra por toda a parte, na antiguidade, e em todas as �pocas da Humanidade; e tudo encontramos os seus tra�os, nos escritos, nas cren�as e nos monumentos, e � por isso que, se ele abre novos horizontes para o futuro, lan�a tamb�m uma viva luz sobre os mist�rios do passado.

Como complemento de cada preceito, damos algumas instru��es escolhidas entre as que foram ditadas pelos Esp�ritos em diversos pa�ses, atrav�s de diferentes m�diuns. Se essas instru��es tivessem surgido de uma fonte �nica, poderiam ter sofrido uma influ�ncia pessoal ou do meio, enquanto a diversidade de origens prova que os Esp�ritos d�o os seus ensinamentos por toda a parte, e que n�o h� ningu�m privilegiado a esse respeito.

Esta obra � para uso de todos; cada qual pode dela tirar os meios de conformar sua conduta � moral do Cristo; os esp�ritas nela encontrar�o, al�m disso, as aplica��es que lhes concernem mais especialmente. Gra�as �s comunica��es estabelecidas, de agora em diante, de maneira permanente, entre os homens e o mundo invis�vel, a lei evang�lica, ensinada a todas as na��es pelos pr�prios esp�ritos, n�o ser� mais letra morta, porque cada qual a compreender�, e ser� incessantemente solicitado a p�-la em pr�tica; pelos conselhos de seus guias espirituais. As instru��es dos Esp�ritos s�o verdadeiramente as vozes do c�u que v�m esclarecer os homens e convid�-los � pr�tica do Evangelho.

ALLAN KARDEC - O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO