A DOUTRINA ESPÍRITA
RESUMO

A NOVA REVELAÇÃO - A DOUTRINA DOS ESPÍRITOS

O moderno espiritualismo, dissemo-lo, é uma nova forma da revelação eterna. Para nós, revelação significa simplesmente ação de levantar um véu e descobrir coisas ocultas. Neste ponto de vista, todas as ciências são revelações; há porém, uma ainda mais alta - a das verdades morais que nos vem por intermédio dos celestes missionários, e, mais frequentemente, pelas aspirações da consciência.

Todos os tempos e todos os povos tiveram sua parcela de revelação. Esta não é, como alguns acreditam, um fato realizado em dada época, em determinado meio e para sempre. É perpétua, incessante; é obra do espírito humano em seus esforços para elevar-se, sob a influência do espírito divino ao conhecimento integral das coisas e das leis. Essa influência muitas vezes se produz sem que a perceba o homem. É mediante intervenções humanas que Deus age sobre a Humanidade, tanto no domínio dos fatos históricos, como no do pensamento e da Ciência.

À medida que se desenvolve a história, à medida que estende através dos séculos a imensa caravana da Humanidade, uma luz mais viva se faz em nós e ao redor de nós. A Potência invisível que do seio dos espaços acompanham esta marcha, conforme o nosso grau de evolução e compreensão, oferece-nos novos dados sobre o problema da vida e do Universo. As revelações dos séculos passados fizeram a sua obra. Todas realizaram um progresso, uma sobre as outras, assim assinalando períodos sucessivos da Humanidade; mas já não correspondem às necessidades da hora presente, porque a lei do progresso opera sem cessar, e, à medida que o homem avança e se eleva, seus horizontes devem dilatar-se.

Por isso uma dispensação mais completa do que as outras se efetua agora no mundo. É necessário também recordar uma coisa, a saber: cada época notável teve os seus reveladores; se espíritos eminentes vieram trazer aos homens, conforme os tempos e lugares, elementos de verdade e progresso, os germes por eles semeados ficaram estéreis, muitas vezes. Suas doutrinas mal compreendidas, deram origem a religiões que se excluem e se condenam injustamente, porque todas são irmãs e repousam sobre duas bases comuns: Deus e a imortalidade. Cedo ou tarde, elas se fundirão em vasta unidade, quando as névoas que envolvem o pensamento humano se houverem dissipado ao sol brilhante da verdade.

Ao lado desses divinos mensageiros, muitos falsos profetas têm surgido. Pretensos reveladores têm querido impor-se às multidões; doutrinas confusas e contraditórias se têm divulgado em proveito aparente de alguns, mas realmente em prejuízo de todos. É por isso, para evitar abusos tais, que a nova revelação reveste um caráter inteiramente diferente. Não é mais uma obra individual, nem se produz num meio circunscrito. É dada em todos os pontos do globo, aos que a procuram, por intermédio de pessoas de todas as idades, condições e nacionalidades, mediante inúmeras comunicações, cujo valor tem sido submetido à mais rigorosa verificação.

Obra dos grandes Espíritos do espaço, que vêm aos milhares instruir e moralizar a Humanidade, apresenta um cunho impessoal e universal. Sua missão é esclarecer, coordenar todas as revelações do passado, contidas nos livros sagrados das diversas raças humanas e veladas sob a parábola e o símbolo. A nova revelação, livre de qualquer forma material, manifesta-se diretamente à Humanidade, cuja evolução intelectual tornou-se apta para abordar os altos problemas do destino. Preparada pelo trabalho das ciências naturais, sobre as quais se apoia, e pelos conhecimentos lentamente adquiridos pelo espírito humano, fecunda esses trabalhos e conhecimentos e os liga por forte vínculo, formando um todo sólido.

A revelação cristã havia sucedido à revelação moisaica; a revelação dos Espíritos vem completá-la. O Cristo a anunciou (Eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, para que fique eternamente convosco o Espírito de Verdade, que o mundo não pode receber, porque o não vê nem o conhece), e pode acrescentar-se que ele próprio preside a esse novo surto do pensamento. Como essa revelação não se efetua pelo veículo da ortodoxia, vemos combaterem-na as igrejas estabelecidas; o mesmo, porém, se deu com a revelação cristã, relativamente ao sacerdócio judaico. O clero se encontra hoje na mesma posição dos sacerdotes de Israel, há dois mil anos, a respeito do Cristianismo. Essa aproximação histórica deve fazê-lo refletir.

A nova revelação manifesta-se fora e acima das igrejas. Seu ensino dirige-se a todas as raças da Terra. Por toda parte os Espíritos proclamam os princípios em que ela se apoia. Por sobre todas as regiões do globo perpassa a grande voz que convida o homem a meditar em Deus e na vida futura. Acima das estéreis agitações e das discussões fúteis dos partidos, acima das lutas de interesse e do conflito das paixões, a voz profunda desce do espaço e vem oferecer a todos, com o ensinamento da Palavra, a divina esperança e a paz do coração. É a revelação dos tempos preditos. Todos os ensinos do passado, parciais, restritos, limitados na ação que exerciam, são por ela ultrapassados, envolvidos. Ela utiliza os materiais acumulados; reúne-os, solidifica-os para formar um vasto edifício em que o pensamento, à vontade, possa expandir-se. Abre uma fase nova e decisiva à ascensão da Humanidade.

Não podemos, todavia, calar as inúmeras objeções que se levantaram contra a doutrina dos Espíritos. Maugrado ao caráter imponente da nova revelação, muitos nela não viram mais que um sistema, uma teoria especulativa. Mesmo entre os que admitiam a realidade dos fenômenos, houve quem acusasse os espíritas de haver edificado sobre tais fatos uma doutrina prematura, assim restringindo o caráter positivo do moderno espiritualismo. Os que empregam essa linguagem, não compreenderam a verdadeira natureza do Espiritismo. Este não é, como pretendem, uma doutrina previamente elaborada e menos ainda uma teoria preconcebida; é apenas a consequência lógica dos fatos, o seu complemento necessário.

Há meio século, as comunicações estabelecidas com o mundo invisível não têm cessado de nos fornecer indicações, tão numerosas quão positivas, sobre as condições da vida nesse mundo. Os Espíritos, nas mensagens que nos dão em abundância, mediante, quer a escrita automática, quer os ditados tiptológicos, ou, ainda, no curso de palestras entretidas por via de incorporação; por todos os meios enfim ao seu alcance; os Espíritos, repetimo-lo, de todas as categorias, fazem descrições muito circunstanciadas do seu modo de existência depois da morte. Descrevem as impressões ou alegrias que experimentaram, conforme a sua norma de vida na Terra. De todas essas descrições, comparadas, cotejadas entre si, resulta um conhecimento muito claro da vida futura e das leis que a regem.

As Inteligências superiores, em suas relações mediúnicas com os homens, vêm completar essas indicações. Confirmam os ensinos ministrados pelos Espíritos menos adiantados; elevando-se a maior altura, expõem o seu modo de ver, as suas opiniões sobre todos os grandes problemas da vida e da morte, a evolução geral dos seres, as leis superiores do Universo. Todas essas revelações concordam e se unem para constituir uma filosofia admirável.

Acreditaram descobrir certas divergências de opiniões no ensino dos Espíritos; mas essas divergências são muito mais aparentes que reais. Consistem, as mais das vezes, na forma, na expressão das idéias e não afetam a própria essência do assunto. Elas se dissipam à luz de um amadurecido exame. Disso temos um exemplo no que se refere à doutrina das sucessivas reencarnações da alma. Tem-se feito dessa questão uma arma contra o Espiritismo, porque certos Espíritos, em países anglo-saxônios, parecem negar a reencarnação das almas na Terra. Notaremos que, em toda parte, os Espíritos afirmam o princípio das existências sucessivas, com esta única reserva, no meio muito circunscrito, de que falamos, de que a reencarnação se efetuaria, não na Terra, mas noutros mundos. Não há nisso, pois, senão uma diferença de lugar; o princípio permanece intacto.

Se os Espíritos, em alguns países eivados de tenazes preconceitos, entenderam dever passar em silêncio, ao começo, alguns pontos do seu ensino, não era isso, como eles mesmos o reconheceram, para contemporizar com certos preconceitos de raça ou de cor? O que bastaria para o provar é o número dos espiritualistas anti-reencarnacionistas, na América como na Inglaterra, a diminuir dia a dia, ao passo que o dos partidários da reencarna-ção não tem cessado de aumentar. Os Espíritos que se manifestam, objeta-se ainda, não são todos de ordem elevada. Alguns patenteiam opiniões muito restritas, conhecimentos muito imperfeitos acerca de todas as coisas. Outros se mostram ainda imbuídos dos preconceitos terrestres, suas concepções apresentam o reflexo dos meios em que viveram aqui na Terra.

A morte não nos muda em quase nada, como dissemos. Não se opera, em nossa infinita trajetória, transformação alguma brusca. É lentamente, na sequência de numerosas existências, que o Espírito se liberta de suas paixões, de seus erros e fraquezas, e ascende para a sabedoria e para a luz. Desse estado de coisas resulta, necessariamente, uma grande variedade, uma extrema diversidade de situações entre os invisíveis. As comunicações dos habitantes do espaço, como os seus autores, são de valor muito desigual e sujeitas à verificação. Devem ser joeiradas pela razão e pelo bom senso.

Por isso, o moderno espiritualismo não dogmatiza nem se imobiliza. Não alimenta pretensão alguma à infalibilidade. Posto que superior aos que o precederam, o ensino espírita é progres­sivo como os próprios Espíritos. Ele se desenvolve e completa à medida que, com a experiência, se efetua o progresso nas duas humanidades, a da Terra e a do espaço - humanidades que se penetram mutuamente e das quais cada um de vós deve, alternativamente, fazer parte.

Os princípios do moderno espiritualismo foram expostos, estabelecidos, fixados por numerosos documentos, que emanavam das mais diversas fontes mediúnicas e apresentavam entre si perfeita concordância. Allan Kardec e, depois dele, todos os escritores espíritas, aplicaram-se a um longo e minucioso exame das comunicações de além-túmulo. Foi reunindo, coordenando o que estes tinham de comum, que eles acumularam os elementos de um ensino racional, que fornece satisfatória explicação de todos os problemas insolúveis antes dele. Esse ensino, além de tudo, é sempre verificável, pois que a fonte donde emana é inesgotável. A comunicação estabelecida entre os homens e os Espíritos é permanente e universal; ela se acentuará cada vez mais com os progressos da Humanidade.

Se é verdade que são numerosos, em torno de nós, os Espíritos tenebrosos e atrasados, é preciso não esquecer que as almas elevadas, descidas das esferas de luz, também vêm trazer à Terra esses sublimes ensinamentos, que, uma vez ouvidos, nunca mais esquecemos. Ninguém se poderia eximir à sua influência. Todos os que têm tido a fortuna de ouvir as suas instruções, conservam por muito tempo a sua lembrança e impressão. É fácil compreender que a sua linguagem não é deste mundo, vem de regiões mais altas.

A esses radiantes Espíritos se associam, às vezes, as almas dos nossos parentes, dos que amamos neste mundo e a cuja sorte não podemos ficar indiferentes. Desde que aos nossos olhos se evidencia a identidade desses seres, tão caros para nós; desde que a sua personalidade se afirma por mil modos, não se nos desperta uma necessidade imperiosa de conhecer as condições de sua nova vida?

Como permanecer indiferentes, insensíveis à voz dos que nos embalaram, dos que, em seus braços nos acalentaram, foram a nossa carne e o nosso sangue? Esse afeto que nos une aos nossos mortos, esse sentimento que nos eleva acima da poeira terrestre e nos distingue do animal, não nos impõe o dever de piedosamente recolher, examinar e propagar tudo o que eles nos revelam relativamente a esses graves problemas do destino, suspensos há tantos séculos por sobre o pensamento humano?

Os que não querem ver no moderno espiritualismo senão o lado experimental, o fato físico, que desdenham as suas conseqüências, não preferem a ao conteúdo do livro? Não desprezam o sábio conselho de Rabelais: "Parti o osso e sugai a medula"? É realmente uma substância fortificante esse ensino; cura-nos do terror da morte, apercebe-nos para as lutas fecundas, para a conquista das elevadas culminâncias intelectuais.

O Espiritismo tem um lado inteiramente científico; repousa sobre provas palpáveis sobre fatos incontestáveis, mas são principalmente as suas consequências morais que interessam à grande maioria dos homens. A experimentação, a minuciosa análise dos fatos, não está ao alcance de todos. Quando mesmo não faltasse o tempo, seriam precisos os agentes, os meios de ação e de verificação. Os pequeninos, os humildes, os que constituem a massa popular, nem sempre dispõem do necessário para o estudo dos fenômenos, e são precisamente esses os que têm maior necessidade de conhecer todos os seus resultados, todo o seu alcance.

A Doutrina dos Espíritos pode resumir-se em três pontos essenciais:

1 - A natureza do ser;

2 - Os seus destinos;

3 - As leis superiores do Universo.

O estudo mais necessário, para nós, é o de nós mesmos. O que, ante de tudo, nos importa saber, é o que somos. Ora, de todos era esse o problema que mais obscuro permanecia até agora. Hoje, o conhecimento da natureza íntima do homem se destaca tão perfeitamente das comunicações ditadas pelos Espíritos, como da observação direta dos fenômenos do Espiritismo, e do sonambulismo.

O homem possui dois corpos: um de matéria grosseiro, que o põe em relação com o mundo físico; outro fluídico, por meio do qual entra em relação com o mundo invisível. O corpo físico é perecível e se desagrega na morte; é um traje vestido para a duração da viagem terrestre. O corpo fluídico é indestrutível, mas purifica-se e se eteriza com os progressos da alma, de que é invólucro inseparável, permanente. Deve ser considerado o verdadeiro corpo, o tipo da criação corporal, o esboço em que se desenvolve o plano da vida física.

É nele que se modelam os órgãos, que as células se agrupam; é ele que lhes assegura o mecanismo funcional. O perispirito, ou corpo fluidico, é o agente de todas as manifestações da vida, tanto na Terra, para o homem, como no espaço, para o Espírito. Ele contém a soma de vitalidade necessária ao indivíduo para renascer e desenvolver-se. Os conhecimentos acumulados no decurso das encarnações anteriores, as recordações das passadas existências se capitalizam e registam no perispirito. Isento das constantes mutações padecidas pelo corpo material, é ele a sede imperecível da memória e assegura a sua conservação.

O admirável plano da vida revela-se na constituição intima do ser humano. Destinado a habitar, alternativamente, dois mundos diferentes, devia o seu organismo conter todos os elementos suscetíveis de o pôr em relação com esses mundos e neles facilitar a obra do seu progresso. Não somente os nossos sentidos atuais são chamados a desenvolver-se, mas ainda o perispirito encerra, além disso, os germes de novos sentidos que hão de desabrochar e se manifestar no decurso das futuras existências, dilatando cada vez mais o campo das nossas sensações.

Nossos modos de percepção acham-se em correlação com o grau do nosso adiantamento e em relação direta com o meio em que habitamos. Tudo se encadeia e se harmoniza na natureza física, como na ordem moral das coisas. Um organismo superior ao nosso, não teria razão de ser no ambiente em que o homem vem ensaiar os primeiros passos, percorrer os primeiros estádios do seu infinito itinerário. Nossos sentidos são, porém, suscetíveis de aperfeiçoamento ilimitado. O homem atual possui todos os elementos da sua grandeza futura; em progressão crescente verá ele manifestarem-se, em torno de si, em todas as coisas, proprieda­des, qualidades que ainda lhe são desconhecidas. Aprenderá a conhecer potências, forças, cuja existência nem sequer suspeita, porque não há possibilidade de relações entre elas e o organismo imperfeito de que dispõe atualmente.

O estudo do perispírito nos revela, desde já, como pode o homem viver simultaneamente da vida física e da vida livre do espaço. Os fenômenos do sonambulismo, do desdobramento, da visão, da ação à distância, constituem outros tantos modos dessa vida exterior, de que não temos consciência alguma durante a vigília. O Espírito, na carne, é qual prisioneiro no cárcere; o estado de sonambulismo e de mediunidade o faz sair dela e lhe permite, mais ou menos, dilatar o círculo de suas percepções, conservando-o preso por um laço ao seu invólucro. A morte é a liberdade integral. (...)

Léon Denis

I - HISTÓRICO DO ESPIRITISMO

Por volta de 1848, a atenção foi chamada, nos Estados Unidos da América, sobre diversos fenômenos estranhos, consistentes em ruídos, pancadas e movimento de objetos sem causa conhecida. Esses fenômenos, frequentemente, ocorriam espontaneamente, com uma intensidade e uma persistência singulares; mas notou-se também que eles se produziam mais particularmente sob influência de certas pessoas, que se designou sob o nome de médiuns, e que podiam, de alguma sorte, provocá-los à vontade, o que permite repetir as experiências.

Serviu-se, sobretudo, para isso de mesas; não que esse objeto seja mais favorável do que um outro, mas unicamente porque é o móvel mais cômodo, e que se senta, mais facilmente e mais naturalmente, ao redor de uma mesa que ao redor de qualquer outro móvel. Obteve-se, dessa maneira, a rotação da mesa, depois movimentos em todos os sentidos, sobressaltos, tombamentos, erguimentos, pancadas com violência, etc. É o fenômeno que foi designado no princípio, sob o nome de mesas girantes ou dança das mesas.

Até aí o fenômeno podia perfeitamente se explicar por uma corrente elétrica ou magnética, ou pela ação de um fluido desconhecido, e essa foi mesmo a opinião que se formou a respeito. Mas não tardou a se reconhecer, nesses fenômenos, efeitos inteligentes; assim, o movimento obedecia à vontade; a mesa se dirigia à direita ou à esquerda para uma pessoa designada, e se dirigia ao comando, sobre um ou dois pés, batendo o número de pancadas pedidas, batia o compasso, etc...

Desde então ficou evidente que a causa não era puramente física, e segundo esse axioma que: se todo efeito tem uma causa, todo o efeito inteligente deve ter uma causa inteligente, concluiu-se que a causa desse fenômeno deveria ser uma inteligência. Qual era a natureza dessa inteligência? Aí estava a questão. O primeiro poderia ser um reflexo da inteligência do médium ou dos assistentes, mas a experiência logo demonstrou-lhe a impossibilidade, porque obtinham-se coisas completamente fora do pensamento e dos conhecimentos das pessoas presentes, e mesmo em contradição com suas idéias, sua vontade e seu desejo; ele não podia pois, pertencer senão a um ser invisível.

O meio para disso se assegurar era muito simples: tratava-se de entrar em conversação, o que se fez por meio de um número de golpes convencionados significando SIM ou NÂO, ou designando as letras do alfabeto, e se teve, dessa maneira, respostas às mais diversas perguntas que se lhe dirigia. E' o fenômeno que foi designado sob o nome de mesas falantes. Todos os seres que se comunicaram desse modo, interrogados sobre a sua natureza, declararam ser Espíritos e pertencerem a um mundo invisível. Tendo os mesmos efeitos se produzido num grande número de localidades, por intermédio de pessoas diferentes, e sendo, aliás, observados por homens muito sérios e muito esclarecidos, não era possível que se o fosse o joguete de uma ilusão.

Da América, esse fenômeno passou para a França e ao resto da Europa, onde durante alguns anos, as mesas girantes e falantes foram a moda, e se tornaram o divertimento dos salões; depois, quando delas se usou bastante, foram deixadas de lado, para passar a uma outra distração. O fenômeno não tardou a se apresentar sob um novo aspecto que fê-lo sair do domínio da curiosidade. Os limites deste resumo não nos permitindo segui-lo em todas as suas fases, passamos, sem outra transição, ao que oferece de mais característico, ao que, sobretudo, fixou a atenção de pessoas sérias.

Dizemos preliminarmente, de passagem, que a realidade do fenômeno encontra numerosos contraditares; uns, sem levar em conta o desinteresse e a honorabilidade dos experimentadores, não viram nele senão um malabarismo, um hábil jogo de escamoteação. Aqueles que não admitem nada fora do mundo da matéria, que não crêem senão no mundo visível, que pensam que tudo morre com o corpo, os materialistas, em uma palavra: aqueles que se qualificam de espíritos fortes, rejeitaram a existência dos Espíritos invisíveis na classe de fábulas absurdas; taxaram de loucos aqueles que levavam a coisa a sério, e os acabrunharam com sarcasmos e zombarias.

Outros, não podendo negar os fatos, e sob o império de uma certa ordem de idéias, atribuíram esses fenômenos à influência exclusiva do diabo, e procuraram, por esse meio, atemorizar os tímidos. Mas hoje o medo do diabo perdeu singularmente seu prestígio; tanto dele se falou, se o pintou de tantos modos que se está familiarizado com essa idéia, e muitos se disseram que era necessário aproveitar a ocasião para ver o que ele é realmente.

Disso resultou que, à parte um pequeno número de mulheres tímidas, o anúncio da chegada do verdadeiro diabo tinha alguma coisa de picante para aqueles que não o viram senão em pintura e no teatro; foi, para muitas pessoas, um poderoso estimulante: de sorte que aqueles que quiseram, por esse meio, opor uma barreira às idéias novas, foram contra seu objetivo, e tornaram-se, sem o querer, agentes propagadores tanto mais eficazes quanto gritavam mais forte. Os outros críticos não tiveram maior sucesso, porque, aos fatos constatados, aos raciocínios categóricos, não puderam opor senão denegações. Lede o que publicaram.

Por toda parte encontrareis a prova da ignorância e da falta de observação séria dos fatos, e em nenhuma parte uma demonstração peremptória de sua impossibilidade; toda sua argumentação assim se resume: "eu não creio portanto, isso não existe; todos os que crêem são loucos; só nós temos o privilégio da razão e do bom-senso." O número de adeptos feitos pela crítica séria ou bufa, é incalculável, porque por toda parte não se encontram senão opiniões pessoais, vazias de provas contrárias.

As comunicações por pancadas eram lentas e incompletas; reconheceu-se que, adaptando-se um lápis a um objeto móvel: cesta, prancheta ou outro, sobre o qual colocavam-se os dedos, esse objeto se punha em movimento e traçava caracteres. Mais tarde reconheceu-se que esses objetos não eram senão acessórios os quais se podia dispensar; a experiência demonstrou que o Espírito, agindo sobre um corpo inerte para dirigí-lo à vontade poderia agir, do mesmo modo, sobre o braço ou a mão a fim de conduzir o lápis.

Teve-se então, os médiuns escreventes, quer dizer, pessoas escrevendo de modo involuntário sob o impulso de Espíritos, dos quais se achavam assim os instrumentos e os intérpretes. Desde esse momento, as comunicações não tiveram mais limites, e a troca de pensamentos pode ser feita com tanta rapidez e desenvolvimento quanto entreos vivos. Era um vasto campo aberto à exploração, a descobertade um mundo novo: o mundo dos invisíveis, como o microscópio descobrira o mundo dos infinitamente pequenos.

Que são os Espíritos? Que papel desempenham no Universo? Com qual objetivo se comunicaram aos mortais? Tais são as primeiras perguntas que se tratava de resolver. Soube-se logo, por eles mesmos, que não são seres à parte na criação, mas as próprias almas daqueles que viveram na Terra ou em outros mundos; que essas almas, depois de se despojarem de seu envoltório corporal, povoam e percorrem o espaço. Não mais foi permitido disso duvidar quando se reconheceu, entre eles, seus parentes e seus amigos, com os quais puderam se entreter, quando estes vieram dar a prova de sua existência, demonstrar que não há de morto neles senão o corpo, que sua alma ou Espírito vive sempre, que estão ali, perto de nós, vendo-nos e observando-nos como quando vivos, cercando com sua solicitude aqueles que amaram, e dos quais a lembrança, para eles, é uma doce satisfação.

Faz-se geralmente dos Espíritos uma idéia completamente falsa; eles não são como muitos os figuram, seres abstratos, vagos e indefinidos, nem qualquer coisa como um clarão ou uma centelha; são, ao contrário, seres muito reais, tendo sua individualidade e uma forma determinada. Pode-se deles fazer uma idéia aproximada pela explicação seguinte: Há no homem três coisas essenciais: 1 - a alma ou Espírito, princípio inteligente em quem residem o pensamento, a vontade e o senso moral; 2 - o corpo, envoltório material pesado e grosseiro, que coloca o Espírito em relação com o mundo exterior; 3 - o perispírito, envoltório fluídico, leve, servindo de laço e de intermediário entre o Espírito e o corpo. Quando o envoltório exterior está usado e não pode mais funcionar, ele cai e o Espírito dele se despoja como o fruto de sua casca, a árvore de sua crosta: em uma palavra, como se tira uma velha roupa fora de seu uso; é o que se chama a morte.

A morte, portanto, não é outra coisa senão a destruição do grosseiro envoltório do Espírito: só o corpo morre, o Espírito não morre. Durante a vida o Espírito está, de alguma sorte, comprimido pelos laços da matéria ao qual está unido, e que, frequentemente, paralisa suas faculdades; a morte do corpo desembaraça-o de seus laços; dele se liberta e recobra sua liberdade, como a borboleta saindo de sua crisálida; mas não deixa senão o corpo material; conserva o perispírito, que constitui, para ele, uma espécie de corpo etéreo, vaporoso, imponderável para nós e de forma humana, que parece ser a forma tipo.

Em seu estado normal, o perispírito é invisível, mas o Espírito pode fazê-lo sofrer certas modificações que o tornam momentaneamente acessível à visão e mesmo ao toque, como ocorre para o vapor condensado; é assim que podem, algumas vezes, mostrarem-se a nós nas aparições. E com a ajuda do perispírito que o Espírito age sobre a matéria inerte, e produz os diversos fenômenos de ruídos, de movimentos, de escrita, etc. (as pancadas e os movimentos são, para os Espíritos, os meios de atestarem sua presença e chamarem sobre eles, a atenção, absolutamente como quando uma pessoa bate para advertir que há alguém. Há os que não se limitam a ruídos moderados, mas que vão até fazerem um alarido semelhante ao da louça que se quebra, de portas que se abrem e se fecham, ou de móveis que tombam.

Com a ajuda dos golpes e dos movimentos convencionais, eles puderam exprimir seus pensamentos, mas a escrita lhes oferece o meio completo, o mais rápido e o mais cômodo; também é aquele que eles preferem (Ocorre o mesmo para a palavra). Pela mesma razão que podem levar a formar caracteres, podem guiar a mão para fazer traçar desenhos, escrever música, executar um trecho num instrumento, em uma palavra, na falta de seu próprio corpo, que não têm mais, servem-se do médium para se manifestarem aos homens de maneira sensível.

Os Espíritos ainda podem se manifestar de várias maneiras, entre outras pela visão e pela audição. Certas pessoas, ditas médiuns audientes, tema faculdade de ouvi-los, e podem assim conversar com eles; outros os vêem: são os médiuns videntes. Os Espíritos que se manifestam à visão, geralmente, apresentam-se sob uma forma análoga à que tinham quando vivos, mais vaporosa; outras vezes, essa forma tem todas as aparências de um ser vivo, ao ponto de iludir completamente, e que, algumas vezes, foram tomados por pessoas em carne e osso, com as quais se pôde conversar e trocar apertos de mão, sem desconfiar que se relacionava com Espíritos, de outro modo senão pelo seu desaparecimento súbito.

A visão permanente e geral dos Espíritos é muito rara, mas as aparições individuais são bastante frequentes, sobretudo no momento da morte; o Espírito liberto parece se apressar para ir rever seus parentes e amigos, como para adverti-los que acaba de deixar a Terra e dizer-lhes que vive sempre. Que cada um reúna suas lembranças, e ver-se-á quantos fatos desse gênero, dos quais não se dava conta, ocorreram não somente à noite, durante o sono, mas em pleno dia, no estado de vigília mais completo. Outrora olhava-se esses fatos corno sobrenaturais e maravilhosos, e se os atribuía à magia e à feitiçaria; hoje os incrédulos os colocam à conta da imaginação; mas desde que a ciência espírita deu-lhes a chave, sabe-se como se produzem, e que não saem da ordem de fenômenos naturais.

Crê-se ainda que os Espíritos, pelo único fato de serem Espíritos, devem ter a soberana ciência e a soberana sabedoria: foi um erro que a experiência não tardou a demonstrar. Entre as comunicações dadas pelos Espíritos, há as que são sublimes de profundeza, de eloquência, de sabedoria, de moral, e não respiram senão a bondade e a benevolência; mas, ao lado disso, há as muito vulgares, levianas, triviais, grosseiras mesmo, e pelas, quais o Espírito revela os instintos mais perversos. É, pois, evidente que elas não podem emanar da mesma fonte, e que, se há bons Espíritos, os há também maus. Os Espíritos, não sendo outra coisa que a alma dos homens, não podem naturalmente tornarem-se perfeitos deixando seu corpo; até que hajam progredido, conservam as imperfeições da vida corpórea; por isso, se os vê em todos os graus de bondade e de maldade, de saber e de ignorância.

Os Espíritos se comunicam geralmente com prazer, e para eles é uma satisfação ver que não foram esquecidos; descrevem voluntariamente suas impressões em deixando a Terra, sua nova situação, a natureza de suas alegrias e de seus sofrimentos no mundo dos Espíritos onde se encontram; uns são muito felizes, outros infelizes, alguns mesmo suportam tormentos horríveis, segundo a maneira pela qual viveram, e o emprego bom ou mau, útil ou inútil que fizeram da vida. Em os observando em todas as fases de sua nova existência, segundo a posição que ocuparam na Terra, seu gênero de morte, seu caráter e seus hábitos como homens, chega-se a um conhecimento senão completo, pelo menos bastante preciso, do mundo invisível, para se dar conta do nosso estado futuro e pressentir a sorte feliz ou infeliz que ali nos espera.

As instruções dadas pelos Espíritos de uma ordem elevada, sobre todos os assuntos que interessam à Humanidade, as respostas que deram às perguntas que lhes foram propostas, tendo sido recolhidas e coordenadas com cuidado, constituem toda uma ciência, toda uma doutrina moral e filosófica sob o nome de Espiritismo. O Espiritismo é, pois, a doutrina fundada sobre a existência, as manifestações e o ensinamento dos Espíritos. Essa doutrina se acha exposta, de maneira completa, em O Livro dos Espíritos para aparte filosófica, em O Livro dos Médiuns para a parte prática e experimental, e em O Evangelho Segundo o Espiritismo para a parte moral. Pode-se julgar, pela análise que damos adiante dessas obras, da variedade, da extensão e da importância das matérias que elas abarcam.

Assim como se viu, o Espiritismo teve seu ponto de partida no fenômeno vulgar das mesas girantes; mas como esses fatos falam mais aos olhos que à inteligência, que despertam mais curiosidade que sentimento, a curiosidade satisfeita, se tem tanto menos interesse neles quanto não se os compreenda.

Não ocorreu o mesmo quando a teoria veio explicar-lhes a causa; quando, sobretudo, viu-se que dessas mesas girantes, com as quais se divertiu por um instante, saiu toda uma doutrina moral falando à alma, dissipando as angústias da dúvida, satisfazendo a todas as aspirações deixado no vago por um ensinamento incompleto sobre o futuro da Humanidade, as pessoas sérias acolheram a nova doutrina como um benefício e, desde então, longe de declinar, ela cresce com uma rapidez incrível; no espaço de alguns anos, ela reuniu, em todos os países do mundo e sobretudo entre as pessoas esclarecidas, inumeráveis partidários que aumentam todos os dias numa proporção extraordinária, de tal sorte que, hoje, pode-se dizer que o Espiritismo conquistou direito de cidadania; e está assentado sobre bases que desafiam os esforços de seus adversários mais ou menos interessados em combatê-lo, e a prova disso é que os ataques e críticas não afrouxaram sua marcha um só instante: este é um fato adquirido pela experiência, e do qual os opositores jamais puderam dar razão; os espíritas dizem, muito simplesmente, que se ele se propaga apesar da crítica, é que se o acha bom e que se prefere seu raciocínio ao dos contraditores.

O Espiritismo, todavia, não é uma descoberta moderna; os fatos e os princípios sobre os quais repousam, perdem-se na noite dos tempos, porque se lhes encontram os traços nas crenças de todos os povos, em todas as religiões, na maioria dos escritos sagrados e profanos; somente os fatos, incompletamente observados, frequentemente foram interpretados segundo as idéias supersticiosas da ignorância, e não lhes foram deduzidas todas as consequências. Com efeito, o Espiritismo está fundado sobre a existência de Espíritos, mas os Espíritos, não sendo outros que as almas dos homens, desde que há homens há Espíritos; o Espiritismo não os descobriu, nem os inventou. Se as almas ou Espíritos podem se manifestar aos vivos, é porque isso está na Natureza, e desde então deveram fazê-!o de todos os tempos; também de todos os tempos, e por toda parte, encontram-se as provas dessas manifestações, que são muitas, sobretudo nos relatos bíblicos.

O que é moderno, é a explicação lógica dos fatos; o conhecimento mais completo da natureza dos Espíritos, de seu papel e de seu modo de ação, a revelação de nosso estado futuro, enfim sua constituição de corpo de ciência e de doutrina e suas diversas aplicações. Os Antigos conheciam o princípio, os Modernos conhecem os detalhes. Na antiguidade, o estudo desses fenômenos era o privilégio de certas castas, que não os revelavam senão aos iniciados nos seus mistérios; na idade média, aqueles que deles se ocupavam ostensivamente eram olhados como feiticeiros e queimados; mas hoje não há mistérios para ninguém, não se queima mais ninguém; tudo se passa à luz do dia, e todo o mundo está em condições de se esclarecer e de praticar, porque os médiuns se encontram por toda parte.

A própria doutrina que os Espíritos ensinam hoje, nada tem de nova; se a encontra, por fragmentos, na maioria dos filósofos da índia, do Egito e da Grécia, e toda inteira no ensinamento do Cristo. Que vem, pois, fazer o Espiritismo? Ele vem confirmar por novos testemunhos, demonstrar por fatos, verdades desconhecidas ou mal compreendidas, restabelecer, em seu verdadeiro sentido, aquelas que foram mal interpretadas. O Espiritismo nada ensina de novo, é verdade; mas é nada provar, de maneira patente, irrecusável, a existência da alma, sua sobrevivência ao corpo, sua individualidade depois da morte, sua imortalidade, as penas e as recompensas futuras? Quantas pessoas crêem nessas coisas, mas nela crêem com vago preconceito de incerteza, e se dizem eu seu foro íntimo: "Se, todavia, isso não o for!" Quantos foram conduzidos à incredulidade porque se lhes apresentou o futuro sob um aspecto que sua razão não podia admitir! Não é, pois, nada para o crente vacilante poder dizer-se: "Agora estou seguro!" Para o cego de rever a luz!

Pelos fatos e pela sua lógica, o Espiritismo vem dissipar a ansiedade da dúvida, e conduzir à fé aqueles que dela se afastaram; em nos revelando a existência do mundo invisível que nos cerca, e no meio do qual vivemos sem disso nos dar conta, faz-nos conhecer pelo exemplo daqueles que viveram, as condições de nossa felicidade ou de nossa infelicidade futuras; explica-nos a causa de nossos sofrimentos neste mundo e o meio de abrandá-los. Sua propagação terá por efeitos inevitáveis a destruição das doutrinas materialistas que não podem resistir à evidência. O homem, convencido da grandeza e da importância de sua existência futura, que é eterna, compara-a à incerteza da vida terrestre, que é tão curta, e se eleva, pelo pensamento, acima das mesquinhas considerações humanas; conhecendo a causa e o objetivo de suas misérias, suporta-as com paciência e resignação, porque sabe que elas são um meio para chegar a um estado melhor.

O exemplo daqueles que vêm de além-túmulo descrever suas alegrias e suas dores, em provando a realidade da vida futura, ao mesmo tempo, prova que a justiça de Deus não deixa nenhum vício sem punição, nem nenhuma virtude sem recompensa. Acrescentemos, enfim, as comunicações com os seres queridos, que já partiram, que proporcionam uma doce consolação provando não somente que eles existem, mas que se está menos separado do que se estivessem vivos e num país estrangeiro.

Em resumo, o Espiritismo abranda a amargura dos desgostos da vida; acalma os desesperos e as agitações da alma, dissipa as incertezas ou os terrores do futuro, detém o pensamento de abreviar a vida por suicídio; por isso mesmo, torna felizes aqueles que nele penetram, e aí está o grande segredo de sua rápida propagação.

Do ponto de vista religioso, o Espiritismo tem por base as verdades fundamentais de todas as religiões: Deus, a alma, a imortalidade, as penas e as recompensas futuras; mas ele é independente de todo culto particular. Seu objetivo é provar, àqueles que negam ou que duvidam, que a alma existe, que ela sobrevive ao corpo; que ela suporta, depois da morte, as consequências do bem e do mal que fez durante a vida corpórea; ora, isto é de todas as religiões.

Como crença nos Espíritos, é igualmente de todas as religiões, do mesmo modo que é de todos os povos, uma vez que, por toda parte que haja homens, há almas ou Espíritos, que as manifestações são de todos os tempos, e que o relato se encontra em todas as religiões sem exceções. Pode-se, pois, ser católico, grego ou romano, protestante, judeu ou muçulmano, e crer nas manifestações dos Espíritos, e, por consequência, ser Espírita; a prova é que o Espiritismo tem adeptos em todas as seitas.

Como moral, ele é essencialmente cristão, porque a que ele ensina não é senão o desenvolvimento e a aplicação da do Cristo, a mais pura de todas, e cuja superioridade não é contestada por ninguém, prova evidente de que ela está na lei de Deus; ora, a moral é para o uso de todo o mundo.

O Espiritismo, sendo independente de toda forma de culto, não prescreve nenhum deles, e não se ocupa de dogmas particulares, não é uma religião especial, porque não tem nem seus sacerdotes e nem seus templos. Àqueles que lhe perguntam se fazem bem seguir tal ou tal prática, ele responde: Se credes vossa consciência induzida a fazê-lo, fazei-o: Deus tem sempre em conta a intenção. Em uma palavra, ele não se impõe a ninguém; não se dirige àqueles que têm a fé, e a quem esta fé basta, mas à numerosa categoria dos incertos e dos incrédulos; ele não os arrebata da Igreja, uma vez que dela estão separados moralmente no todo ou em parte: lhes é necessário fazer três quartas partes do caminho para nela entrarem; cabe a ela fazer o resto.

O Espiritismo combate, é verdade, certa crenças tais como a eternidade das penas, o fogo material do inferno, a personalidade do diabo, etc; mas não é certo que, essas crenças, impostas como absolutas, em todos os tempos fizeram incrédulos e o fazem todos os dias? Se o Espiritismo, dando a esses dogmas e da alguns outros, uma interpretação racional, conduz à fé aqueles que dela desertaram, não presta serviço à religião? Também um venerável eclesiástico dizia a esse respeito: "O Espiritismo faz crer em alguma coisa; ora, é melhor crer em alguma coisa que nada crer de tudo."

Os Espíritos, não sendo outros que as almas, não se pode negar os Espíritos sem negar a alma. Admitindo-se as almas, ou os Espíritos, a questão, reduzida à sua mais simples expressão, é esta: As almas daqueles que morreram podem se comunicar com os vivos? O Espiritismo prova a afirmativa por fatos materiais; que prova se pode dar de que isso não seja possível? Se isso for, todas as negações do mundo não impedirão que isso seja, porque não é nem um sistema, nem uma teoria, mas uma lei da Natureza; ora, contra as leis da Natureza, a vontade do homem é impotente; é necessário, por bem ou por mal, aceitar-lhe as consequências, e a elas conformar suas crenças e seus hábitos.

Allan Kardec

II - RESUMO DO ENSINAMENTO DOS ESPÍRITOS

1. Deus é a inteligência suprema, causa primeira de todas as coisas. Deus é eterno, único, imaterial, imutável, todo-poderoso, soberanamente justo e bom. Deve ser infinito em todas as suas perfeições, porque supondo-se um único de seus atributos imperfeito, não seria Deus.

2. Deus criou a matéria que constitui os mundos; criou também seres inteligentes, que chamamos Espíritos, encarregados de administrarem os mundos materiais, segundo as leis imutáveis da criação, e que são perfectíveis pela sua natureza. Em se aperfeiçoando, aproximam-se da divindade.

3. O espírito, propriamente dito, é o princípio inteligente; sua natureza nos é desconhecida; para nós, ele é imaterial, porque não tem nenhuma analogia com o que chamamos matéria.

4. Os Espíritos são seres individuais; têm um envoltório etéreo, imponderável, chamado perispírito, espécie de corpo fluídico, tipo da forma humana. Eles povoam os espaços, que percorrem com a rapidez do relâmpago, e constituem o mundo invisível.

5. A origem e o modo de criação dos Espíritos nos são desconhecidos; apenas sabemos que foram criados simples e ignorantes, quer dizer, sem ciência e sem conhecimento do bem e do mal, mas, com igual aptidão para tudo, porque Deus, em sua justiça, não poderia isentar uns do trabalho que houvesse imposto aos outros para chegarem à perfeição. No princípio, estão numa espécie de infância, sem vontade própria, e sem consciência perfeita de sua existência.

6. O livre arbítrio se desenvolve nos Espíritos ao mesmo tempo que as idéias, e Deus lhes disse: "Podeis todos pretender a felicidade suprema, quando houverdes adquirido os conhecimentos que vos faltam e cumprida a tarefa que eu vos imponho. Trabalhai, pois, para o vosso adiantamento; eis o objetivo: vós o atingireis em seguindo as leis que gravei em vossa consciência." Em consequência de seu livre arbítrio, uns tomam o caminho mais curto, que é o do bem, outros o mais longo, que é o do mau.

7. Deus não criou o mal; estabeleceu leis, e essas leis são sempre boas, porque ele é soberanamente bom; aquele que as observasse fielmente seria perfeitamente feliz; mas os Espíritos, tendo seu livre arbítrio, nem sempre as observavam, e o mal resultou, para eles, de sua desobediência. Pode-se, pois, dizer que o bem é tudo o que está conforme com a lei de Deus e o mal tudo o que é contrário a essa mesma lei.

8. Para concorrer, como agentes do poder divino, à obra dos mundos materiais, os Espíritos revestem temporariamente um corpo material. Pelo trabalho que sua existência corpórea necessita, aperfeiçoam sua inteligência e adquirem, em observando a lei de Deus, os méritos que deverão conduzi-los à felicidade eterna.

9. A encarnação não é imposta ao Espírito, no princípio, como uma punição; ela é necessária ao seu desenvolvimento e ao cumprimento das obras de Deus, e todos devem suportá-la, tomem o caminho do bem ou do mal; somente aqueles que seguem a rota do bem, avançam mais depressa, estão menos longe para alcançarem o objetivo e aí chegarem em condições menos penosas.

10. Os Espíritos encarnados constituem a Humanidade, que não é circunscrita à Terra, mas que povoa todos os mundos disseminados no espaço.

11. A alma do homem é um Espírito encarnado. Para secundá-lo no cumprimento de sua tarefa, Deus lhe deu, como auxiliares, os animais que lhe são submissos e cuja inteligência e caráter são proporcionais às suas necessidades.

12. O aperfeiçoamento do Espírito é o fruto de seu próprio trabalho; não podendo, em uma só existência corpórea, adquirir todas as qualidades morais e intelectuais que devem conduzi-lo ao objetivo, ele o alcança por uma sucessão de existências, em cada uma das quais dá alguns passos para frente no caminho do progresso.

13. Em cada existência corpórea, o Espírito deve prover uma tarefa proporcional ao seu desenvolvimento; quanto mais ela é rude e laboriosa, mais mérito tem em cumpri-la. Cada existência, assim, é uma prova que o aproxima do objetivo. O número dessas existências é indeterminado. Depende da vontade do Espírito abreviá-lo, trabalhando ativamente pelo seu aperfeiçoamento moral; do mesmo modo que depende da vontade do obreiro, que deve fornecer um trabalho, de abreviar o número de dias que emprega ao fazê-lo.

14. Quando uma existência foi mal empregada, é sem proveito para o Espírito, que deve recomeçar em condições mais ou menos penosas, em razão de sua negligência e de sua má vontade; assim é que, na vida, pode-se ser constrangido a fazer, no dia seguinte, o que não se fez na véspera, ou a refazer o que se fez mal.

15. A vida espiritual é a vida normal do Espírito: ela é eterna; a vida corpórea é transitória e passageira: não é senão um instante na eternidade.

16. No intervalo de suas existências corpóreas, o Espírito é errante. A erraticidade não tem duração determinada; nesse estado, o Espírito é feliz ou infeliz, segundo o bom ou o mau emprego que fez de sua última existência; ele estuda as causas que apressaram ou retardaram seu adiantamento; toma as resoluções que procurará pôr em prática na sua próxima encarnação e escolhe, ele mesmo, as provas que crê as mais próprias para seu adiantamento: mas, algumas vezes ele se engana, ou sucumbe não tendo como homem as resoluções que tomou como Espírito.

17. O Espírito culpado é punido por sofrimentos morais no mundo dos Espíritos, e por penas físicas na vida corpórea. Suas aflições são a consequência de suas faltas, quer dizer, de sua infração à lei de Deus; de sorte que são, ao mesmo tempo, uma expiação do passado e uma prova para o futuro: assim é que o orgulhoso pode ter uma existência de humilhação, o tirano uma de servidão, o mau rico uma de miséria.

18. Há mundos apropriados aos diferentes graus de adiantamento dos Espíritos, e onde a existência corpórea encontra-se em condições muito diferentes. Quanto menos o Espírito é avançado, mais os corpos que ele reveste são pesados e materiais; à medida que ele se purifica, passa para mundos superiores moral e fisicamente. A Terra não é nem o primeiro nem o último, mas é um dos mais atrasados.

19. Os Espíritos culpados estão encarnados nos mundos menos avançados, onde expiam suas faltas pelas atribulações da vida material. Esses mundos são, para eles, verdadeiros purgatórios, mas de onde depende deles saírem, trabalhando pelo seu adiantamento moral. A Terra é um desses mundos.

20. Deus, sendo soberanamente justo e bom, não condena suas criaturas a castigos perpétuos por faltas transitórias; oferece-lhes, em todo o tempo, meios de progredir e de reparar o mal que puderam fazer. Deus perdoa, mas exige o arrependimento, a reparação e o retorno ao bem; de sorte que a duração do castigo é proporcional à persistência do Espírito no mal; que, por consequência, o castigo seria eterno para aquele que permanecesse eternamente no mau caminho; mas, desde que um clarão de arrependimento entre no coração do culpado, Deus estende sobre ele sua misericórdia. A eternidade das penas, assim, deve ser entendida no sentido relativo, e não no sentido absoluto.

21. Os Espíritos, em se encarnando, trazem com eles o que adquiriram em suas existências precedentes; é a razão pela qual os homens mostram, instintivamente, aptidões especiais, inclinações boas ou más que parecem inatas neles.
As más tendências naturais são os restos das imperfeições do Espírito, e das quais não está inteiramente despojado; são também os indícios das faltas que cometeu, e o verdadeiro pecado original. Em cada existência, deve-se lavar de algumas impurezas.

22. O esquecimento das existências anteriores, é um benefício de Deus que, em sua bondade, quis poupar ao homem as lembranças, o mais frequentemente, penosas. A cada nova existência, o homem é o que fez de si mesmo; é para ele um novo ponto de partida, conhece seus defeitos atuais; sabe que esses defeitos são as consequências daqueles que tinha; disso conclui o mal que pôde cometer, e isso lhe basta para trabalhar a fim de se corrigir. Se tinha outrora defeitos que não tem mais, nada tem a se preocupar com isso; ele tem muitas imperfeições presentes.

23. Se a alma jamais vivera, seria porque fora criada ao mesmo tempo que o corpo; nessa suposição, ela não pode ter nenhuma relação com aquelas que a precederam. Pergunta-se então como Deus, que é soberanamente justo e bom, pode tê-la tornado responsável da falta do pai do gênero humano, manchando-o com um pecado original que não cometeu. Em dizendo, ao contrário, que ela traz, em renascendo, o germe das imperfeições de suas existências anteriores; que ela sofre, na existência atual, as consequências de suas faltas passadas, dá-se ao pecado original uma explicação lógica, que cada um pode compreender e admitir, porque a alma não é responsável senão pelas suas obras.

24. A diversidade das aptidões inatas, morais e intelectuais, é a prova de que a alma já viveu; se houvesse sido criada ao mesmo tempo que o corpo atual, não seria segundo a vontade de Deus fazer umas mais avançadas que as outras. Por que os selvagens e os homens civilizados, os bons e os maus, os tolos e as pessoas de espírito? Dizendo que uns viveram mais que os outros, e mais adquiriram, tudo se explica.

25. Se a existência atual fosse única e só ela devesse decidir o futuro da alma para a eternidade, qual seria a sorte das crianças que morrem em tenra idade? Não tendo feito nem bem nem mal, não merecem nem recompensas nem punições. Segundo a parábola do Cristo, cada um sendo recompensado segundo suas obras, não tem direito à felicidade perfeita dos anjos, nem merece dela estar privado. Dizei que poderão, numa outra existência, cumprir o que não fizeram naquela que foi abreviada, e não haver mais exceção.

26. Pelo mesmo motivo, qual seria a sorte dos cretinos e dos idiotas? Não tendo nenhuma consciência do bem e do mal, não têm nenhuma responsabilidade de seus atos. Deus seria justo e bom tendo criado almas estúpidas para lhes devotar uma existência miserável e sem compensação? Admiti, ao contrário, que a alma do cretino e do idiota, é um Espírito em punição num corpo impróprio a dar seu pensamento, onde está como um homem muito aprisionado por laços, e não tereis mais nada que não esteja conforme a justiça de Deus.

27. Nas encarnações sucessivas, sendo o Espírito pouco a pouco despojado de suas impurezas e aperfeiçoado pelo trabalho, chega ao fim de suas existências corpóreas; pertence, então, à ordem dos puros Espíritos ou dos anjos, e goza, ao mesmo, tempo da vida completa de Deus e de uma felicidade sem mácula pela eternidade.

28. Estando os homens em expiação na Terra, Deus, um bom pai, não os deixou entregues a si mesmos, sem guias. Primeiro têm seus Espíritos protetores ou anjos guardiães, que velam sobre eles e se esforçam para conduzi-los no bom caminho; têm, ainda, os Espíritos em missão na Terra, Espíritos superiores encarnados de tempos em tempos entre eles, para clarear o caminho pelos seus trabalhos e fazer a Humanidade avançar. Se bem que Deus haja gravado sua lei na consciência, acreditou devê-la formular de maneira explícita; enviou-lhes primeiro Moisés; mas as leis de Moisés eram apropriadas aos homens de seu tempo; não lhes falou senão da vida terrestre, de penas e de recompensas temporárias. O Cristo veio, em seguida, para completar a lei de Moisés por um ensinamento mais elevado: a pluralidade das existências, a vida espiritual, as penas e as recompensas morais. Moisés conduziu-os pelo temor, o Cristo pelo amor e pela caridade.

29. O Espiritismo, hoje melhor compreendido, acrescenta, para os incrédulos, a evidência à teoria; prova o futuro por fatos patentes; diz, em termos claros e inequívocos, o que o Cristo disse por parábolas; explica as verdades desconhecidas ou falsamente interpretadas; revela a existência do mundo invisível, ou dos Espíritos, e inicia o homem nos mistérios da vida futura; vem combater o materialismo, que é uma revolta contra o poder de Deus; enfim, vem estabelecer, entre os homens, o reino da caridade e da solidariedade anun­ciado pelo Cristo. Moisés lavrou, o Cristo semeou, o Espiritismo vem colher.

30. O Espiritismo não é uma luz nova, mas uma luz mais brilhante, porque surge de todos os pontos do globo, pela voz daqueles que viveram. Tornando evidente o que estava obscuro, põe fim às interpretações errôneas, e deve reunir os homens numa mesma crença, porque não há senão um só Deus, e suas leis são para todos; enfim, ele marca a era dos tempos preditos pelo Cristo e pelos profetas.

31. Os males que afligem os homens na Terra, têm por causa o orgulho, o egoísmo e todas as más paixões. Pelo contato de seus vícios, os homens se tornam reciprocamente infelizes e se punem uns pelos outros. Que a caridade e a humildade substitua o egoísmo e o orgulho, então não procurarão mais se prejudicarem; respeitarão os direitos década um, e farão reinar, entre eles, a concórdia e a justiça.

32. Mas como destruir o egoísmo e o orgulho que parecem inatos no coração do homem? O egoísmo e o orgulho estão no coração do homem, porque os homens são Espíritos que seguiram, desde o princípio, o caminho do mal, e que foram exilados na Terra em punição desses mesmos vícios; aí está ainda seu pecado original, do qual muitos não se despojaram. Pelo Espiritismo, Deus vem fazer um último apelo à prática da lei ensinada pelo Cristo: a lei de amor e da caridade.

33. Tendo a Terra chegado ao tempo marcado para se tornar uma morada de felicidade e de paz, Deus não quer que os maus Espíritos encarnados continuem aí para levar a perturbação aos bons; por isso deverão desaparecer. Irão expiar seu endurecimento em mundos menos avançados onde trabalharão de novo para seu aperfeiçoamento, numa série de existências mais infelizes e mais penosas ainda que na Terra.

Formarão, nesses-mundos, uma nova raça esclarecida è cuja tarefa será fazer progredir os seres atrasados que os habitam, com a ajuda de seus conhecimentos adquiridos. Daí não sairão para um mundo melhor senão quando tiverem merecimento, e assim por diante, até que atinjam a purificação completa. Se a Terra era para eles um purgatório, esses mundos serão seu inferno, mas um inferno de onde a esperança jamais está banida.

34. Ao passo que a geração proscrita vai desaparecer rapidamente, uma nova geração se eleva cujas crenças serão fundadas sobre o Espiritismo cristão. Assistimos à transição que se opera, prelúdio da renovação moral da qual o Espiritismo marca o advento.

Allan Kardec

III - MÁXIMAS EXTRAÍDAS DO
ENSINOS DOS ESPÍRITOS

35. O objetivo essencial do Espiritismo é o adiantamento dos homens. Não é necessário procurar senão o que pode ajudar ao progresso moral e intelectual.

36. O verdadeiro Espírita não é aquele que crê nas manifestações, mas aquele que aproveita o ensinamento dado pelos Espíritos. De nada serve crer, se a crença não o faz dar um passo à frente no caminho do progresso, e não o torna melhor para o seu próximo.

37. O egoísmo, o orgulho, a vaidade, a ambição, a cupidez, o ódio, a inveja, o ciúme, a maledicência, são para a alma ervas venenosas da qual é necessário cada dia arrancar algum pé e que têm, como antídoto: a caridade e a humildade.

38. A crença no Espiritismo não é aproveitável senão àquele que se pode dizer: Valho melhor hoje que ontem.

39. A importância que o homem dá aos bens temporais está na razão inversa de sua fé na vida espiritual; é a dúvida sobre o futuro que leva-o a procurar suas alegrias nesse mundo, satisfazendo suas paixões, inclusive às expensas de seu próximo.

40. As aflições na Terra são os remédios da alma; elas a salvam para o futuro como uma operação cirúrgica dolorosa salva a vida de um doente e lhe devolve a saúde. Por isso o Cristo disse: "Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados."

41. Nas vossas aflições, olhai abaixo de vós e não acima; pensai naqueles que sofrem ainda mais que vós.

42. O desespero é natural naquele que crê que tudo acaba com a vida do corpo; é um contra-senso naquele que tem fé no futuro.

43.0 homem, frequentemente, é o artífice de sua própria infelicidade neste mundo; que ele remonte à fonte de seus infortúnios, e verá que são, para a maioria, o resultado de sua imprevidência, de seu orgulho, de sua avidez, e, por conseguinte, de sua infração à lei de Deus.

44. A prece é um ato de adoração. Orar a Deus é pensar nele; é aproximar-se dele; é pôr-se em comunicação com ele.

45. Aquele que ora com fervor e confiança é mais forte contra as tentações do mal, e Deus lhe envia os bons Espíritos para ajudá-lo. É um socorro que jamais é recusado quando pedido com sinceridade.

46. O essencial não é muito orar, mas orar bem. Certas pessoas crêem que todo o mérito está no tamanho da prece, ao passo que elas fecham os olhos sobre seus próprios defeitos. A prece é para elas uma ocupação, um emprego do tempo mas não um estudo de si mesmas.

47. Aquele que pede a Deus o perdão de suas faltas, não o obtêm senão mudando de conduta. As boas ações são a melhor das preces, porque os atos valem mais que as palavras.

48. A prece é recomendada por todos os bons Espíritos; ela é, por outro lado, pedida por todos os Espíritos imperfeitos como um meio de aliviar seus sofrimentos.

49. A prece não pode mudar os decretos da Providência; mas, em vendo que se interessa por eles, os Espíritos sofredores sentem-se menos abandonados; são menos infelizes; ela aumenta sua coragem, excita neles o desejo de se elevar pelo arrependimento e a reparação, e pode desviá-los do pensamento do mal. É nesse sentido que ela pode não somente aliviar, mas abreviar seus sofrimentos.

50. Orai, cada um, segundo suas convicções e o modo que creais o mais conveniente, porque a forma não é nada, o pensamento é tudo; a sinceridade e pureza de intenção são essenciais; um bom pensamento vale mais que numerosas palavras, que se assemelham ao ruído de um moinho e onde o coração não está em nada.

51. Deus fez homens fortes e poderosos para serem o sustentáculo dos fracos; o forte que oprime o fraco é maldito de Deus; frequentemente, disso recebe o castigo nesta vida, sem prejuízo do futuro.

52. A fortuna é um depósito do qual o possuidor não tem senão que usufrui-lo, uma vez que não o carrega com ele no túmulo ele prestará uma conta severa do emprego que houver feito dele.

53. A fortuna é uma prova mais difícil que a miséria porque é uma tentação para o abuso e os excessos, e é mais difícil ser moderado que ser resignado.

54. O ambicioso que triunfa e o rico que se farta de gozos materiais são mais a lamentar do que a invejar, porque é necessário ver o retorno. O Espiritismo, pelos terríveis exemplos daqueles que viveram e que vêm revelar sua sorte, mostra a verdade desta palavra do Cristo: "Quem se eleva será rebaixado, e qualquer que se abaixe será elevado."

55. A caridade é a lei suprema do Cristo: "Amai-vos uns aos outros como irmãos; amai vosso próximo como a vós mesmos; perdoai os vossos inimigos; não façais a outrem o que não gostaríeis que vos fizésseis"; tudo isso se resume na palavra caridade.

56. A caridade não está somente na esmola, porque há caridade em pensamentos, em palavras e em atos. Aquela é caridade em pensamentos, que é indulgente para com as faltas de seu próximo; caridade em palavras, que não diz nada que possa prejudicar o seu próximo; caridade em ações, que assiste seu próximo na medida de suas forças.

57. O pobre que reparte seu pedaço de pão com um mais pobre do que ele, é mais caridoso e tem mais mérito aos olhos de Deus que aquele que dá de seu supérfluo, sem de nada se privar.

58. Quem nutre contra seu próximo sentimentos de animosidade, de ódio, de ciúme e de rancor, não é caridoso; ele mente e se diz cristão, e ofende a Deus.

59. Homens de todas as castas, de todas as seitas, e de todas as cores, todos sois irmãos, porque Deus vos chama a todos para ele; estendei-vos, pois, a mão, qualquer que seja a vossa maneira de adorá-lo e não lanceis anátema, porque o anátema é a violação da lei de caridade proclamada pelo Cristo.

60. Com o egoísmo, os homens estão em luta perpétua; com a caridade, estarão em paz. A caridade, fazendo a base de suas instituições, só ela pode, pois, assegurar sua felicidade neste mundo; segundo as palavras do Cristo, só ela pode também assegurar sua felicidade futura, porque encerra, implicitamente, todas as virtudes que podem conduzi-los à perfeição. Com a verdadeira caridade, tal qual ensinou e praticou o Cristo, não mais de egoísmo, de orgulho, de ódio, de ciúme, de maledicência; não mais de agarramento desordenado aos bens deste mundo. Por isso o Espiritismo cristão tem por máxima: FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO.

Incrédulos! Podeis rir dos Espíritos, zombar daqueles que crêem em suas manifestações; ride, pois, se ousais, dessa máxima que ele acaba de ensinar e que é a vossa própria salvaguarda, porque se a caridade desaparecesse de cima da Terra, os homens se dilacerariam mutuamente, e seríeis deles, talvez, as primeiras vítimas. Não está longe o tempo em que esta máxima, proclamada abertamente em nome dos Espíritos será uma prova de segurança, e um título de confiança em todos aqueles que a carregarão gravada em seu coração.

Um Espírito disse: "Zombe-se das mesas girantes; não se zombará jamais da filosofia e da moral que delas decorrem." É que, com efeito, hoje estamos longe, depois de apenas alguns anos, desses primeiros fenômenos que serviram um instante de distração aos ociosos e aos curiosos. Essa moral, dizeis, é antiquada: "Os Espíritos deveriam ter bastante espírito para nos dar alguma coisa de nova." (Frase espirituosa de mais de um crítico). Tanto melhor! Se ela é antiquada, isso prova que é de todos os tempos, e os homens não são senão culpados por não tê-la praticado, porque não há verdades verdadeiras senão aquelas que são eternas.

Os Espíritos vêm vos chamar, não por uma revelação isolada feita a um único homem, mas pela voz dos próprios Espíritos que, semelhante à trombeta final, vêm proclamar-vos: "Crede que aqueles que chamais mortos, estão mais vivos que vós, porque eles vêem o que não vedes, ouvem o que não ouvis; reconhecei, naqueles que vêm vos falar, vossos pais, vossos amigos, e todos aqueles que amastes na Terra e que acreditáveis perdidos sem retorno; infelizes aqueles que crêem que tudo acaba com o corpo, porque serão cruelmente desenganados, infelizes aqueles que tiverem falta de caridade, porque sofrerão o que tiverem feito os outros sofrerem! Escutai a voz daqueles que sofrem e que vêm vos dizer:

"Nós sofremos por termos desconhecido o poder de Deus e duvidado de sua misericórdia infinita; sofremos de nosso orgulho, de nosso egoísmo, de nossa avareza e todas as más paixões que não reprimimos; sofremos de todo o mal que fizemos aos nossos semelhantes pelo esquecimento da caridade". Incrédulos! Dizei se uma doutrina que ensina semelhantes coisas é rizível, se é boa ou má! Não encarando-a senão do ponto de vista da ordem social, dizei se os homens que a praticassem seriam felizes ou infelizes, melhores ou maus!

Allan Kardec

IV - RESUMO DA LEI DOS FENÔMENOS ESPÍRITAS

A- OBSERVAÇÕES PRELIMINARES

As pessoas alheias ao Espiritismo, não lhe compreendendo nem os objetivos nem os fins, dele fazem, quase sempre, uma idéia, completamente falsa. O que lhe falta, sobretudo, é o conhecimento do princípio, a chave primeira dos fenômenos; à falta disso, o que vêem e o que ouvem é sem proveito e mesmo sem interesse para elas.

A experiência tem demonstrado que apenas a visão ou o relato dos fenômenos não bastam para convencer. Aquele mesmo que é testemunha de fatos capazes de confundirem, fica mais espantado do que convencido; quanto mais o efeito parece extraordinário, mais dele se suspeita.

Somente um estudo prévio sério pode conduzir à convicção; frequentemente, basta para mudar inteiramente o curso das idéias. Em todos os casos, é indispensável para compreensão dos mais simples fenômenos.

À falta de uma instrução completa, um resumo sucinto da lei que rege as manifestações bastará para fazer considerar as coisas sob seu verdadeiro aspecto, para as pessoas que nela ainda não estão iniciadas. É o primeiro passo que damos na pequena instrução adiante.

Esta instrução foi feita, sobretudo, tendo em vista as pessoas que não possuem nenhuma noção do Espiritismo. Nos grupos ou reuniões espíritas, onde se encontrem assistentes noviços, pode servir, utilmente, de preâmbulo às sessões, segundo as necessidades.

Allan Kardec

V - DOS ESPÍRITOS

1. O Espiritismo é, ao mesmo tempo, uma ciência de observação e uma doutrina filosófica. Como ciência prática, consiste nas relações que se podem estabelecer com os Espíritos; como filosofia, compreende todas as consequências morais que decorrem dessas relações.

2. Os Espíritos não são, como frequentemente se imagina, seres à parte na criação; são as almas daqueles que viveram sobre a Terra ou em outros mundos. As almas ou Espíritos são, pois, uma única e mesma coisa; de onde se segue que quem crê na existência da alma crê, por isso mesmo, nos Espíritos. Negar os Espíritos seria negar a alma.

3. Geralmente, se faz uma idéia muito falsa do estado dos Espíritos; eles não são, como alguns o crêem, seres vagos e indefinidos, nem chamas como os fogos fátuos, nem fantasmas como nos contos de assombração. São seres semelhantes a nós, tendo um corpo igual ao nosso, mas fluídico e invisível no estado normal.

4. Quando a alma está unida ao corpo, durante a vida, ela tem duplo envoltório: um pesado, grosseiro e destrutível, que é o corpo; outro fluídico, leve e indestrutível, chamado perispírito. O perispírito é o laço que une a alma e o corpo; é por seu intermédio que a alma faz o corpo agir, e percebe as sensações experimentadas pelo corpo.
A união da alma, do perispírito e do corpo material constitui o homem, a alma e o perispírito separados do corpo, constituem o ser chamado Espírito.

5. A morte é a destruição do envoltório corporal; a alma abandona esse envoltório como troca a roupa usada, ou como a borboleta deixa sua crisálida; mas conserva seu corpo fluídico ou perispírito.
A morte do corpo livra o Espírito do envoltório que o prendia à Terra e o fazia sofrer; uma vez livre desse fardo, não tem senão seu corpo etéreo que lhe permite percorrer o espaço e vencer as distâncias com a rapidez do pensamento.

6. Os Espíritos povoam o espaço; eles constituem o mundo invisível que nos rodeia, no meio do qual vivemos, e com o qual estamos, sem cessar, em contato.

7. Os Espíritos têm todas as percepções que tinham na Terra, mas num mais alto grau, porque suas faculdades não estão mais amortecidas pela matéria; têm sensações que nos são desconhecidas; vêem e ouvem coisas que nossos sentidos limitados não nos permitem nem ver e nem ouvir. Para eles não há obscuridade, salvo para aqueles cuja punição é estar temporariamente nas trevas. Todos os nossos pensamentos repercutem neles, que os lêem como em um livro aberto; de sorte que aquilo que podemos ocultar a alguém vivo, não poderemos mais desde que seja um Espírito.

8. Os Espíritos conservam as afeições sérias que tiveram na Terra; eles se comprazem em voltar para junto daqueles que amaram, sobretudo, quando são atraídos por pensamentos e sentimentos afetuosos que lhes dirigem, ao passo que são indiferentes para com aqueles que não lhes têm senão a indiferença.

9. Uma idéia quase geral entre as pessoas que não conhecem o Espiritismo é crer que os Espíritos, somente porque estão livres da matéria, tudo devem saber e possuírem a soberana sabedoria. Aí está um erro grave.

Os Espíritos, não sendo senão as almas dos homens, não adquirem a perfeição deixando seu envoltório terrestre. O progresso do Espírito não se realiza senão com o tempo, e não é senão sucessivamente que ele se despoja de suas imperfeições, que adquire os conhecimentos que lhe faltam. Seria tão ilógico admitir que o Espírito de um selvagem ou de um criminoso se torne, de repente, sábio e virtuoso, quanto seria contrário à justiça de Deus pensar que ele permanecesse perpetuamente na inferioridade.

Como há homens de todos os graus de saber e de ignorância, de bondade e de maldade, ocorre o mesmo com os Espíritos. Há os que são apenas levianos e traquinas, outros são mentirosos, trapaceiros, hipócritas, maus, vingativos; outros, ao contrário, possuem as mais sublimes virtudes e o saber num grau desconhecido na Terra. Essa diversidade na qualidade dos Espíritos é um dos pontos mais importantes a se considerar, porque explica a natureza boa ou má das comunicações que se recebem; é em distingui-las que é preciso, sobretudo, se aplicar. (O Livros dos Espíritos, n° 100, Escala Espírita. - O Livro dos Médiuns, cap. XXIV.)

Allan Kardec

VI - MANIFESTAÇÃO DOS ESPÍRITOS

10. Os Espíritos podem se manifestar de maneiras bem diferentes: pela visão, pela audição pelo toque, pelos ruídos, pelos movimentos dos corpos, pela escrita, pelo desenho, pela música, etc. Eles se manifestam por intermédio de pessoas dotadas de uma aptidão especial para cada gênero de manifestação, e que se distinguem sob o nome de médiuns. E assim que se distinguem os médiuns videntes, falantes, audientes, sensitivos, de efeitos físicos, desenhistas, tiptólogos, escreventes, etc. Entre os médiuns escreventes, há numerosas variedades, segundo a natureza das comunicações que estão aptos a receber.

11. O fluido que compõe o perispírito penetra todos os corpos e os atravessa como a luz atravessa os corpos, transparentes; nenhuma matéria lhe opõe obstáculo. É por isso que os Espíritos penetram por toda a parte, nos lugares o mais hermeticamente fechados; é uma idéia ridícula crer-se que eles se introduzem por uma pequena abertura, como o buraco de uma fechadura ou o tubo de uma chaminé.

12. O perispírito, embora invisível para nós no estado normal, não deixa de ser matéria etérea. O Espírito pode, em certos casos, fazê-lo sofrer uma espécie de modificação molecular que o torna visível e mesmo tangível; assim é que se produzem as aparições. Esse fenômeno não é mais extraordinário do que o do vapor que é invisível quando está mais rarefeito, e que , se torna visível quando está condensado.
Os Espíritos que se tornam visíveis se apresentam, quase sempre, sob a aparência que tinham quando vivos e que podem fazê-los reconhecer.

13. É com a ajuda do seu perispírito, que o Espírito atua sobre seu corpo vivo; é ainda com esse mesmo fluido que ele se manifesta atuando sobre a matéria inerte, que produz os ruídos, os movimentos de mesas e outros objetos, que ergue, tomba ou transporta. Esse fenômeno nada tem de surpreendente se se considera que, entre nós, os mais poderosos motores se acham nos fluidos os mais rarefeitos e mesmo imponderáveis, como o ar, o vapor e a eletricidade.

É igualmente com a ajuda do seu perispírito que o Espírito faz os médiuns escreverem, falarem, ou desenharem; não tendo mais corpo tangível para atuar ostensivamente quando quer se manifestar, ele se serve do corpo do médium, de quem empresta os órgãos que faz atuarem como se fosse seu próprio corpo, e isso pela emanação fluídica que derrama sobre ele.

14. No fenômeno designado sob o nome de mesas girantes ou falantes, é pelo mesmo meio que o Espírito atua sobre a mesa, seja para fazê-la mover sem significação determinada, seja para fazê-la dar golpes inteligentes indicando as letras do alfabeto, para formar palavras e frases, fenômeno designado sob o nome de tiptologia. A mesa não é aqui senão um instrumento do qual ele se serve, como o faz com o lápis para escrever; lhe dá uma vitalidade momentânea pelo fluido com o qual a penetra, mas ele não se identifica com ela.

As pessoas que, em sua emoção, vendo se manifestar um ser que lhes é caro, abraçam a mesa, praticam um ato ridículo, porque é absolutamente como se elas abraçassem o bastão do qual um amigo se serve para dar pancadas. Ocorre o mesmo com aqueles que dirigem a palavra à mesa, como se o Espírito estivesse encerrado na madeira, e como se a madeira tivesse se tornado espírito.

Quando as comunicações ocorrem por esse meio, é preciso imaginar o Espírito não na mesa, mas ao lado, tal como estaria se estivesse vivo, e tal como se o veria se, nesse momento, pudesse se tornar visível. A mesma coisa ocorre nas comunicações pela escrita; ver-se-ia o Espírito ao lado do médium, dirigindo sua mão, ou lhe transmitindo o seu pensamento por uma corrente fluídica.

15. Quando a mesa se destaca do solo e flutua no espaço sem ponto de apoio, o Espírito não a ergue a com força do braço, mas a envolve e a penetra com uma espécie de atmosfera fluídica que neutraliza o efeito da gravitação, como o ar o faz para os balões e os papagai­os de papel. O fluido do qual está penetrada lhe dá, momentaneamente, uma leveza específica maior. Quando ela está pregada no solo, está num caso análogo ao da campana pneumática sob a qual se faz o vácuo. Estas não são senão comparações para mostrar a analogia dos efeitos, e não a similitude absoluta das causas. Compreende-se, depois disso, que não é mais difícil ao Espírito erguer uma pessoa do que erguer uma mesa, de transportar um objeto de um lugar para outro ou de lançá-lo em qualquer parte; esse fenômenos se produzem pela mesma lei.

Quando a mesa persegue alguém, não é o Espírito que passeia, porque ele pode permanecer tranquilamente no mesmo lugar, mas é quem lhe dá impulso por uma corrente fluídica com a ajuda da qual a faz mover-se à sua vontade. Quando os golpes se fazem ouvir na mesa ou fora dela, o Espírito não bate com a sua mão, nem com um objeto qualquer; dirige sobre o ponto de onde parte o ruído, um jato de fluido que produz o efeito de um choque elétrico. Ele modifica o ruído, como se podem modificar os sons produzidos pelo ar.

16. A obscuridade necessária à produção de certos efeitos físicos, sem dúvida, se presta à suspeição e à fraude, mas nada prova contra a possibilidade do fato. Sabe-se que, na química, há combinações que não se podem operar sob a luz; que composições e decomposições ocorrem sob a ação do fluido luminoso; ora, sendo todos os fenômenos espíritas o resultado da combinação dos fluidos próprios do Espírito e do médium, e esses fluidos sendo da matéria, nada há de espantoso de que, em certos casos, o fluido luminoso seja contrário a essa combinação.

17. Os Espíritos superiores não se ocupam das comunicações inteligentes senão tendo em vista a nossa instrução; as manifestações físicas ou puramente materiais, estão mais especialmente nas atribuições dos Espíritos inferiores, vulgarmente designados sob o nome de Espíritos batedores, como, entre nós, as habilidades dizem respeito aos saltimbancos e não aos sábios.

18. Os Espíritos são livres; se manifestam quando querem, a quem lhes convêm, e também quando podem, porque não têm sempre a possibilidade. Eles não estão às ordens e ao capricho de quem quer que seja, e não é dado a ninguém fazer com que venham contra sua vontade, nem fazê-los dizer o que querem calar; de sorte que ninguém pode afirmar que um Espírito qualquer virá ao seu chamado em um momento determinado, ou responderá a tal ou tal pergunta. Dizer o contrário, é provar ignorância absoluta dos princípios mais elementares do Espiritismo; só o charlatanismo tem fontes infalíveis.

19. Há pessoas que obtêm regularmente, e de alguma forma à vontade, a produção de certos fenômenos; mas, há que se anotar que esses são sempre efeitos puramente físicos, mais curiosos do que instrutivos, e que se produzem constantemente em condições análogas. As circunstâncias nas quais são obtidos, são de natureza a inspirarem dúvidas, tanto mais legítimas sobre sua realidade quando são geralmente objetos de uma exploração, e, frequentemente, quando é difícil distinguir a mediunidade real da prestidigitação. Os fenômenos desse gênero, entretanto, podem ser o produto de uma mediunidade verdadeira, porque pode ocorrer que Espíritos de baixo estágio, que talvez tinham tido esse ofício, se comprazam nessas espécies de exibições; mas seria absurdo pensar que os Espíritos, por pouca que seja sua elevação, se alegrem em se exibirem.

Isso não infirma em nada o princípio da liberdade dos Espíritos; aqueles que vêm, o fazem porque isso lhes agrada, mas não porque sejam constrangidos, e do momento que não lhes convenha mais vir, se o indivíduo for verdadeiro médium, nenhum efeito se produzirá. Os mais poderosos médiuns de efeitos físicos ou outros, têm tempos de interrupção, independentemente de sua vontade; os charlatães não os tem jamais.

De resto, esses fenômenos, supondo-os reais; são apenas uma aplicação muito parcial da lei que rege as relações do mundo corporal com o mundo espiritual, mas não constituem o Espiritismo; de sorte que sua negação não infirmaria em nada os princípios gerais da Doutrina.

20. Certas manifestações espíritas se prestam, bem facilmente, a uma imitação mais ou menos grosseira; mas do fato de que puderam ser explorados, como tantos outros fenômenos, pela charlatanice e pela prestidigitação, seria absurdo disso concluir que elas não existam. Para aquele que estudou e conhece as condições normais nas quais elas podem se produzir, é fácil distinguir a imitação da realidade; a imitação, de resto, não poderia jamais ser completa e não pode enganar senão o ignorante incapaz de apreender as nuanças características do fenómeno verdadeiro.

21. As manifestações mais fáceis de serem imitadas, são certos efeitos físicos, e os efeitos inteligentes vulgares, tais como os movimentos, as pancadas, os transportes, a escrita direta, as respostas banais, etc; não ocorre o mesmo com as comunicações inteligentes de uma alta importância, ou na revelação de coisas notoriamente desconhecidas do médium; para imitar os primeiros não é preciso senão a destreza; para simular os outros é preciso, quase sempre, uma instrução pouco comum, uma superioridade intelectual fora de série e uma faculdade de improvisação, por assim dizer, universal, ou o dom da adivinhação.

22. As produções de espectros nos teatros foram apresentadas, injustamente, como tendo relações com a aparição de Espíritos, das quajs são apenas uma grosseira e imperfeita imitação. É preciso ignorar os primeiros elementos do Espiritismo para ver nisso a menor analogia, e crer que é disso que se ocupa nas reuniões espiritas. Os Espíritos não se tornam visíveis ao comando de ninguém, mas por sua própria vontade, nas condições especiais que não estão no poder de quem quer que seja provocar.

23. As evocações espíritas não consistem, como alguns imaginam, em fazer voltar os mortos com um aspecto lúgubre da tumba. Não é senão nos romances, nos contos fantásticos de fantasmas e no teatro que se vêem os mortos descarnados saírem de seus sepulcros vestidos de lençóis e fazendo estalar seus ossos. O Espiritismo, que jamais fez milagres, tanto esse como outros, jamais fez reviver um corpo morto; quando o corpo está na cova, aí está definitivamente; mas o ser espiritual, fluídico, inteligente, aí não está metido com seu envoltório grosseiro; dele se separou no momento da morte, e uma vez operada a separação não tem mais nada de comum com ele.

24. A crítica malevolente procura representar as comunicações espíritas como cercadas de práticas ridículas e supersticiosas da magia e da necromancia. Diremos simplesmente que não há, para se comunicar com os Espíritos, nem dias, nem horas, nem lugares mais propícios uns do que os outros; que não é preciso para evocá-los, nem fórmulas, nem palavras sacramentais ou cabalísticas; e não há necessidade de nenhuma preparação, de nenhuma iniciação; que o emprego de qualquer sinal ou objeto material, seja para atraí-los, seja para afastá-los, não tem efeito e o pensamento basta; enfim, que os médiuns recebem suas comunicações tão simplesmente e tão naturalmente como se fossem ditadas por uma pessoa viva, sem sair do estado normal. Só o charlatanismo poderia tomar maneiras excêntricas e adicionar acessórios ridículos. A evocação dos Espíritos se faz em nome de Deus, com respeito e recolhimento; é a única coisa recomendada às pessoas sérias que querem ter relações com Espíritos sérios.

25. As comunicações inteligentes, que se recebem dos Espíritos, podem ser boas ou mas, justas ou falsas, profundas ou levianas, segundo a natureza dos Espíritos que se manifestam. Os que provam a sabedoria e o saber são Espíritos avançados que progrediram; os que provam a ignorância e as más qualidades, são Espíritos ainda atrasados, mas que progredirão com o tempo. Os Espíritos não podem responder senão sobre o que sabem, segundo seu adiantamento, e, ademais, sobre o que lhes é permitido dizerem, porque há coisas que não devem revelar, uma vez que ainda não é dado ao homem tudo conhecer.

26. Da diversidade nas qualidades e nas aptidões dos Espíritos, resulta que não basta se dirigir a um Espírito qualquer para obter uma resposta justa a toda pergunta, porque, sobre muitas coisas, não podem dar senão a sua opinião pessoal, que pode ser justa ou falsa. Se ele for sábio, confessará a sua ignorância sobre o que não sabe; se for leviano ou mentiroso, responderá sobre tudo sem se importar com a verdade; se for orgulhoso, dará a sua idéia como verdade absoluta. Haveria, pois, imprudência e leviandade em aceitar, sem controle, tudo o que vem dos Espíritos. Por isso, é essencial estar esclarecido quanto a natureza daqueles com os quais se ocupe. (O Livro dos Médiuns, n° 257.)

27. Reconhece-se a qualidade dos Espíritos por sua linguagem; a dos Espíritos verdadeiramente bons e superiores é sempre digna, nobre, lógica, isenta de contradições; anuncia a sabedoria, a benevolência, a modéstia e a mais pura moral; é concisa e sem palavras inúteis. Entre os Espíritos inferiores, ignorantes ou orgulhosos, o vazio das idéias, quase sempre, é compensado pela abundância das palavras. Todo pensamento evidentemente falso, toda a máxima contrária à sã moral, todo conselho ridículo, toda expressão grosseira, trivial ou simplesmente frívola, enfim, toda marca de malevolência, de presunção ou de arrogância, são sinais incontestáveis de inferioridade em um Espírito.

28. O objetivo providencial das manifestações, é convencer os incrédulos de que tudo não termina, para o homem, com a vida terrestre, e de dar os crentes idéias mais justas sobre o futuro. Os bons Espíritos vêm nos instruir tendo em vista o nosso melhoramento e o nosso adiantamento, e não para nos revelar o que não devemos ainda saber, ou o que não devemos aprender senão pelo nosso trabalho. Se bastasse interrogares Espíritos, para se obter a solução de todas as dificuldades científicas, ou para fazer descobertas e invenções lucrativas, todo ignorante poderia tornar-se sábio facilmente, e todo preguiçoso poderia se enriquecer sem esforço; é o que Deus não quer. Os Espíritos ajudam o homem de gênio pela inspiração oculta, mas não o isentam nem do trabalho das pesquisas, a fim de deixar-lhe o mérito.

29. Seria fazer uma idéia bem falsa dos Espíritos vendo neles apenas os auxiliares dos ledores de sorte; os Espíritos sérios recusam-se ocupar de coisas fúteis; os Espíritos levianos e zombeteiros se ocupam de tudo, respondem a tudo, predizem tudo o que se quer, sem se inquietarem com a verdade, e sentem um prazer maligno ao mistificarem as pessoas muito crédulas; é por isso que é essencial estar perfeitamente fixado sobre a natureza das perguntas que se podem dirigir aos Espíritos.

30. As manifestações não estão, pois, destinadas a servirem aos interesses materiais, cujo cuidado está entregue à inteligência, ao discernimento e à atividade do homem. Seria em vão que tentar-se-ia empregá-las para conhecer o futuro, descobrir tesouros ocultos, recuperar heranças, ou encontrar meios de se enriquecer. Sua utilidade está nas consequências morais que dela decorrem; mas se não tivessem por resultado senão fazer conhecer uma nova lei da Natureza, de demonstrar, materialmente, a existência da alma e sua imortalidade, isso já seria muito, porque seria um novo e largo caminho aberto à filosofia.

31. Pode-se ver, por essas poucas palavras, que as manifestações espíritas, de qualquer natureza que sejam, nada têm de sobrenatural nem de maravilhoso. São fenômenos que se produzem em virtude da lei que rege as relações do mundo corporal e do mundo espiritual, lei também tão natural como a da eletricidade, da gravidade, etc. O Espiritismo é a ciência que nos faz conhecer essa lei, como a mecânica nos faz conhecer a lei do movimento, a ótica a da luz. As manifestações espíritas, estando na Natureza, produziram-se em todas as épocas; a lei que as rege, sendo conhecida, nos explica uma série de problemas considerados insolúveis; é a chave de uma multidão de fenômenos explorados e aumentados pela superstição.

32. Estando o maravilhoso completamente descartado, esses fenômenos nada mais têm que repugne à razão, porque vêm tomar lugar ao lado dos outros fenômenos naturais. Nos tempos da ignorância, todos os efeitos dos quais não se conhecia a causa eram reputados sobrenaturais; as descobertas da ciência restringiram sucessivamente o círculo do maravilhoso; o conhecimento dessa nova lei veio reduzi-lo a nada. Aqueles, pois, que acusam o Espiritismo de ressuscitar o maravilhoso, provam, por isso mesmo, que falam de uma coisa que não conhecem.

Allan Kardec

VII - DOS MÉDIUNS

33.0 médium não possui senão a faculdade de se comunicar; a comunicação efetiva depende da vontade dos Espíritos. Se os Espíritos não querem se manifestar, o médium nada obtém; é como um instrumento sem músico.

34. A facilidade das comunicações depende do grau de afinidade que existe entre os fluidos do médium e do Espírito. Cada médium está, assim, mais ou menos apto para receber a impressão ou impulso do pensamento de tal ou tal Espírito; ele pode ser um bom instrumento para um e mau para um outro. Disso resulta que, dois médiuns igualmente bem dotados, estando um ao lado do outro, um Espírito poderá se manifestar por um e não pelo outro.

É, pois, um erro crer que basta ser médium para receber com igual facilidade as comunicações de todo Espírito. Não existem médiuns universais. Os Espíritos procuram, de preferência, os instrumentos que vibrem em uníssono com eles. Sem a harmonia, que só a assimilação fluídica pode proporcionar, as comunicações são impossíveis, incompletas ou falsas. Podem ser falsas porque, à falta do Espírito desejado, não faltam outros, prontos para aproveitarem a ocasião de se manifestarem, e que pouco se importam em dizer a verdade.

35. Um dos maiores escolhos da mediunidade, é a obsessão, quer dizer, o império que certos Espíritos podem exercer sobre os médiuns, impondo-se a eles sob nomes apócrifos e impedindo-os de se comunicarem com outros Espíritos.

36. O que constitui o médium, propriamente dito, é a faculdade; sob esse aspecto, ele pode estar mais ou menos formado, mais ou menos desenvolvido. O que constitui o médium seguro, o que se pode verdadeiramente qualificar de bom médium, é a aplicação da faculdade, a aptidão de servir de intérprete dos bons Espíritos. (O Livro dos Médiuns, cap. XXIII.)

37. A mediunidade é uma faculdade essencialmente móvel e fugidia, pela razão de estar subordinada à vontade dos Espíritos; por isso é que está sujeita a intermitências. Esse motivo, e o princípio mesmo segundo o qual se estabelece a comunicação, são os obstáculos a que se torne uma profissão lucrativa, uma vez que não poderia ser nem permanente, nem aplicável a todos os Espíritos, e porque poderia faltar no momento em que dela se tivesse necessidade. Aliás, não é racional admitir que os Espíritos sérios se coloquem à disposição da primeira pessoa que os queira explorar.

38. A propensão dos incrédulos, geralmente, é suspeitar da boa fé dos médiuns, e supor o emprego de meios fraudulentos. Além de que, no entendimento de certas pessoas essa suposição é injuriosa, é preciso, antes de tudo, perguntar qual interesse poderiam eles ter para enganarem e divertirem ou representarem a comédia. A melhor garantia de sinceridade está no desinteresse absoluto, porque aí onde nada tem a ganhar, o charlatanismo não tem razão de ser.

Quanto à realidade dos fenômenos, cada um pode constatá-la, se se coloca nas condições favoráveis, e se aplica a paciência na observação dos fatos, a perseverança e a imparcialidade necessária.

Allan Kardec

VIII - DAS REUNIÕES ESPÍRITAS

39. Os Espíritos são atraídos pela simpatia, a semelhança dos gostos e de caracteres, a intenção que faz desejar a sua presença. Os Espíritos superiores não vão às reuniões fúteis, do mesmo modo que um sábio da Terra não iria numa assembléia de jovens estouvados. O simples bom senso diz que não pode ser de outra forma; ou, se aí vão algumas vezes, é para dar um conselho salutar, combater os vícios, procurar conduzir para o bom caminho; se não são escutados, retiram-se. Seria ter uma idéia completamente falsa, crer que os Espíritos sérios possam se comprazer em responder a futilidades, a perguntas ociosas que não provam nem afeição, nem respeito por eles, nem desejo real, nem instrução, e ainda menos que possam vir dar espetáculo para divertimento dos curiosos. O que não faziam quando vivos, não podem fazê-lo depois da sua morte.

40. A frivolidade das reuniões tem por resultado atrair os Espíritos levianos que pão procuram senão ocasiões de enganarem e de mistificarem. Pela mesma razão que os homens graves e sérios não vão às assembléias levianas, os Espíritos sérios vão apenas às reuniões sérias, cujo objetivo é a instrução e não a curiosidade; é nas reuniões desse gênero que os Espíritos superiores gostam de dar seus ensinamentos.

41. Do que precede resulta que, toda reunião espírita, para ser proveitosa, deve, como primeira condição, ser séria e recolhida; que tudo deve se passar nela respeitosamente, religiosamente e com dignidade, se se quer obter o concurso habitual dos bons Espíritos. E preciso não esquecer que, se esses mesmos Espíritos aí se fizessem presentes quando vivos, ter-se-ia por eles considerações às quais têm ainda mais direito depois da sua morte.

42. Em vão se alega a utilidade de certas experiências curiosas, frívolas e divertidas, para convencer os incrédulos, é a um resultado muito oposto que se chega. O incrédulo, já levado a zombar das mais sagradas crenças, não pode ver uma coisa séria naquilo do qual se faz um divertimento; não pode ser levado a respeitar o que não lhe é apresentado de maneira respeitável; também das reuniões fúteis e levianas, nas quais não ha nem ordem, nem gravidade, nem recolhimento, ele leva sempre má impressão.

O que pode, sobretudo, convencê-lo, é a prova da presença de seres cuja memória lhe e cara; diante de suas palavras graves e solenes, diante das revelações íntimas, é que se o vê emocionar-se e fraquejar. Mas, pelo fato de que há mais respeito, veneração, afeição pela pessoa cuja alma se lhe apresenta, ele fica chocado, escandalizado, de vê-la chegar a uma assembléia sem respeito, no meio de mesas que dançam e da pantomima dos Espíritos levianos; por incrédulo que seja, sua consciência repele essa mistura do sério e do frívolo, do religioso e do profano, por isso taxa tudo isso de charlatanice, e, frequentemente, sai menos convencido do que quando entrou.

As reuniões dessa natureza, fazem sempre mais mal do que bem, porque afastam da Doutrina mais pessoas do que a ela conduzem, sem contar que se prestam a motivar a crítica dos detratores, que nela encontram motivos fundados de zombaria.

Allan Kardec

 

IX - COMO E ONDE VIVEM OS ESPÍRITOS

1 - ERRATICIDADE

Dizemos que a alma ou Espírito reencarna várias vezes, na Terra e outros mundos, para atender às necessidades de aprendizado e evolução que o conduzirão ao pleno domínio de si mesmo e à perfeição relativa, uma vez que a absoluta só é encontrada em Deus. Enquanto estamos nesta condição, todos sabemos como vivemos. Mas e quando fora do corpo? Denominamos de erraticidade à situação do Espírito que, não estando encarnado, ainda possui necessidade de fazê-lo outras vezes para seguir seu aperfeiçoamento e de, intermissão, ao período de tempo em que permanece naquele estado.

Os Espíritos suficientemente evoluídos a ponto de dispensarem novos retornos à Terra ou mundos equivalentes, vivem permanentemente no mundo espiritual, mas não se considera que vivam na erraticidade. Podem voltar, porém, aos mundos inferiores em caráter de missões especiais. Quanto ao intervalo entre duas encarnações é variável para cada Espírito, desde poucos anos a muitos séculos. Raros os casos em que a reencarnação seja quase imediata, mas pode haver. Mas, então, onde ficamos, o que fazemos?

Antes de mais nada é preciso recorrer ao conceito de dimensões emprestado à Geometria e à Física. Infelizmente não podemos nos demorar nele, tendo que acatá-lo como fato consumado e recomendamos o seu exame em bibliografia adequada. Resumidamente temos que vivemos num mundo de três dimensões. Na primeira teríamos uma reta, na segunda acrescentaríamos a superfície e na terceira encontramos o volume. Cada uma destas contém as precedentes. Mas se falamos de existência de seres fora da matéria, devemos logo imaginar que tal situação deve ocorrer numa dimensão diferente.

De fato, o estudo atento das descrições dos Espíritos desencarnados mostram que eles atuam num mundo onde as dimensões tempo e espaço são irrelevantes. Não que não existam como realidade, mas a maneira como eles inserem-se nessa realidade é que difere da dos encarnados. É a partir destes estudos que poderemos começar a entender acontecimentos como o acesso a registros de fatos de vidas anteriores, os fenômenos mediúnicos das premonições (previsões do futuro), de transporte e materializações, de desdobramento (espécie de viagens astrais), bem como de certos atributos de Deus como a onipresença e onisciência.

Em suma: o chamado mundo espiritual é constituído de quatro ou mais dimensões. São universos paralelos que interpenetram, incluem e absorvem o mundo material. Embora, fundamentalmente energético - o nosso de certa forma também o é, mas de energia coagulada - ele é absolutamente real, tanto que, em verdade, ele é o primitivo e este em que vivemos é uma cópia imperfeita daquele, da mesma forma que o corpo físico é a condensação da matriz do perispírito.

Quando o Espírito desencarna, várias situações podem lhe ocorrer. É possível que, dependendo de sua ignorância completa sobre o estilo de vida que o aguardava e de seu pouco adiantamento moral, simplesmente permaneça imantado à crosta terrestre, fixado aos objetos que lhe eram caros ou constituíam seu foco de interesse, como o próprio lar ou, pior, nas proximidades do local em que seu corpo físico experimenta o natural processo de desintegração.

Ou perambula pelas ruas, bares e prostíbulos e mesmo locais de suas antigas atividades profissionais, isto tudo de acordo com suas preferências pessoais e diferentes graus de consciência ou, no caso, inconsciência. Não raro, nem se reconhece como morto, situação que pode durar alguns dias ou muitos anos até que algum tipo de socorro venha arrancá-lo deste estado de perturbação, permitindo que retome a vida normal e ambiente mais apropriado.

E que ambiente seria este? Colônias espirituais amplamente descritas por inúmeros autores desencarnados como André Luiz, por exemplo, através da psicografiado médium Chico Xavier e muitos outros e testemunhos de alguns médiuns que possuem a faculdade de, durante o sono natural ou sonambúlico, desprender-se do corpo físico e excursionar por esses lugares, fazendo relatos sobre o que lá puderam observar.

Nessas colônias, como Nosso Lar, a mais conhecida e bem descrita na obra homônima, clássico da literatura espírita escrita em 1944, a vida transcorre como na Terra. Tudo lá é extremamente organizado e encontram-se construções como casas de moradia, hospitais, escolas, jardins e meios de transporte. As pessoas trabalham, estudam, divertem-se e repousam.

Aqui um detalhe: ao tomarmos contato com esse tipo de informação é importante notar que as experiências dos seres que lá trabalham estão condicionadas às suas necessidades e hábitos. Por exemplo, contam-nos que muitos de seus habitantes alimentam-se normalmente, bem como possuem outras necessidades fisiológicas. Em locais mais densos, digamos assim, onde é maior a inferioridade moral dos que lá estão, é comum se falar em orgias sexuais regadas a alcoólicos.

Em Nosso Lar, os Espíritos recém-recolhidos ficam em tratamento nos quais são medicados por magnetização, mas também por remédios "naturais" ou quando, já em situação melhor, levam uma vida normal como na Terra com afazeres diversos, mas dependentes de troca de vestuário, alimentos, sono, etc. Já os colaboradores mais antigos e, portanto, mais esclarecidos dispensam estas muletas psicológicas. Necessitam de energias para manter-se em atividade, mas as retiram diretamente da natureza pela respiração ou através de manipulações especiais, porém de modo automático e sem necessidade de receber a forma de alimento específico com relação aos da Terra como pão ou frutas. É energia em estado puro.

Diz-se que o Nosso Lar encontra-se localizado geograficamente a algumas dezenas de quilômetros acima da cidade do Rio de Janeiro, mas poderia ser diferente, como dissemos, e termos alguma colônia embutida no nosso globo, uma vez que para os Espíritos, também a depender da sua capacidade de dominar as forças naturais e os fluidos, não há barreiras materiais. Pela sua constituição atravessam paredes de qualquer espessura ou material e deslocam-se quase que instantaneamente de um ponto a outro.

Repetimos que tudo isso é relativo, pois temos descrições de Espíritos aos quais lhes é interdito uma coisa como outra. Usam portas para entrar ou sair e o deslocamento se faz por meio de veículos adequados e gastam tempo para isso, embora menores que aqui. Talvez com as novas tecnologias estejamos nos aproximando da construção de aparelhos voadores tão velozes que possam confirmar a tese de que tudo o que existe e é criado por aqui, na verdade já existia primeiro nas dimensões espirituais.

Enfim, o mundo espiritual é tão real como o nosso. Quando estivermos lá, nos reconheceremos por inteiro, com nossa identidade pessoal, com nossos atributos de conhecimento e sentimento, nossa memória preservada, um corpo idêntico quanto à morfologia ao de carne e que continuará nos servindo de instrumento de atuação sobre tal mundo, que sentiremos as mais das vezes tão sólido sob nossos pés como o temos aqui.

Portanto, não há motivo para nos inquietarmos com o que vamos encontrar do lado de lá. Tudo com que temos que nos preocupar é o preparo da bagagem. Vai depender o nosso bem estar nesse novo lar, ou melhor, o regresso ao nosso antigo lar, do que ajuntarmos de bom por aqui. Seremos atraídos inexoravelmente para segmentos dessa outra dimensão e para a companhia de outras individualidades, de acordo com os hábitos que cultivarmos durante o exílio na Terra. Pensamentos, emoções, palavras e atos formarão o conjunto de créditos ou débitos que determinarão o local mais justo e merecido a cada um de nós após o abandono do corpo físico.

Enquanto uns permanecerão extraviados, perturbados e perturbando por aqui, outros já serão contemplados com atenções especiais que auxiliarão a se recuperar rapidamente da transição readaptando-se à nova ordem de coisas. Outros mais irão talvez diretamente até para ambientes mais purificados, enquanto para muitos o destino será as zonas umbralinas, onde experimentarão sofrimentos atrozes, decorrentes do seu livre-arbítrio e em completo desrespeito às leis divinas.

2 - UMBRAL

Uma curiosidade comum dos seres humanos, ao menos para os que acreditam haver vida após a morte, é saber aonde vamos quando o desencarne físico ocorre. Há correntes de pensamentos que entendem que a alma, uma vez desligada do corpo, mergulha num todo que seria o próprio Ser ou corpo divino; uma gota de água absorvida pelo oceano com perda da consciência e, consequentemente, da individualidade. Outras admitem que tal alma encontre diante de si três possibilidades: o céu ou paraíso para "eleitos" ou "salvos", o inferno para os grandes pecadores, ambas as situações em caráter definitivo, ou o purgatório, estado transitório, de onde, após algum tempo de grandes aflições, poderá obter também a salvação.

O Espiritismo não admite penas ou gozos eternos. A respeito tecemos diversos comentários no tópico "Reencarnação", o qual recomendamos seja consultado. O Umbral talvez guarde paralelo com o Tártaro pagão e o Inferno cristão, com a diferença de que seus habitantes não permanecem ali eternamente. A verdade é que, justamente por esta razão, estaria mais associado à idéia do Purgatório, pois que este, como frisamos, seria a única região provisória da alma depois da experiência carnal.

O Umbral é constituído por regiões espirituais de grandes sofrimentos para onde seguem os Espíritos que desencarnaram com pesado endividamento moral, consumado aqui na Terra. Muito próximas à crosta planetária e mesmo em furnas abaixo de sua superfície, essas regiões são muito bem descritas pelo autor espiritual André Luiz, onde ele próprio ficou por oito anos e descreveu a experiência através da psicografia de Francisco Cândido Xavier.

Tal destino decretado pelo mau uso do livre-arbítrio individual, não constitui propriamente um castigo divino, mas uma consequência natural dos atos praticados que infringiram as leis de Deus. A permanência nesses ambientes está condicionada ao número de faltas, sua gravidade e à dureza de coração, que retarda o toque rependimento, impedindo o auxílio sempre disponível dos socorristas espirituais.

No momento que voltam seu olhar humilde para Deus, reconhecem os erros e manifestam o desejo sincero de reparação, o Pai permite que os bons Espíritos os retirem de lá, conduzindo-os para colônias espirituais onde recebem os tratamentos necessários, inclusive o refazimento perispiritual e mental a primeira etapa e os estágios preparatórios à sua próxima encarnação em etapas subsequentes.

Ao desencarnar, o Espírito ou alma será atraído automaticamente para regiões espirituais cuja frequência vibracional lhe corresponda. E isto ocorre em função da densidade de seu perispírito que, por sua vez, carrega em si todas as impressões causadas, positivas ou desequilibradas, pelos atos praticados na sua última existência. Muitas vezes, o Espírito, por ignorar completamente a nova situação de desencarnado e impossibilitado de desligar-se de imediato do mundo material, permanece perambulando, semiconsciente, pelo antigo lar, pelas ruas, pelo cemitério. De outras, a permanência nas faixas mais próximas da Terra decorre de decisão pessoal motivada por projetos de perseguição e vingança, quando milhares deles, atrasados moralmente, renteiam conosco em todos os lugares, interferem em nossos pensamentos e demais atividades, imiscuindo-se em tudo.

Verdade que dentre essa numerosa população de desencarnados há aqueles que se envolvem conosco com fins de auxílio e proteção. "Descem" de planos mais elevados em tarefas normais ou missionárias, pois que o mundo espiritual não é feito de ociosidade, mesmo para os mais evoluídos, o que lhes seria um tormento. Continuam atuantes por necessidade de aperfeiçoamento e para cumprir com o dever de colaborar com a obra de Deus.

Muitos Espíritos, após desencarnar, são conduzidos diretamente para locais mais salutares, como as colônias, e a seguir encaminhados a hospitais para recuperação dos reflexos condicionados de enfermidades que lhes vitimaram os corpos físicos, ou apenas para um certo tempo de repouso. Outros passam a integrar grupos de readaptação e depois, instruídos, e sempre por força do mérito pessoal e respeitando-se seu livre-arbítrio, a iniciar estudos e, seja ou quando capacitados, a colaborar nos serviços da colônia ou fora dela.

Uma das atividades que sabemos ocorrer no exterior das colônias, além do socorro a encarnados, é a atuação junto a Espíritos que habitam as chamadas zonas umbralinas. Grandes criminosos, agentes fomentadores de sofrimentos individuais e coletivos, seres que devotaram a existência, às vezes, várias delas e sistematicamente, a práticas hediondas, suicidas, avarentos insaciáveis, sexólatras, abusadores do poder, enfim, todos aqueles que, desrespeitando as leis divinas do amor, da caridade e do perdão, perderam-se no labirinto trágico das paixões dissolventes e ali se reúnem por afinidade.

As descrições que os autores espirituais e mesmo médiuns em desdobramento perispiritual fazem desses locais são aterradoras. O sofrimento ali é atroz e durará até que uma réstia de luz regeneradora consiga penetrar aquelas almas mortificadas. Um dos quadros mais pungentes ali presenciados é a visão das vítimas da sanha assassina ou do momento do próprio aniquilamento pelo ato tresloucado do suicídio. Fome, frio, escuridão, odores fétidos, matérias viscosas e repugnantes são as sensações que, para os habitantes dali, parecem de caráter físico e absolutamente reais, além das dores morais da desesperança, do suplício de julgar que ficarão ali para sempre. Por isso que, sob este ponto de vista, reafirmamos a semelhança do Umbral com o Inferno cristão. Enquanto o arrependimento não bater à porta do coração, Deus permite que eles acreditem na eternidade da pena para que, sofridos e vergados em seu orgulho, admitam um poder superior e busquem, pelo auxílio da oração, uma oportunidade de recomeçar, reparar e reconstruir.

São clássicas as descrições de André Luiz sobre as expedições movidas por Espíritos tarefeiros do Bem até essas regiões densas, magneticamente perigosas e de sofrimentos lancinantes, onde milhares de irmãos nossos expiam suas insanidades e, vencidos, rogam ao Pai um ato de piedade. E como Ele, ao ditado evangélico, não quer que nenhuma de suas ovelhas se perca, permite aos socorristas resgatá-los à medida que demonstrem chance e desejo sincero de recuperação.

São conduzidos, em geral, para as próprias colônias e ali submetidos a demorados tratamentos, até que um dia as circunstâncias íntimas e enquadradas no plano coletivo, permitam que sejam encaminhados para uma nova reencarnação, durante a qual poderão colocar em prática os propósitos renovadores do Bem, expiando ainda na forja da vida carnal os males praticados anteriormente, corrigindo rotas, desatando elos de discórdias, liberando as algemas de ódios seculares e enfrentando provas que, se bem-sucedidas, lhes proporcionarão dias mais venturosos no futuro.

3 - PLURALIDADE DOS MUNDOS HABITADOS

Seguiremos uma certa cronologia para efeito comparativo, recordando desde agora que a pluralidade dos mundos habitados é um dos princípios básicos do Espiritismo e, por consequência, embora não se firme em dogma pelo fato de que ele, o Espiritismo, se caracteriza exatamente por ausência de pontos de fé impostos e indiscutíveis, constitui um dos pilares do edifício kardequiano, sem o qual, como ocorreria caso lhe fosse subtraída a crença em Deus, a sobrevivência da alma, a mediunidade ou a reencarnação, simplesmente deixaríamos de tratar dele, para especularmos filosoficamente sobre um conjunto de idéias incompleto, indefinido, sem identificação.

Aliás, a existência de vida em outros mundos é o único dos cinco princípios citados que ainda não conta com o respaldo científico, como seria desejável, visto que a Doutrina Espírita está alicerçada em três pilares fundamentais: ciência, filosofia e religião. Os demais preenchem todos os requisitos.

Quanto à existência de seres em outros planetas, a lógica filosófica nos obriga a aceitar tal evidência. Do ponto de vista religioso, Jesus fala-nos em muitas moradas na casa do Pai e a Ciência não comprovou até o momento, mas já adivinha. Pesquisas importantes têm recebido pesados investimentos de países como Estados Unidos para verificar se, de fato, o homem não está só no cosmo. E quando chegar o dia oportuno, quer pela conveniência da descoberta, quer pelo desenvolvimento tecnológico humano, tal se dará para que cresça o nosso respeito para com o Supremo Criador.

Estará sendo desferido o golpe final contra o materialismo mecanicista, em sua constrangedora insensatez, curando o homem da soberba que o faz preferir a admissão do acaso como responsável pela gênese do infinito, visto que não pode reivindicar para si esta autoria. Cabe lembrar que, diante dos trilhões de astros já detectados pelo homem, distribuídos em 120 bilhões de galáxias, ante a verificação exploratória de vida extraterrestre, mal estamos esticando o pescoço por sobre o muro do quintal do vizinho.

Em O Livro dos Espíritos, questões 55 a 58, as entidades do plano espiritual superior informam que todos os globos que circulam no espaço são habitados, não possuem idêntica constituição física e, naturalmente, nem seus habitantes. Ao falarem acerca dos Espíritos que estão na erraticidade e da existência de mundos transitórios, na questão 234, explicam que estes servem como lugares de repouso para serem habitados temporariamente por aqueles que estão desencarnados há muito tempo, o que lhes é algo penoso.

Sabemos que quando o Espírito desencarna, deixando o corpo físico no túmulo, segue-se um período mais ou menos longo até que volte a reencarnar. Pode levar meses ou poucos anos, até vários séculos. Isto basicamente por duas razões: a) oportunidade - há seis bilhões de encarnados para aproximadamente 20 bilhões de desencarnados, só dos vinculados ao planeta Terra, aguardando nova chance de retornar e retomar a sua caminhada evolutiva; b) suas próprias particularidades não recomendam, não permitem ou não é de seu desejo a reencarnação senão num determinado momento.

Nas questões subsequentes, os Espíritos complementam dizendo, em resumo, que: l- nestes mundos, os Espíritos não ficam fixados; são como aves de arribação; 2- mesmo estando ali, progridem; 3- tais mundos não servirão eternamente à esta finalidade; 4- sua superfície é estéril - também em caráter passageiro - e não comportam seres corpóreos (note-se a diferença: não há seres como nós, encarnados, mas não deixam de ser habitados); 5- surpresa: a Terra já foi um deles durante a sua formação. Segue-se meia página de comentários de Allan Kardec.

Outra referência fundamental sobre este assunto está no capítulo III de O Evangelho Segundo o Espiritismo, intitulado com a assertiva do Cristo de que "na casa de meu Pai há muitas moradas". Ali, entre outros apontamentos, a de que há cinco tipos: mundos primitivos, de expiação e provas, de regeneração, os felizes e os celestes ou divinos.

Infere-se desta classificação que o grau de materialidade diminui à medida que se caminha dos primeiros para os últimos. Nos chamados de regeneração ainda prevalece a existência de corpos densos, enquanto, a partir dos felizes, o conceito de matéria muda. O corpo nada tem da materialidade terrestre... a leveza específica dos corpos... a pouca resistência que a matéria oferece... a morte não tem os horrores da decomposição... não estando a alma encerrada na matéria compacta... são evidências de que seus habitantes não possuem mais corpos carnais como os nossos.

Quanto aos mundos celestiais, cada um é uma "... morada dos Espíritos depurados... ". Logo, é diferente da noção de termos os Espíritos vagando pelo espaço e mesmo de se fixarem em colônias espirituais como "Nosso Lar", descrita pelo Espírito André Luiz. Não se trata de cidades etéreas habitadas por Espíritos sem corpo físico, mas de mundos concretos, sólidos.

Na Revista Espírita, fundada em 1858 por Kardec, logo no seu terceiro número, referente ao mês de março, o Codificador analisa não só a possibilidade, mas sobre o tipo de vida que se poderia esperar encontrar em outros astros. Diz que, segundo informações dos Espíritos, do nosso sistema solar, a Terra seria o segundo mais atrasado, apenas superando Marte, quanto ao grau evolutivo de seus habitantes que, neste último, seriam compostos predominantemente por Espíritos classificados na 9ª classe da Escala Espírita.

A seguir viriam Mercúrio e Saturno. A Lua satélite natural da Terra, e Vênus se equivaleriam e Urano e Netuno, os mais adiantados, culminando com Júpiter, o superior de todos. Inúmeros detalhes são fornecidos a respeito deste último, como a duração de 500 anos para cada encarnação, infância de poucos meses, ausência de enfermidades e alimentação compatível com a "formação do corpo mais ou menos a mesma que aqui, mas menos material e menos denso e de um peso específico muito pequeno".

Quanto ao aspecto intelecto-moral, informam que são Espíritos bons, com vida social regida pela justiça e bondade, comunicação pelo pensamento, sem exclusão da linguagem articulada, presença permanente da dupla-vista ou clarividência e de animais com corpos mais semelhantes aos dos terráqueos, porém mais desenvolvidos, aponto de auxiliarem os homens de lá nos trabalhos manuais, pois os daqueles são inteiramente intelectuais. Tais informações foram transmitidas, entre outros, por um Espírito que dizia habitar Júpiter.

Seu nome, quando na Terra, era Bernard Palissy, célebre oleiro do século VI. Reportou-se à vida de sua pátria sideral através de notáveis desenhos recebidos mediunicamente por Victorien Sardou, um jovem literato do convívio de Kardec. Em mundos superiores a Júpiter, o envoltório etéreo (corpo) nada mais tem das propriedades conhecidas da matéria. Complementando a respeito, no capítulo referido de O Evangelho Segundo o Espiritismo ("resumo do ensinamento de todos os Espíritos Superiores"), observação de Kardec, afirma-se que a humanidade não é constituída só pelos encarnados e desencarnados que habitam a Terra, mas por todos os seres dotados de razão que povoam os inúmeros orbes do Universo.

A forma é sempre a humana. Nos mundos superiores eles deslizam pela superfície ou planam no ar; a infância é curta ou nula; a longevidade proporcional ao adiantamento do mundo. Não há paixões nem sofrimentos. Nos mundos de regeneração, há provas, mas não expiações; o corpo é de carne; há sensações e desejos, mas não ódio, inveja e orgulho. Não há felicidade completa, entretanto ela já pode ser vislumbrada, tem-se a "aurora" da mesma. Contudo, mesmo dali, pode-se recair aos mundos expiatórios. É o que sucedeu com as ondas migratórias de Capela e parecido com o que poderá ou já está ocorrendo aqui na Terra.

Para não omitirmos algo que faz parte da questão, a despeito da situação evolutiva colocada pelos Espíritos em relação ao planeta Mercúrio, encontramos uma comunicação do Espírito General Hoche, na qual ele informa que se prepara para reencarnar naquele planeta e descreve-o como inferior à Terra, com seus habitantes mais materiais que nós. Isto evidentemente contradiz o dito anteriormente.

Sobre comunicações mediúnicas, mencionamos uma do Espírito Maria João de Deus, mãe do médium Chico Xavier e pela sua psicografia, que, em 1935, informava ser Marte mais adiantado que o nosso planeta, física e moralmente. Quatro anos depois, o Espírito Humberto de Campos, ainda pelo médium mineiro, parece confirmar as informações precedentes. "... os homens de Marte... uma aura de profunda tranquilidade os envolve... não conhecem guerras...".

A propósito, lembramos o alerta do filósofo espírita Herculano Pires e um dos tradutores das Obras da Codificação, em relação ao posicionamento de Kardec quanto ao tema. As comunicações mediúnicas sobre a vida em outros mundos sempre foram tratadas com reserva por ele, pelo fato de não poderem ser comprovadas na época. "Só ao futuro cabe confirmá-las ou não", afirmava o mestre lionês. Como bem ele observou, os Espíritos falam do que sabem e nem todos sabem tudo; aliás, bem poucos.

Por enquanto, poderíamos dizer que as coisas pouco mudaram. A Ciência oficial, apesar de todos os esforços, investimentos em aparelhagens sofisticadas e incursões de naves pelo espaço e até alcançando a atmosfera e superfície de um outro planeta, ainda não detectou vida fora da Terra. Talvez porque os cientistas estejam à procura do tipo errado de vida; talvez porque, por não estarem capacitados de ir mais longe, estejam procurando no lugar errado.

Para encerrar, atentemos para o seguinte. A sonda Galileu lançada em outubro de 1989 pela NASA, sobrevoou a Terra e a Lua no dia 08/12/90. Esta foi a primeira vez que o nosso planeta foi visto do espaço, utilizando-se dos mesmos métodos para pesquisa de vida em outros mundos e o resultado foi que, afora a presença de uma grande concentração de oxigênio, nenhum tipo de vida foi detectado.
Agora as declarações de dois cientistas. O primeiro, o físico Nikolaj Kardashev. Para ele, há três tipos de civilizações distribuídas no Universo.

As mais adiantadas fixadas nos centros das galáxias; algumas em regiões intermediárias e as como a nossa, nas periferias. "Considero - diz ele - que os seres vivos e inteligentes, após determinado nível de desenvolvimento, devem modificar-se. Ao atingir o ponto máximo desse desenvolvimento, prescindem de corpo. Os seres são simplesmente fluxo s energéticos privados de massa". Não é uma confirmação do que ensinam os Espíritos?

O segundo cientista é Sergiej Petrovich, a respeito da possibilidade da vida justamente em Júpiter. "Nós dependemos de oxigênio e água que produz anidro carbônico. Outros seres poderiam beber amoníaco (quase tão bom solvente biológico como a água), respirar azoto e devolver cianeto de hidrogênio. A atmosfera jupiteriana contém metano, amoníaco e hidrogênio em grandes quantidades". Como se vê, com 120 bilhões de galáxias, cada uma delas com cerca de 100 bilhões de estrelas e 150 planetas descobertos fora do nosso sistema solar, só de 1995 para cá, a perspectiva de encontrarmos vizinhos siderais, conforme as afirmativas categóricas dos Espíritos Superiores é bastante alvissareira.

Aliás, os cientistas calculam em 4.000 o número de planetas existentes de condições semelhantes às da Terra, inclusive com satélites. Repetimos que este é o único dos cinco princípios básicos da Doutrina Espírita que aguarda a chancela da ciência oficial.

Wilson Czerski

X - A TRAJETÓRIA EVOLUTIVA
DA ALMA (ESPÍRITO)

1 - PRINCÍPIO INTELIGENTE:

Certos assuntos tratados na Doutrina Espírita são, por assim dizer, mais palatáveis, não exigindo grande aprofundamento no seu estudo. Outros, inversamente, são mais complexos e difíceis mesmo àqueles que se dedicam ao seu estudo há bem mais tempo, questão do princípio inteligente faz parte destes últimos. Encerra um esforço filosófico para compreender a natureza mais simples, porém essencial do homem e uma série de desdobramentos e questionamentos, tais como: quando efetivamente fomos criados por Deus, como se processou a união do princípio espiritual com a matéria, qual a natureza da vida dos vegetais e animais, início da vida na Terra, etc.

Bem se vê que não será em poucos parágrafos que se poderá refletir sobre tudo isto. Tentaremos, contudo, fornecer alguns conceitos básicos que possam servir ao esclarecimento ainda que superficial dos iniciantes, ao mesmo tempo que recomendamos aos interessados em conhecer mais, sobre o assunto, a bibliografia indicada.

Principiamos por citar a questão 23 e o início da resposta à questão 115 de "O Livro dos Espíritos". Na primeira, à pergunta de Kardec "Que é o espírito?", os orientadores espirituais definem que é "O princípio inteligente do Universo". Na outra, informam que "Deus criou todos os Espíritos simples e ignorantes, ou seja, sem conhecimento". Antes de mais nada, cabe observar que na questão 23, "espírito" está grafado com inicial minúscula e na 115 com maiúscula. Por que a diferença?

Kardec sutilmente estabelece que "espírito" equivale ao princípio inteligente isolado, despido de qualquer instrumento de manifestação, enquanto "Espírito" refere-se à entidade individualizada pela presença de um corpo energético, perispiritual, que atua como veículo de expressão da vontade do ente imortal nos mundos exteriores, bem como de absorção dos conteúdos experienciais ali obtidos, servindo também de matriz, forma ou modelo ao corpo carnal. No primeiro, se assim podemos nos expressar, este indivíduo "espírito" não passa ainda de um ser em potencial. Tanto que o Codificador declara que a alma seria um ente simples; já o Espírito, duplo, e o homem, triplo, pela sua constituição também material do corpo de carne.

A existência de espírito e Espírito resulta da própria dualidade da criação divina: os princípios material e espiritual. Mesmo isolado de sua fonte geral, o princípio inteligente ou espírito só se tornará um Espírito quando unir-se à matéria e sabemos que o perispírito é de constituição semimaterial ou com partes materiais e outras espirituais. Unido à matéria, o princípio espiritual forma uma mônada que é lançada na corrente evolutiva.

Há quem entenda que é a esta mônada que os Espíritos Superiores da Codificação se referiram como tendo sido criados simples e ignorantes. Mas é possível ter-se uma interpretação alternativa, visto ser de plena aceitação que a palavra Espírito só pode ser empregada quando nos referimos ao princípio inteligente desenvolvido suficientemente para "encarnar" no ser humano. A vida das plantas e dos animais representa um estágio do "espírito" transitando pelo mundo exclusivo das sensações e dos instintos, capacitando-se depois a possuir e utilizar a razão, característica do "Espírito", na fase humana.

De fato, ao adentrar a este ciclo superior de desenvolvimento, o indivíduo é totalmente simples (não possui virtudes nem defeitos, isto é, é um ente amoral) e ignorante porque nada conhece que seja fruto da razão, embora não seja possível demarcar com precisão a fronteira entre o aprendizado incipiente de um animal superior e o do homem primitivo. Adquirindo a faculdade do pensamento contínuo, esboça o raciocínio lógico e aí diferencia-se dos animais porque passa a agir não mais somente por impulso da natureza, mas também por vontade própria, o que caracteriza o livre-arbítrio. Esta consciência do próprio existir, tão bem expressa nas palavras de René Descartes:

"Penso, logo existo", é nos separa e vai nos distanciar do puro automatismo biológico seres da criação. É, ainda, a este momento dramático, pensamos, que cabe a simbologia bíblica de Adão e Eva sendo expulsos do paraíso, após terem comido da maçã oferecida pela serpente. Até aquele momento, a natureza se encarregava de lhes prover todas as necessidades. Em compensação nada faziam por si mesmos. Eram governados pelas forças exteriores e não possuíam nem responsabilidade, méritos ou culpas. A expulsão do Éden não se reveste do caráter de castigo por desobediência. É, antes, a oportunidade de começarem verdadeiramente o seu progresso, adquirir certa autonomia, de caminhar pelas experiências dos erros e acertos e, por conseqüência, de assumir responsabilidades, o que não era possível porque não pensavam, não sabiam efetuar escolhas e inexistia a vontade pessoal.

Portanto, mediante complexo e multimilenar processo de aperfeiçoamento, a mônada ou princípio inteligente, estagia nos reinos inferiores da natureza para emergir, um dia, verdadeiramente como Espírito na condição de ser humano. É o instante em que, deixando para trás a exclusividade de orientação provinda do instinto, atinge o limiar da razão que o guiará, por erros e acertos, ao aprendizado libertador da moral e do intelecto, embora sem se desvencilhar totalmente dos recursos auxiliares sensórios e instintivos, rudimentar expressão, eles próprios, de inteligência.

Com isso surge o encadeamento do progresso na natureza, do átomo ao arcanjo, como nos diz "O Livro dos Espíritos" na questão 540 e da atração do mineral, passando pela sensação do vegetal e do instinto animal, no dizer de André Luiz, para atingir as culminâncias da
razão humana e caminhando mais além, em direção à intuição da espiritualidade superior. O físico Jean Charon em "O Espírito, esse desconhecido", cogita que há um psiquismo ao nível das partículas atômicas e que os elétrons são portadores do princípio espiritual.

Para o autor espiritual André Luiz, cada célula viva representa um princípio inteligente a serviço da economia de um outro, superior e bem desenvolvido, que seria o Espírito propriamente dito. Se esta afirmação for levada à conta de verdade, devemos refazer nosso raciocínio no sentido de que cada princípio intelectual venha a se tornar um ser superior como o homem. Só um número infinitamente grande e inimaginável poderia expressar esta população, pois estaríamos falando de algo em torno de 70 trilhões... para cada ser humano.

O que, diante da grandeza do Universo já conhecido e do fundamento doutrinário de que há vida em outros mundos, talvez não soasse tão estranhável assim imaginá-los povoando as miríades de planetas e outros corpos celestes. Mas imagine-se acrescentar cada bactéria, cada gramínea, cada formiga, desenvolvendo-se para atingir, tod\os, o estágio de ser superior. Talvez devêssemos supor que imenso número destes princípios possuíssem vida temporária e fossem fadados a uma reabsorção pela fonte geral do princípio espiritual.

De nossa parte, preferimos ficar com os que pensam que a individualização do princípio inteligente se dê num estágio não tão baixo na escala dos seres vivos. Embora o início do processo de organização da matéria possivelmente ocorra nos cristais, para o médico catarinense Ricardo Di Bernardi, o princípio inteligente só adquiriria vida própria e definida como indivíduo nos animais que já possuem a glândula epífise ou pineal, o que ocorreria, segundo Jorge Andréa, citado pelo anterior, em matéria distribuída pela internet, nos lacertídeos, família dos lagartos. Assim, os peixes que não possuem tal glândula, a qual representa, segundo vários estudos, papel fundamental na atividade mento-espiritual dos seres, não representariam inconveniente algum de serem consumidos como alimento pelos humanos.

2 - REENCARNAÇÃO

É um dos princípios básicos do Espiritismo que, como já sabemos, são cinco ao todo. Também conhecida como pluralidade das existências ou palingênese (que significa nascer de novo). Almas humanas não reencarnam em animais. Não há número certo de reencarnações e o processo não é infinito. A partir de certo estágio evolutivo, o progresso dispensa experiências em corpos densos como os nossos, mas a quantidade delas depende basicamente de cada indivíduo. Quanto mais progredir em cada etapa, logicamente apressará o processo, diminuindo a necessidade de voltar à Terra ou a outros mundos semelhantes.

A reencarnação, pelos estudos espíritas, encontra respaldo em seus três aspectos: filosófico, científico e religioso. No primeiro explica o porquê de todas as desigualdades existentes entre os homens; sem ela, decididamente, não haveria justiça de Deus. No segundo, há atualmente provas concretas de sua ocorrência, tanto pela Terapia de Vidas Passadas como por muitas pesquisas realizadas, inclusive, e principalmente, por não-espíritas sobre pessoas com lembranças espontâneas de vidas pretéritas. E no sentido religioso, aos cristãos, pelo menos há passagens claras, no Novo Testamento, em que Jesus a ela se refere, como o diálogo com Nicodemus e sobre João Batista e Elias; também o Velho Testamento a cita, não com essa denominação, em vários trechos.

Duas lembranças vêm logo à mente das pessoas quando se fala em Espiritismo: mediunidade (comunicação com os chamados mortos) e reencarnação, isto apesar de ambas não serem crenças ou práticas exclusivamente suas. A lei das vidas sucessivas da qual trataremos aqui e, justamente pela importância de que se reveste, o faremos mais longamente, é crença muito antiga no seio de muitos povos e religiões. Basta pesquisar o Bramanismo; o Budismo; o Mazdeísmo, na antiga Pérsia; os druidas, na Gália; os hindus; os antigos egípcios; os chineses; os judeus, com exceção dos saduceus; todos eles tinham como base religiosa a crença em Deus, a imortalidade da alma e o retorno dela à vida carnal, para prestação de contas dos erros cometidos no passado e desenvolvimento espiritual.

Para ficar mais didático e como reforço à afirmação do respaldo dos três fundamentos doutrinários à idéia das múltiplas existências, faremos estudos separados para cada um deles, sendo que no religioso nos demoraremos em dissipar as dúvidas quanto as diferenças ou semelhanças entre reencarnação e ressurreição.

A- ASPECTO FILOSÓFICO

Para iniciarmos propriamente o estudo da reencarnação, temos que partir de alguns pressupostos, sem os quais seria pura perda de tempo tentar provar a sua autenticidade. Vejamos. Em primeiro lugar temos que acreditar que possuímos uma alma ou Espírito e que esta sobrevive à morte do corpo físico. Se não admitirmos isto, obviamente nada temos a colocar. Um segundo ponto é o da existência de Deus e compreensão, ainda que acanhada e incompleta, dos seus atributos. Se não o reconhecermos como absolutamente perfeito, sábio, bondoso e justo para com suas criaturas, então muitas ou todas as anomalias físicas, intelectuais, morais, sociais poderão se justificar. Como se percebe, a filosofia é o caminho da busca do conhecimento através da reflexão, do raciocínio lógico e tem como campo de ação toda a realidade existente e tudo o que nela está contido. Isto inclui Deus e o homem.

Daí que podemos, e também os grandes filósofos o fizeram, nos ocupar destes dois temas, ainda que para negar a existência da divindade, sem recorrer ou justamente para combater a religião. Entretanto, no nosso caso, não há impedimento que desde agora associemos um conceito de caráter religioso ou científico pertinente a certo conceito puramente filosófico. Assim tomemos como ponto de partida as palavras do Cristo: "Ninguém pode ver o reino de Deus se não nascer de novo". Por que as teria enunciado? Significa que, segundo o seu superior entendimento, o homem está submetido ao imperativo da lei de progresso, de trilhar por sucessivas experiências terrestres e, quiçá, em outros mundos, para avançar em sua evolução espiritual.

A plenitude de desenvolvimento de suas faculdades morais e intelectuais, que o conduzirão à perfeição relativa tornando-o realmente semelhante - mas não igual a Deus -, certamente não pode ser alcançada com somente uma existência de 70 ou 100 anos. O que ele aprende durante o curso de uma existência equivale a alguns curtos e trôpegos passos em direção ao infinito, mesmo que tenha maximizado a oportunidade, o que é raro. É insuficiente para que imediatamente após receba um selo de santificação com destino ao céu ou às lavas vulcânicas do inferno, se existissem.

Aliás, recentemente, o papa João Paulo II pronunciou-se a respeito, manifestando uma revisão neste dogma católico e propondo que ambos, Céu e Inferno, não sejam lugares físicos, mas estados da alma, exatamente como entende o Espiritismo. Para nós o Purgatório equivale a nada mais do que a própria Terra, um planeta de provas e expiações e onde, paulatinamente, pela repetição das jornadas encarnatórias, o Espírito é submetido à lei de Causa e Efeito ("a cada um, segundo suas obras").

Este é o processo pelo qual o Espírito, mantendo sua individualidade ao longo do tempo, reveste-se de personalidades diferentes e temporárias como um ator que atua no palco representando os mais diversos papéis e tanto melhor o fará quanto mais aprendizado tiver acumulado pelo estudo, pelo treinamento, pelas corrigendas e disciplinas impostas a si mesmo, pela prática do Bem e pelo maior número de personagens que tenha tido oportunidade de encarnar.

Somente através da reencarnação o homem vai se depurando espiritualmente, burilando o caráter e a inteligência, adestrando-se a se tornar um partícipe mais efetivo na obra da Criação Divina que, aliás, nunca cessa. Sem ela não haveria justiça divina como veremos mais adiante. Não teríamos explicações plausíveis para todas as desigualdades e aparentes injustiças com as quais convivemos aqui na Terra. Prevaleceria um destino arbitrário e cruel, determinado por Deus.

O homem não passaria de joguete nas mãos da sorte e do acaso. E mais: o homem agiria quase sempre impunemente. Excetuada a ação da justiça terrena que sabemos ser muito falha, onde e quando esperar pelos castigos aos maus e recompensa dos bons? Ora, se o céu beatífico e enfadonho pela ociosidade e as fornalhas do inferno não existem, como conciliar idéias de justiça divina com a impunidade das transgressões humanas? Esboroam-se o materialismo mecanicista de um lado, implode o fanatismo e os sofismas religiosos de outro, erigidos que foram com o propósito de dominação sombria.

Daí, portanto, a necessidade apregoada por Jesus de o homem ter que renascer inúmeras vezes em carne e Espírito, isto é, a estruturação celular em diversos corpos sob o comando de um só Espírito como vestes que são trocadas por necessidade de higiene ou desgaste. A renovação carnal depende dos pais, a espiritual do esforço do próprio Espírito e de Deus que o criou simples e ignorante e lançou-o na torrente evolutiva para adquirir todas as outras faculdades que já se encontravam nele em estado latente. Algumas delas, passados milhões de anos, desde o agregado celular mais elementar que serviu de suporte à manifestação do princípio inteligente ou mônada espiritual, já estão desenvolvidas como a fala e a escrita, a razão e a memória, o livre-arbítrio parcial e a mediunidade que se generaliza por toda parte.

Muitas outras ainda carecem de condições apropriadas de amadurecimento moral e intelectual, as quais constituem as duas asas sustentadoras do vôo do Espírito rumo à perfeição e à felicidade. Ao longo da linha de crescimento do ser imortal, aquele princípio inteligente caminhou passando pelos diversos reinos da natureza e adequando sempre, na sua marcha ascendente, as formas físicas de expressão no mundo corpóreo ao grau íntimo de necessidade e potencial. Da atração no mineral - primeiras evidências do esforço da natureza, tela sublime a expressar a obra de Deus - no sentido de individualizar a vida, transitando pelo predomínio da sensação nos vegetais e do instinto nos animais, alcança a razão plena no homem atual e projeta-se para a intuição característica do homem do futuro, elegendo-se para compor a angelitude dos Espíritos superiores.

B - AS DESIGUALDADES, COMO EXPLICÁ-LAS?

FÍSICAS. Podemos elaborar as seguintes questões. Por que Deus nos colocaria no mundo com diferenças que se transformam em agentes de facilidades ou entraves de tal monta capazes de selar o nosso destino? Já paramos alguma vez para pensar por que uns nascem sadios e outros com deformações físicas e retardos mentais? A Síndrome de Down, por exemplo, a que se deve? Carga genética dos pais? E por que, então, um? E o irmão e mesmo o pai ou a mãe, tendo o gene responsável não tiveram a doença desenvolvida? As causas, segundo a medicina, podem estar relacionadas também com acidentes de parto ou consequência de enfermidades acometidas à mãe durante a gravidez. O raciocínio ainda é o mesmo: Por que a doença naquela época e, se foi acidente mesmo e não negligência do obstetra, por que com ele?

Por que, esteticamente falando, pessoas altas, biótipo para jogador de basquete e o constrangimento de um anão ou brancos e negros com consequências socioeconômicas? Por que a beleza de uns abrindo portas profissionais e pessoais (modelos, os tais "boa aparência", potencial para melhores matrimônios) e a fealdade criando embaraços? Por que no decorrer da vida a saúde e a doença que surge sorrateira, companheira de anos ou muitas décadas sem razões aparentes? Enfim, por trás de todos os mecanismos das leis biológicas das quais só constatamos as manifestações exteriores está a regência soberana das leis de equilíbrio que, burladas em alguma época e lugar, reclama reajuste.

Ou então são expressões da vontade do próprio indivíduo determinando escolhas provacionais para acelerar a ascensão espiritual. Muita beleza feminina, por exemplo, pode ser fator de ameaça ao cumprimento a determinados programas de trabalho para a futura etapa reencarnatória. Poderá despertar a sensualidade excessiva, a vaidade, o desejo de muitos do sexo oposto, resvalando até para graves conflitos de relacionamento pessoal e familiar. Então, o Espírito solicita alterações na sua matriz perispiritual, optando por traços mais comuns que não chamem tanto a atenção.

Ainda no aspecto físico, perguntamos sobre as razões das mortes prematuras. Não tiveram tempo suficiente nem para praticarem o bem e irem para o "céu" e nem tampouco o mal para irem para o "inferno". Para o purgatório talvez. E de lá para onde se nada fizeram, se não se submeteram às vicissitudes da vida material? E esta não é uma bênção concedida por Deus? Por que a uns de seus filhos ela é negada ou tão curta? E as mortes violentas, os acidentes, as catástrofes, as guerras? Por que essa "sorte" tão arbitrária? Fatalidade que atinge muitas vezes indivíduos de boa índole e poupa outros maldosos?

INTELECTUAIS. Gênios ou superdotados e idiotas nos extremos e uma imensa maioria em muitos graus intermediários de inteligência. Dir-se-á talvez que os primeiros são exceção. Então Deus é parcimonioso e concede privilégios. Por quê? De onde provêm as idéias inatas, as vocações profissionais, os dons artísticos que tantas vezes brotam na mais tenra infância e se desenvolvem à revelia da instrução posterior? A inteligência dada a uns, e negada a outros, as mais das vezes também ampliam as diferenças pelas suas consequências e assim a parcialidade de Deus repercutiria em efeito cascata nas condições econômicas e sociais do indivíduo, pois, em geral, quanto mais alcance intelectual, maiores as possibilidades de conforto material pelas oportunidades surgidas.

SOCIAIS E ECONÔMICAS. Por que uns nascem em berço de ouro ou são bafejados depois pela fortuna, enquanto outros nascem pobres, em favelas, enfrentando um ambiente extremamente hostil onde lhes são negados os direitos e oportunidades mais elementares de saúde, estudo e formação religiosa, abrindo uma luta titânica para não resvalar pelos descaminhos do crime?

MORAIS. Como listar lado a lado Albert Sabin, Francisco de Assis, Irmã Dulce, Madre Teresa de Calcutá e Nero, Genghis Khan e Hitler? Para aceitar tudo isto assim friamente só concebendo um Deus absolutamente injusto e caprichoso.

C - CONTRIBUIÇÃO CIENTÍFICA À TEORIA DA REENCARNAÇÃO

"Impossível", eis a palavra dos precipitados e dos incrédulos quando o assunto é comunicação dos mortos com os vivos ou reencarnação. Por ignorarem certas leis naturais ou por lhes faltar ainda meios mais contundentes de convencimento, preferem simplesmente ignorar os fatos. Felizmente em nossos dias tais temas têm merecido o exame de alguns estudiosos sérios e sem idéias preconcebidas avalizando o pensamento espírita. lan Stevenson, da Universidade de Virgínia nos EUA, estudou cerca de 600 casos dos quais selecionou 200 e finalmente dos 20 mais significativos compôs o livro "Vinte Sugestivos Casos de Reencarnação".

Hamendras Nath Banerjee, na Índia e depois migrando para os Estados Unidos, em 25 anos de pesquisas catalogou 1.100 casos, dos quais, muitos deles, mesmo as mais imaginosas tentativas de invalidá-los, não lograram êxito. As experiências com Terapia de Vidas Passadas difundiram-se mais largamente a partir do trabalho do psicólogo americano Morris Netherton, em 1967 e depois com a Dra. Edith Piore. O físico Patrick Druot operou 3.000 sessões de regressão de memória e em seus retornos às vidas pretéritas nem um só dos pacientes manifestou o nome de alguma personalidade famosa como muitos acusam. No Brasil, entre outros, a comprovação da reencarnação foi alvo de pesquisas de Hernani Guimarães Andrade e Henrique Rodrigues, ambos agora desencarnados.

D - A REENCARNAÇÂO NA RELIGIÃO

Dissemos anteriormente que várias religiões, principalmente as orientais, são assentadas na crença da possibilidade das almas voltarem à vida carnal. No Velho Testamento, Isaías, cap. XVI, v. 19, afirma: Aqueles do vosso povo que se tenham feito morrer, viverão de novo. Job, cap. XIV, v. 10/14, afirma: Quando o homem está morto, ele vive sempre; terminando os dias de minha existência terrena, esperarei porque a ela voltarei de novo. Em Mateus, cap. XVII, v. 10/13 e também Marcos, cap. IX, v. 9 a 12, temos Jesus respondendo aos discípulos sobre a vinda de Elias: É verdade que Elias deve vir e restabelecer todas as coisas mas eu vos declaro que Elias já veio e não o conheceram.

Então compreenderam que era de João Batista que lhes havia falado. Em Mateus, cap. XI, v. 12 a 15:... desde o tempo de João Batista até o presente... e se quereis compreender o que vos disse, é ele mesmo, o Elias que deve vir. Ouça aquele que tem ouvidos para ouvir. Mas a confirmação mais eloquente está no diálogo entre Cristo e Nicodemus, doutor da lei. Ninguém pode ver o reino de Deus se não nascer de novo. - Como pode nascer um homem que já está velho? Acaso pode ele entrar no ventre de sua mãe para nascer uma segunda vez? — Se um homem não renascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne é carne e o que é nascido do Espírito é Espírito. Sois mestres em Israel e ignorais essas coisas?

O que muito pouca gente sabe é que até o ano de 543 d.C. a própria Igreja Católica adotava a idéia da reencarnação, como se pode ver em Orígenes (185- 254 d.C.). Em 538 d.C. o Sínodo de Constantinopla publicou e cinco anos mais tarde foi aprovado o Edito que condenou o grande pensador religioso, bem como a crença na pluralidade das existências.

E - REENCARNAÇÃO E RESSURREIÇÃO

Confusão, desinformação, má vontade e má-fé, estes os motivos mais frequentes para se ignorar a lei da reencarnação. Alega-se que Jesus não usou este termo, mas ressurreição. Para início: é ressurreição (ressurgir) da carne ou na carne? As idéias dos judeus sobre o assunto eram indefinidas pois possuíam somente vagas e incompletas noções sobre a alma e sua ligação com o corpo. Criam na possibilidade de o homem que já tivesse vivido uma vez, tornar a fazê-lo, mas ignoravam a forma como isso podia se dar. Designavam ao fenômeno de reviver pelo vocábulo ressurreição que lhes parecia mais prático e Jesus, diante da dificuldade de se fazer entender plenamente àqueles homens rudes e incultos, optou por servir-se da expressão que já tinha trânsito entre eles.

A Ciência ensina que a ressurreição do corpo que morre é impossível enquanto a reencarnação é o retorno de um Espírito através de outro corpo novamente preparado para ele. Se nos reportarmos às passagens do evangelho referentes aos casos supostamente enquadrados de ressurreição, veremos que todos eles, não se excluindo nem mesmo o ocorrido com Jesus, dão margem a interpretações naturais sem o recurso da solução simplista de milagre. Assim foi com a filha de Jairo que Jesus declara que estava dormindo e não morta. Provavelmente estava em catalepsia ou, mais profundo ainda, em letargia.

Quando isso acontece, há exteriorização quase total do perispírito ou corpo astral, provocando a ausência de consciência e diminuição significativa dos sinais vitais. Jesus, pelos seus excelentes dotes fluídicos-curativos, ao ordenar que ela se erguesse, direcionou um poderoso influxo energético suficiente para reanimá-la. Até algumas décadas atrás era mais ou menos comum, especialmente nas zonas rurais, o sepultamento de pessoas vivas. O que dizer daquela época em que os recursos médicos para o diagnóstico do óbito eram muito mais precários?

Acrescente-se o hábito de então dos judeus de procederem a inumação imediatamente após a desencarnação, como pode-se ver nos Atos dos Apóstolos, cap. V, v. 5 e seguintes. O caso mais controvertido de ressurreição é o de Lázaro. Argumenta-se que estava morto há quatro dias e cheirava mal. As letargias podem durar oito dias ou mais. Quanto à decomposição, note-se o fato de que em certos indivíduos a mesma pode ocorrer de modo parcial, principalmente nas extremidades e internamente, mesmo antes da morte se consumar. Esta só se dá quando atinge órgãos vitais. Pergunta-se ainda: quem afirmou que cheirava mal? Sua irmã Marta. Mas se ele estava sepultado há quatro dias, ela podia supor isso, mas de modo algum atestar.

Finalmente, em relação à pseudo-ressurreição de Jesus, examinemos o seguinte. Destaquemos alguns trechos que narram o seu aparecimento após a crucificação. À Madalena - primeira pessoa a revê-lo - Ele pede para que não o toque. Depois caminha ao lado de dois de seus discípulos, mas estes "tinham os olhos tolhidos a fim de que não o reconhecessem", situação que perdurou até o momento da ceia quando abençoou o pão e lhes deu de comer. Mais tarde, à margem do Tiberíades, reaparece mas os discípulos não o reconhecem.

O reaparecimento de Cristo foi em seu corpo fluídico ou energético, o perispírito. É graças às suas propriedades de condensação que tal fenômeno é possível, produzindo-se a visibilidade das aparições e a tangibilidade das MATERIALIZAÇÕES. Não há nada de milagroso ou inexplicável nisso, Jesus possuía poderes extraordinários, mas todos calcados em leis naturais. Se Jesus tivesse ressuscitado com o corpo físico, por que desapareceu definitivamente logo após?

Teria ascendido ao céu para permanecer em eterna órbita da Terra? Resta uma dúvida: o desaparecimento de seu corpo do sepulcro. A hipótese mais provável é a de uma remoção clandestina, mas também não se descarta a possibilidade de ter ocorrido a sua total desintegração para não confundir talvez o testemunho dos discípulos.

NOTA: A - FINALIDADES DA ENCARNAÇÃO

As sucessivas encarnações são os degraus que o Espírito galga no itinerário da perfectibilidade, ao submeter-se às limitações da existência corporal. Deste modo, as encarnações são necessárias em função do progresso moral e intelectual, para ascender à condição de Espíritos puros. Quando na ERRATICIDADE o Espírito examina o que fez (juntamente com os seus guias espirituais), reconhece seus erros ou acertos, traça planos e toma resoluções para mais uma etapa de aprendizado, submetendo-se às provas necessárias não significa para ele punição, e sim, uma condições necessária por força de sua condição moral. Ao reencarnarmos, nós juntamente com nossos guias espirituais, traçamos as linhas principais dela (normalmente iniciais tais como: local onde nascer, no seio de que família, pois, deveremos solicitar permissão para aquela que será a nossa mãe, etc...; as secundárias e terciárias, ficarão ao sabor de nosso livre-arbítrio, não nos esquecendo da Lei de Causa e Efeito.

1- EXPIAÇÃO: "Deus os colocou num mundo ingrato para expiarem suas faltas, através de um trabalho penoso e das misérias da vida, até que se façam merecedores de passar para um mundo mais feliz".(ESE, cap. II, ítem 13). A expiação consiste em o homem sofrer aquilo que fez os outros sofrerem, abrangendo sofrimentos físicos e morais, seja na vida corporal, seja na espiritual. Tais sofrimentos, quando suportados com resignação, abnegação, paciência e entendimento, apagam erros passados e purificam o espírito que assim vai, encarnação após encarnação, libertando-se das imperfeições da matéria. (Lembre-se do Jesus disse: "O amor apaga muitas de nossas faltas", não sendo obrigatório a Pena de Talião).

2 - PROVA - Em sentido amplo, cada nova existência corporal é uma prova para o Espírito que o leva a se aperfeiçoar, enveredendo pelo caminho da perfeição. Esclarece o Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. VI, n° 5: "Crede e orai! Porque a morte é a ressurreição e a vida é a prova escolhida, durante o qual vossas virtudes cultivadas devem crescer e desenvolver-se como o cedro". A prova às vezes confunde-se com a expiação, mas nem todo sofrimento é indício de uma determinada falta. O sofrimento pode ser uma opção do próprio Espírito com o objetivo de acelerar a sua purificação. Deste modo, a expiação será sempre uma prova, mas a prova nem sempre será uma expiação.

3 - MISSÃO - Todos têm uma missão a cumprir, neste ou em outros mundos, mais ou menos adiantados; todos têm um papel a desempenhar dentro da harmonia e do equilíbrio do Universo. Assim, as missões, de modo geral, enquadram-se em papéis de maior ou menor intensidade, de acordo com a capacidade e a elevação do Espírito reencarnante. Há a missão dos pais, a missão dos governantes, dos mestres, dos homens de ciência, dos escritores, dos artistas, etc. Mas existem Espíritos missionários que reencarnam com uma missão específica: desempenhar a sublime tarefa de semear a paz, a caridade, o amor ao próximo e de promover o avanço intelectual da humanidade. Para estes, a encarnação não tem a finalidade de prova ou de expiação, mas a missão de acelerar o progresso MORAL e INTELECTUAL de seus irmãos encarnados. A encarnação, enquanto instrumento divino que permite ao Espírito sua aprendizagem, leva-o a passar por todas as vicissitudes da vida material. Quanto mais rapidamente o Espírito se purificar e assimilar todo seu aprendizado, mais depressa chegará ao destino para o qual foi criado: a PERFECTIBILIDADE. Edivaldo

3 - CARMA, LIVRE-ARBÍTRIO, DESTINO, FATALIDADE

Consideramos o tema envolvendo destino, fatalidade, livre-arbítrio e determinismo como uma das mais complexas questões filosófico-religiosas a serem resolvidas pelo homem. E uma das mais fascinantes também. Naturalmente, aqui, fazemos um pequeno apanhado, atendo-nos mais particularmente à análise sob a visão da Doutrina Espírita, entendendo-se, porém, que conceitos a respeito, oriundos de outras correntes de pensamento, em princípio, não devem ser desprezados. Neste campo há ainda muitas incertezas e pontos não totalmente esclarecidos.

Até porque o próprio Espiritismo - ou os Espíritos que ditaram as obras fundamentais da Doutrina a Kardec o fizeram -, bebeu nas fontes dos antigos filósofos e culturas religiosas, avançando, é certo, na abordagem, mas deixando à própria humanidade, o labor de completar tais conhecimentos.

Por definição, temos que destino é a sucessão de fatos que podem ou não ocorrer, e que constituem a vida do homem, considerados como resultantes de causas independentes de sua vontade; aquilo que acontecerá a alguém no futuro. Da primeira definição salta-nos aos olhos dois aspectos. Primeiro: no destino, os fatos estão marcados para ocorrer, mas não em caráter irrevogável; e, segundo, quando dizemos que o Espírito traça seu destino antes de reencarnar, não estamos sendo corretos; visto que aquele seria elaborado sem a participação de sua vontade. Seria algo imposto por fatores externos.

Já no determinismo, o que temos é uma relação rígida entre fatos ou fenômenos, de modo que a ocorrência de um deverá sempre conduzir ao outro como consequência. Aqui a associação que fazemos é com a lei de ação e reação mecanicista. Pessoalmente, a esta analogia com a lei da Física, segundo a qual a cada ação corresponde uma reação, de mesma direção e intensidade e sentido contrário, optamos pela expressão de Causa e Efeito, justamente porque nas leis de Deus, embora imutáveis, há sempre espaço para flexibilizações naquilo que chamamos de bondade e misericórdia.

Assim sendo nem sempre a uma determinada causa, segue-se uma reação equivalente. Esta pode ser atenuada, transmudada, além de adiada e talvez até cancelada. O Mal pode ser pago pelo Bem como lembra o apóstolo Pedro ao afirmar que "o Amor cobre uma multidão de pecados". Um serial killer de 20 pessoas não precisará necessariamente ser assassinado 20 vezes para expiar aqueles erros, talvez mesmo nenhuma. Poderá quitar sua dívida perante as leis de Deus submetendo-se a outros sofrimentos, como reencarnar uma ou mais vezes em corpo físico deficiente, ser vitimado por enfermidades graves, perecer em catástrofes naturais e/ou dedicando-se a tarefas regeneradoras em prol do próximo.

Quanto à fatalidade, seria a "sorte inevitável" previamente fixada, nela não tomando parte nem a vontade nem a inteligência. Perguntaríamos: fixada por quem? Por Deus? Muitos acham que sim, como outros tantos, em especial os materialistas, crêem que as ocorrências não são resultantes da interferência de quem quer que seja, mas fruto do acaso, da sorte e do azar, das circunstâncias. Aliás, por falarmos em acaso, o que vem ser ele? "Conjunto de pequenas causas, independentes entre si, que se prendem a leis ignoradas ou mal conhecidas e que determinam um acontecimento qualquer".

Traduzindo para o pensamento espírita, diríamos que as causas que culminam em certos acontecimentos tanto podem ser pequenas ou aparentemente pouco importantes como muito importantes, senão mesmo, muitas vezes, uma única que está por trás das manifestações de todas as outras. A independência de umas em relação às outras é só aparente, pois que funciona como espécie de sinalização ao viajante da vida, encaminhando-o para um certo ponto pelo qual terá que passar quase que obrigatoriamente. Este "quase" representa a possibilidade de, em muitas circunstâncias, exercer o seu livre-arbítrio e tomar um desvio, recuar, estacionar, etc. Quanto ao prender-se tais causas a leis ignoradas ou mal conhecidas, isto é verdadeiro. Justamente por isso, no momento em que o homem compreender melhor o porquê de sua existência, saberá que tudo tem uma razão de ser e o acaso será uma palavra sem significado.

Por outro lado, correntes importantes como o Espiritismo, o Catolicismo e as religiões orientais, a despeito das significativas peculiaridades em cada uma delas na interpretação, admitem que o homem é dotado do livre-arbítrio, segundo o qual ele faz suas próprias escolhas e traçaria o próprio destino. Aliás, os Espíritos, ao falarem do assunto a Allan Kardec, na questão 851 de "O Livro dos Espíritos", encaixam num só parágrafo três vocábulos dos aqui examinados. Começam dizendo que a fatalidade é a própria escolha feita pelo Espírito, ao reencarnar (na verdade, antes e não no momento), das provas a que se submeterá e que, assim procedendo, traça uma espécie de destino. E a seguir lembram que isto vale para as de ordem material pois que, em relação às morais, o Espírito, de posse do livre-arbítrio, sempre dirá a última palavra.

Já a palavra carma, importada do hinduísmo, apesar de originalmente significar as consequências ou efeitos dos atos humanos em geral, no ocidente acabou assumindo uma conotação negativa como se fora restrita somente às coisas más. É comum no meio espírita a expressão segundo a qual a semeadura é livre mas a colheita é obrigatória. No primeiro ato, deparamos com o exercício do livre-arbítrio, escolhendo conscientemente entre o Bem e o Mal, o certo e o errado, mas no segundo teríamos o retorno ou os efeitos dos pensamentos, palavras, atos e sentimentos antes deliberados.
Diz-se assim que o homem é escravo (até certo ponto) de seu passado, mas senhor do futuro e arquiteto de seu destino.

A fatalidade, presente na morte, no próprio nascimento, como condição temporária de aprendizado e, em certos casos, nas circunstâncias que independem de sua vontade, sendo imposições sociais ou de indivíduos com maior ascendência, só se dá, no sentido material, pois que, quanto ao moral, sempre o indivíduo dirá a palavra final, podendo agir ou deixar de fazê-lo conforme sua consciência. Também é certo que muitos fatos ou situações inevitáveis e tomadas à conta do destino, constituem exatamente as escolhas prévias que o Espírito fez no plano espiritual antes de reencarnar. É o planejamento de vida, obedecendo, portanto, ao seu livre-arbítrio e atendendo necessidades de expiação, provas ou mesmo missões especiais. Não existe sorte ou azar, muito menos abandono, injustiça ou privilégios de Deus.

Em verdade, podemos resumir as idéias e conceitos aqui expostos em dois blocos: de um lado, a fatalidade, o determinismo e o destino e, de outro, o exercício das escolhas realizadas pelo homem, graças à sua vontade ou livre-arbítrio. Mais que isso: determinismo e livre-arbítrio coexistem simultaneamente. Em mundos como o nosso, de transição entre os primitivos e os regenerados, convivemos tanto com conjunturas impostas pelo meio natural e limitações mais drásticas das leis de Deus, devido à nossa ignorância e, portanto, incompetência e irresponsabilidade, como desfrutamos de algumas possibilidades de autodeterminação.

A lei apresenta certa elasticidade, permitindo-nos a locomoção dentro de uma esfera de ação sem poder ultrapassá-la, o que representaria infração às leis de Deus, afetando a harmonia universal e gerando reações que se voltam contra os agentes, exigindo as devidas retificações. Neste ambiente maior, o cosmo, nossos interesses e caprichos pessoais não podem prevalecer. Toda vez que o homem pretender avançar além estará sujeito não só às consequências do desrespeito às leis maiores como também de simplesmente ter bloqueada a sua progressão. Daí a nossa despreocupação em relação aos problemas magnos da humanidade, como usos de certas tecnologias na medicina, armas nucleares, viagens interplanetárias, etc. O planeta não é uma nau à deriva. A Providência, o grande timoneiro, está sempre atenta ao desdobrar dos acontecimentos de todo o universo.

As etapas iniciais do ciclo biológico do ser humano consignam um exemplo da coexistência entre determinismo e livre-arbítrio, ao mesmo tempo que serve para simbolizar o que ocorre com o Espírito na sua trajetória imortal. Ao nascer, a criança é toda determinismo, dependente dos cuidados de terceiros para todas as necessidades. À medida que se desenvolve, gradativamente vai assumindo pequenas tarefas e assim continuará até atingir a fase adulta. À proporção que cresce e torna-se capaz, os pais e a sociedade irão atribuindo-lhe responsabilidades diante das quais sair-se-á mais ou menos satisfatoriamente: nos cuidados da própria higiene, na alimentação, no aprendizado escolar, a mexer com fogo, a sair à rua sozinha, nos trabalhos, etc.

Com isso obterá direitos e liberdade de escolher horários, divertimentos, guiar automóvel, votar, gastar dinheiro. Nisto consta o seu livre-arbítrio que atingirá o grau máximo na fase adulta, embora sempre defrontando-se com certas restrições físicas, climáticas, sociais, legais, econômicas. Ou seja, nunca poderá fazer tudo que tiver vontade. Desenvolverá a sabedoria ao aceitar limites, ao contentar-se com o que possui ou é possível possuir. O trabalho, a dedicação, a inteligência poderão estender os limites, mas sempre assumindo as responsabilidades dos seus atos diante de si mesmo e da sociedade.

Assim também o espírito primitivo. Enquanto simples e ignorante, tudo o que faz é por força dos instintos. Aos poucos toma conhecimento de si, da realidade que o cerca e de Deus, oferecendo-se melhores oportunidades de crescimento moral e intelectual. A generosidade da natureza ou mesmo suas asperezas servirão de testes e exercício de virtudes que deverão ser cada vez mais cultivadas, agora que possui a razão e a possibilidade de fazer valer sua vontade em algumas coisas do mundo exterior. Mas, se escolhe errado, passará pelo processo de reparação e recomeço da experiência. Espíritos bastante evoluídos fazem escolhas sempre corretas, guiam-se por si mesmos, são filhos crescidos e maduros. Imensa maioria da humanidade está na adolescência de rebeldia e inexperiência.

Assim, muitas vezes, enquanto para uns é concedida a oportunidade de optar pelo tipo de experiências que pretende ter na próxima reencarnação, traçando a "espécie de destino", especialmente nos fatos básicos como o sexo, família, profissão, casamento, etc., a outros são impostas compulsoriamente com quase ou nenhuma participação do interessado.

Na questão 122 de "O Livro dos Espíritos", consta que o livre-arbítrio se desenvolve à medida que o Espírito adquire consciência, equivalente ao socrático conhece-te a ti mesmo, dilatando-se com o aprofundamento deste autoconhecimento e de seu lugar e função no mundo. E mencionam ali os Espíritos a simbologia da queda do homem e do pecado original por terem uns cedido à tentação e outros oposto resistência, a propósito dos lendários Adão e Eva.

O que deve ficar bem claro para nós é a relatividade dos conceitos e processos do destino, determinismo e livre-arbítrio. Não são estanques, imutáveis, rígidos ou matemáticos. Ao contrário apresentam flexibilidade na natureza das consequências, no tempo de surgimento (a também chamada lei do retorno) e principalmente na intensidade. A depender do grau de conhecimento do indivíduo, especialmente a sua maturidade ou senso moral, causas idênticas provocarão efeitos diversos.

Em "Obras Póstumas", de Kardec, encontramos que as ações humanas ocorrem em três níveis, a saber: o individual, o familiar e o social. Em cada um deles, nossos pensamentos, palavras e atos provocam reações nem sempre associadas. Assim, às vezes, o indivíduo é bom cônjuge e pai ou mãe dedicados, porém possui conduta social reprovável. Ou o inverso. Como também pode agir bem nestes dois, mas no tocante à vida pessoal dá-se à preguiça, aos vícios e abusos que comprometem a saúde, malbaratando oportunidades de progresso espiritual. Poderá, então, ser contemplado com enfermidades e outras provações a nível individual, nesta e nas próximas reencarnações, sem, contudo, encontrar grandes dificuldades na profissão, nos negócios e amizades.
Já outra, talvez tenha boa situação pessoal, porém enfrenta dificuldades no relacionamento familiar, ser vítima de atos da desonestidade alheia, etc.

Daí as expiações coletivas nas quais grupos de até milhares e mesmo milhões de pessoas, no caso das condições gerais de um país inteiro, são formados para aquela finalidade. Defende-se a idéia de que cada um individualmente é responsável em maior ou menor grau pelo que acontece a sua volta. Quanto mais estreitos os laços que nos ligam a fatos, pessoas e ambientes, maior a nossa vinculação à família, à vizinhança, ao bairro, à cidade, ao país e finalmente ao planeta. Até os mais secretos e fugazes pensamentos ou a vibração mais tênue de um sentimento exteriorizam-se na forma de vibrações que vão juntar-se ao imenso oceano coletivo de energias psíquicas em que estamos mergulhados ou, se se preferir outra imagem, irão constituir a atmosfera espiritual ou psicosfera do planeta.

Como disse o Cristo, a cada um segundo suas obras. Nascemos no lugar certo, convivemos com as pessoas certas e no tempo certo. Isto de conformidade com nosso merecimento e necessidades de longo prazo e não com vistas somente ao momento presente. Entretanto, em muitos aspectos, no detalhamento do plano maior de nossa vida fixado antes da reencarnação, somos livres para alterar rumos, corrigir ou tomar desvios nas rotas, cabendo desistências ou agilização dos programas. São tendências de temperamento, traços de caráter, características físicas, psicológicas, condições socioeconômicas que poderão ser contornadas, ampliadas ou desperdiçadas, probabilidades a serem concretizadas ou não. Costumamos dizer que estamos submetidos ao destino no atacado, mas de posse do livre-arbítrio no varejo.

Cada reencarnação é um capítulo do grande e especial livro da nossa vida espiritual e, portanto, imortal e à medida que vamos preenchendo suas páginas, damos este ou aquele encaminhamento à história. Podemos figurar a existência humana terrestre como um viajante na estrada. Ele tem inteira liberdade de seguir em maior ou menor velocidade, de estacionar, pegar atalhos, mas terá que sempre seguir no mesmo sentido, para frente, porque o Espírito não retrograda, impelido pela lei do progresso. Todos partimos do mesmo ponto, simples e ignorantes e cruzaremos, também todos, mais cedo ou mais tarde, a linha de chegada que é a perfeição relativa.

Alguns aspectos mais gostaríamos de comentar, ainda que brevemente. A questão 984 de "O Livro dos Espíritos" afirma que as vicissitudes são escolhas individuais ou "imposição por Deus", mas não distingue provas de expiações. Já na 399, a resposta se faz em cima da pergunta de Kardec que fala serem elas ao mesmo tempo expiação do passado e provas para o futuro. Segundo Joanna de Ângelis, as provações são requeridas pelo próprio Espírito ou sugeridas pelos cooperadores espirituais, mas sem imposições e podem ser alteradas. Já as expiações seriam impostas, de caráter irrevogável, constituindo-se em autênticas cirurgias corretivas. Embora isso possa constituir regra, cremos que há exceções. Outros pensam mesmo que se dê o inverso, visto que uma vez escolhidas conscientemente as provas, dificilmente o indivíduo desertará delas por estarem fundamente gravadas em seu inconsciente, enquanto que as expiações, talvez, em algumas delas, seu livre-arbítrio interfira para atenuar, "parcelar" ou adiar, por não se sentir suficientemente encorajado a suportá-las. Pessoalmente cremos que todas estas situações são possíveis.

O certo é que algumas delas revelam-se de modo inevitável. Outros dois aspectos estão relacionados à ciência médica. O primeiro quanto às doenças e aberrações genéticas nos animais e no homem. Os animais são irracionais, não pensam, não têm vontade própria e assim não estão sujeitos às leis morais e, por consequência, não têm responsabilidade sobre seus atos que são regidos exclusivamente pelos instintos, descartados aqui os sinais de inteligência rudimentar percebidos em algumas espécies. As doenças e deformações não são resultantes do carma ou lei de causa e efeito, mas simplesmente provenientes do efeito de leis naturais ou falhas delas. Somente no homem é que estas mesmas leis biológicas convertem-se em mecanismo de expressão da lei divina de justiça. Sem elas, Deus pode valer-se de outros meios para alcançar os infratores, como as catástrofes naturais ou provocadas pelo próprio homem (guerras, por exemplo).

O segundo aspecto diz respeito aos princípios éticos envolvidos na engenharia genética. Em "O Evangelho Segundo o Espiritismo", capítulo V, item 26, os Espíritos colocam que é totalmente justa a busca de abrandamento dos sofrimentos que acometem o ser humano, até com uma expressão exata para a questão quando dizem na forma de pergunta: "É permitido àquele que se afoga, procurar se salvar? Àquele que tem um espinho cravado, o retirar? Aquele que está doente, de chamar um médico? O especialista, ao ativar ou neutralizar a ação futura ou já instalada de um gene, impedindo, por exemplo, a manifestação de uma enfermidade, estará interferindo na lei de causa e efeito?

Em princípio, a resposta é afirmativa, mas como suas intenções são justas por dever profissional e sentimento humanitário, não sofrerá admoestações diante das leis maiores. Já o paciente, talvez seja sensibilizado profundamente com a cura e altere, para melhor, a sua postura diante da vida. Para outros casos, a ação do médico fracassará ou os sintomas expiatórios retornarão em outra parte do corpo ou de diversa forma. Importante é que se compreenda que as doenças, exceto as causadas pela velhice e desgaste normal dos órgãos, têm origem no mau uso que fazemos - ou fizemos - de um dos veículos físicos e assim devemos proceder profilaticamente a nível causal do Espírito e perispírito, para não ter que remediarmos na esfera somática dos efeitos.

Kardec afirmou que o Espiritismo jamais negou a fatalidade de certas coisas, consequências de leis da natureza e nas que presidem o conjunto das ações e existências humanas. Submetido a estas leis gerais, o homem move-se dentro de um círculo, não podendo rompê-lo. Também ao referir-se às obsessões, o Codificador lembra que elas estão presentes devido à inferioridade do mundo em que vivemos. Somos atingidos porque vivemos aqui por força de nossas próprias imperfeições a exigir labor e conhecimento.

Particularmente entendemos que, de fato, muitas ocorrências sobrevêm não em função da determinístíca de Deus, escolha prévia ou mesmo efeito absoluto de causa anterior. Simplesmente ocorrem porque somos dominados ou envolvidos por forças superiores e inelutáveis traduzidas na forma de circunstâncias, de contingências peculiares ao planeta que habitamos. Conforme adágio popular, quem sai na chuva é para se molhar. Se somos imperfeitos e não merecemos ter por morada um mundo mais evoluído e de melhores condições, vivendo-se aqui, é natural que estejamos expostos às implicações climáticas e às influências de indivíduos e da coletividade.

Como muitos deles são mais fortes do que nós, física, intelectual, econômica e socialmente, impõem-se junto aos outros, os mais fracos ou menos desenvolvidos e o livre-arbítrio deles torna-se uma fatalidade para estes, da qual às vezes não se consegue fugir. Como a maioria dos humanos é levada a agir em obediência a códigos morais distorcidos ou incompletos, somos mais vítimas do que beneficiários destas influências. Nada se perde, porém. Tudo é aprendizado e evolução.

Wilson Czerski

XI - TRATAMENTO DOS ESPÍRITOS

1 - DOUTRINAÇÃO:

Termo que aos poucos vai sendo deixado de lado em virtude da sua conotação proselitista e autoritária, sendo substituído geralmente por "esclarecimento". É o que ocorre nas sessões mediúnicas em que Espíritos perturbados e perturbadores são até ali conduzidos para receber orientação sobre a nova vida que têm diante de si e da qual muitas vezes sequer se dão conta, ou seja, não raro, nem sabem que morreram ou desencarnaram, como se diz mais corretamente. O atendimento, sempre em bases fraternas, mesmo aos mais agressivos, inclui transmissão de vibrações energéticas hauridas do ambiente ou diretamente através de passes. Quando o grupo possui condições, a atividade pode evoluir para a desobsessão.

De fato, o desejo de auxiliar verdadeiramente é uma das razões que fará com que a empreitada tenha êxito. Não a única, como veremos. Mas o que queremos salientar logo é a relação existente entre a prática espírita de esclarecimento e as de exorcismo como ocorre em igrejas evangélicas e, mais raramente, na católica. Em primeiro lugar, as sessões mediúnicas não atendem somente Espíritos de caráter, digamos, diabólico. Antes, é quase uma exceção. Normalmente os Espíritos que vêm espontaneamente a estes núcleos de trabalho, atraídos pela necessidade, como uma mariposa busca a luz ou conduzidos até eles por interferência de outros Espíritos, sempre mais elevados, não são de natureza tão má.

A maioria, repetimos, é constituída de Espíritos sofredores, seres que permanecem imantados à crosta terrestre, situação decorrente mais da ignorância a respeito das coisas da vida e da morte e do mundo espiritual do que por maldade. Aliado ao desconhecimento que os impede de desligar-se totalmente da matéria e dar sequência normal à vida, agora despidos do corpo físico, em geral apresentam carências energéticas pela falta de preparação para a transição e principalmente por não terem se armado de qualidades morais que lhes faculte mais segurança e equilíbrio.

Com o atendimento junto aos encarnados, são despertados para a nova realidade e têm seu campo energético recomposto com os fluidos hauridos do ambiente. Os Espíritos Superiores explicam que muitas vezes só o atendimento no plano espiritual bastaria e isso ocorre com frequência insuspeitável. Somente uma pequena minoria é socorrida por aqui mesmo. Isto por duas razões, uma do lado deles e outra dos encarnados. Às vezes, pelo grau excessivo de entorpecimento e de desequilíbrio (para alguns suicidas, por exemplo), há necessidade de que recebam o chamado choque anímico, isto é, que tenham seus perispíritos banhados por energias oriundas do mundo material, o fluido ou energia vital, só encontrada nos seres biologicamente vivos. Os Espíritos não a possuem com este teor vibratório.

A outra razão seria para que os encarnados tivessem a oportunidade de aprender, testemunhando "ao vivo" os embaraços causados pelo apego à vida material e por atos de indisciplina moral e com o fito de exercício da caridade para com eles. Numa situação em que os Espíritos recebidos possuam maior grau de agressividade e objetivos de perseguição e vingança, o contato com os encarnados aproxima-os também de explicações que, se não justificam, pelo menos atenuam os erros cometidos no passado contra eles por aqueles hoje transformados em vítimas. Assim, o encarnado de hoje, enredado nas teias da obsessão por ter causado grave conflito familiar àquele que hoje almeja a vingança, poderá ser beneficiado por este trabalho porque o esclarecimento mostrara ao Espírito que, seguindo as recomendações do Cristo, devemos nos perdoar mutuamente porque somos todos falíveis e também porque, talvez, antes de tal episódio, em outra vida, ambos já tivessem cruzado os caminhos e, afinal, ninguém sabe ao certo quem começou a briga.

Denominaríamos estas reuniões mediúnicas como de atendimento espiritual, as quais diferenciam-se das chamadas de desobsessão. Aqui, sim, deparamo-nos com Espíritos empedernidos no mal, cruéis, vingativos, de baixo quilate moral, porém, muitas vezes, de inteligência muito desenvolvida. Fácil de compreender. Se os Espíritos nada mais são do que homens que morreram e estes os há com todo tipo de formação, não perdendo suas características só porque não possuem mais o corpo físico, natural que manifestem os mesmos sentimentos que os animavam quando em vida. E capacidade intelectual também.

Por razões diversas e não só de vingança, pois nesta classe encontramos os pertencentes às falanges trevosas adversárias do progresso moral humano, é que se encontrará maior dificuldade para alcançar êxito. Exige-se elevado grau de preparação do grupo, com policiamento austero da conduta diária, conhecimento doutrinário, desejo de servir e muita responsabilidade. É aí que constatamos aquela diferença citada no início. Por mais rebelde e maldoso que seja o Espírito, entendemos ser ele um irmão nosso, merecedor de respeito, carinho e orientação. Um dia também ele deixará as trilhas do mal e, regenerando-se, buscará o caminho do Bem, com a destinação de felicidade que todas as criaturas de Deus têm.

Assim, não pode ser simplesmente enxotado, enviado de volta - caso se pudesse fazê-lo, como pensam alguns - para o inferno ou, diríamos nós, umbral. No máximo será afastado temporariamente para retornar com esforços redobrados mais além. Aos Espíritos de nada valem expressões verbais contundentes. Não é através de fórmulas cabalísticas que se os demove dos objetivos infelizes. O que conta é a ascendência moral. Por isso que os rituais de exorcismo as mais das vezes fracassam. Se aparenta bons resultados estamos ou diante de uma simulação para impressionar o público ou, casos muito excepcionais, de efeitos sobre Espíritos maldosos mas ignorantes, condicionados àquelas fórmulas, sinais, etc.

Para finalizar, falemos um pouco sobre as evocações. Durante a época dos trabalhos de codificação da Doutrina Espírita, com início das pesquisas por Allan Kardec, mais ou menos em 1855, até seu desencarne, em 1869, e presidindo a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas em parte deste período, ele procedia evocações de modo corriqueiro. Ali, além das reuniões administrativas e de estudos entre os sócios, havia outras reservadas ao intercâmbio com o plano espiritual. Este dava-se não só pelas comunicações espontâneas, mas também por evocações diretas de certos Espíritos, cuja identidade era conhecida e que, por alguma razão, continha interesse especial. Instruíam-se com as informações dos desencarnados e auxiliava-se os mesmos, esclarecendo, consolando e orando por eles. Não se chamava nenhum Espírito pela mera satisfação de curiosidade, mas realmente para estudo.

Muito do que consta nas chamadas Obras Básicas, foi obtido desta maneira. Eram os próprios Espíritos testemunhando as mais diversas situações em que se encontravam ou eram capazes de descrever, dependendo do seu grau de lucidez. Atualmente não há mais essa necessidade, exceto em bem poucos casos. Embora não se saiba tudo, pouco há que explorar utilizando este método. Até porque o que hoje chega de informação espiritual via mediúnica origina-se de Espíritos mais elevados. Não há mais necessidade de se recorrer a um Espírito que cometeu suicídio, evocando-o só para nos dizer como está. Nós já conhecemos bem as consequências de tal ato. Quando desejam fazê-lo para ratificar, ampliar ou apenas contar a sua história pessoal, fazem-no espontaneamente por mensagens ou livros, em geral romances.

Entretanto, nas reuniões de desobsessão, por se tratar com Espíritos de índole eivada de paixões e sentimentos inferiores, estando envolvido um encarnado ou assediada uma família que se deseja auxiliar, é justo fazer evocações. É uma maneira mais incisiva de intimar o Espírito a prestar informações e submeter-se ao diálogo que, em última instância, visa não só o afastamento da perturbação aos "vivos", mas a ele próprio, libertando-o de idéias e projetos que estão a comprometer o seu bem-estar, a sua evolução.

Não se evoca pelo nome porque se o ignora, mas simplesmente mencionando, fazendo referências às entidades que estão envolvidas no caso específico de obsessão. De qualquer forma, é bom lembrar que há pré-requisitos para que um Espírito compareça a uma reunião mediúnica: precisa ter permissão superior para isso, desejar comunicar-se e possuir-se um médium com afinidade fluídica suficiente para haver o intercâmbio.

Muitas vezes, no caso das evocações com finalidade de desobsessão, o livre-arbítrio do obsessor é restringido ou anulado momentaneamente por determinação e interferência de Espíritos superiores e ele é constrangido a comparecer mesmo contra a sua vontade. Aí temos o interesse maior, coletivo, colocado acima do individual.

2 - OBSESSÃO

Simplificada e mais comumente, trata-se da influência persistente de um mau Espírito sobre uma pessoa. Mas pode haver também entre dois desencarnados, entre dois encarnados e de um encarnado para desencarnado. Há três tipos quanto ao grau de influência: simples (os chamados popularmente de encostos); fascinação com prejuízo da capacidade de julgamento, etc. e subjugação, a mais grave, com comprometimentos físicos e mentais. Há um quarto estágio, às vezes considerado à parte, por ter sido mencionado por Allan Kardec em várias de suas obras, porém, às vezes em aparente desacordo quanto à definição do termo. Referimo-nos às possessões nas quais o Espírito assumiria, por assim dizer, o controle mental e físico do corpo da vítima.

Em O Livro dos Médiuns (item 241) e O Livro dos Espíritos (questões 473 e 474), o Codificador mostra-se contrário ao uso do vocábulo, mas em A Gênese ( cap. XIV, item 45) e depois em Obras Póstumas, ele admite a existência das possessões. Já nas várias edições da Revista Espírita, ora ele assume a postura pela negativa (out./l 858, abr./l 862), ora pela afirmativa (jun./l 867). Hermínio de Miranda narra alguns casos impressionantes. Percentual elevado de pessoas internadas em hospitais como loucos, na verdade são vítimas de obsessores que poderiam receber tratamento mais eficiente e fora de lá. As causas principais são as vinganças motivadas por fatos de vidas passadas e até mesmo desta, ódios e inveja, ciúme passional, excesso de afeto (mãe para filho, por exemplo).

Como se percebe, o conceito espírita de obsessão tem pouco a ver com o sentido vulgar do termo ou seu emprego pela medicina psiquiátrica. É bem verdade que em alguns casos, notadamente no tipo mais severo, a subjugação, o indivíduo perturbado por Espíritos inferiores sofre compulsões a determinados atos. A pessoa tem sua vontade enfraquecida e mesmo anulada, o que a coloca à mercê da entidade espiritual que lhe impinge ordens, às vezes, grotescas ou ridículas. Os sintomas poderão ir de simples atitudes rotuladas de excêntricas ou irritações e agressividades sistemáticas, até assumir posturas tragicômicas como a imitação integral de animais e outras tantas, sem mencionarmos as tentativas, por vezes, consumadas de suicídio.

Dominadores, perversos e, não raro, inteligentes, manipulam a mente da vítima, tornando-a um joguete em suas mãos, satisfazendo-se com os transtornos causados na vida pessoal, familiar, profissional, etc. Assim, as idéias inoculadas sutilmente no início, acabam por fixar-se, criando perigosos monoideísmos de onde, sozinha, dificilmente a pessoa logrará êxito em escapar. Teremos, então, comportamentos excepcionais ao caráter, temperamento e formação moral do indivíduo ou exacerbados outros que eram mantidos mais ou menos sob controle, como a raiva, o ciúme, a avareza, certos vícios, tendências à depressão, etc. A pessoa, encurralada pela força mais poderosa que a assedia, impondo-lhe constrangimentos mentais, morais e físicos, submete-se, mesmo reconhecendo que o processo não é natural. Semi-hipnotizada, admira-se de apanhar em si pensamentos que não são seus, palavras que não tinha intenção de pronunciar, atos que sequer imaginava fosse capaz de praticar. Sabe que algo está errado, mas ignora a causa.

A não ser que disponha da informação espírita, até porque só o fato de conhecer-lhe os princípios, aceitá-los como verdadeiros ou mesmo ser um trabalhador, como se diz, numa Casa Espírita, não garante imunidade às obsessões, especialmente se envolvido com as tarefas mediúnicas, por possuir os canais de comunicação com o plano espiritual mais livres. A depender do grau de controle, a vítima só se libertará se contar com tratamento específico e apoio familiar. Muitas das ocorrências passam despercebidas, primeiro, porque ignora-se a verdadeira causa, atribuindo-a, como vimos, a desequilíbrios emocionais, afecções do sistema nervoso, oscilações do humor, desvios de caráter e comportamento, quando podem ocorrer até crimes, de temperamento ou ainda creditadas a enfermidades mentais leves como neuroses, depressão, fobias, etc.; em segundo lugar porque a maioria das manifestações, felizmente, e do tipo simples com influenciação menos comprometedora na vida do indivíduo.

Ainda que enfrente problemas de ordem moral, mas se tiver firmemente determinada na erradicação dos mesmos, cercando-se de cuidados como a prece e a vigilância, recomendadas por Jesus e perseverando na luta pelo seu melhoramento e na prática do Bem, dificilmente a pessoa será atingida de modo mais significativo. Poderá ser testada pelos verdugos que experimentam para ver até onde irão as resistências e firmeza de propósitos, mas não sucumbirá em suas garras.

Por falar em teste, interessante acrescentar que a obsessão tem várias motivações. Uma delas, imposta como provação por aqueles que, trilhando longo tempo pelos descaminhos do Bem, um dia despertam para a necessidade de mudança e, então, passam a ser perseguidos pelos antigos comparsas que não se conformam em perder-lhes o concurso infeliz para disseminar discórdias nos lares, desgraças pessoais, perturbações diversas nos grupos sociais. Em verdade, neste caso, o encarnado já era um obsidiado, servindo aos interesses trevosos. Insubordinando-se com a situação, tentam proclamar sua alforria e passam a ser alvo de ataques de natureza pessoal. Antes era um instrumento, um escravo; agora, um traidor inimigo.

Outras obsessões, em grande número, partem de inimigos desencarnados que anelam por vingança. Fica aqui bem caracterizada a situação da imperfeição moral. Tendo cometido algum mal, em algum ponto de sua trajetória evolutiva, ao menos na interpretação do outro, este arvora-se no direito de executar a justiça com as próprias mãos. Há ainda outros casos em que o Espírito escolhe a pessoa aleatoriamente, isto é, sem ter com ela qualquer vínculo anterior, porém aproveitando-se de uma circunstância atual qual seja a do encarnado invigilante em sua conduta diária. Explora-lhe as fraquezas e os vícios ou pelo prazer de praticar o mal ou por necessidade de satisfazer através dela as próprias viciações das quais ainda não conseguiu se libertar.

Exemplo: um Espírito que quando encarnado cometia desregramentos sexuais, uma vez no outro plano da vida e, naturalmente, não mais dispondo de um corpo físico que possa lhe proporcionar os mesmos gozos de antes, simplesmente encosta-se num encarnado que pratique aqueles mesmos desregramentos para usufruir dos prazeres ora vedados. Assim também com os alcoólatras, os tabagistas, etc. Em matéria de uso da energia do pensamento e estado mental, é válido adaptarmos o aforisma de Cristo convertendo-o para: Diga-me em que pensas e dir-te-ei com quem andas, isto é, além de sermos aquilo que pensamos, atraímos pelo pensamento e pelos atos as companhias espirituais que nos sejam afins.

Uma nomenclatura especial merece ser aqui destacada. São os casos de vampirismo, entendido como o processo em que, literalmente, o ser desencarnado, justapõe-se e mesmo entra em simbiose com a vítima encarnada para sugar-lhe as energias vitais. Também denominado de parasitismo psíquico, configura um dos mais lamentáveis quadros que se pode apresentar ao olhar espiritual ou de médiuns videntes. Temos aí o assédio bestial de um Espírito desequilibrado sobre um indivíduo que proporcionou condições de receptividade ao algoz, seja devido a ligações intensas do passado de amor e mais comumente de ódio ou por afinidade de caráter, como vimos acima.

A presença intrusa afetará não só a esfera mental, perturbando o pensamento, a memória, os sentidos e a área dos sentimentos, mas
principalmente atacando diretamente as resistências físicas a partir do sistema nervoso. Minando aqui e ali, poderá provocar debilitamento geral, cansaço, depressão, perda de apetite, insônia e enfermidades somáticas mais graves, como cirrose, tumores, escabiose, úlcera, arritmias cardíacas, disfunções sexuais e muitas outras. Espírito André Luiz narra caso em que a vítima estava sendo vampirizada por cerca de 60 Espíritos malignos, simultaneamente.

A consequência é que o tratamento médico dificilmente deixará de fracassar. Em muitos casos, quando o processo é inicial ou menos grave, porque o médico simplesmente não conseguirá detectar a origem do desconforto físico. Inutilmente tentará resolver o problema com exames diversos e medicamentação em sucessivas tentativas de erros e acertos. Nos casos mais complexos, determinará o diagnóstico, pois o mal já se instalou no organismo, mas não saberá como eliminá-lo. A doença resistirá aos tratamentos ou mudará de sintomas, de local, de nome. E a pessoa ficará talvex anos arrastando-se aos consultórios e talvez internamentos hospitalares e todo esforço para erradicar o mal não passará de uma cura temporária que retorna sempre, porque a causa espiritual sendo ignorada, não foi removida.

Mas há obsessões de encarnados para desencarnados. Alguém que não se conforma com a morte de um ente querido, que alimenta mórbidas e constantes lembranças, atrai o desencarnado, atando-o a si e ao ambiente em que viveu, impedindo-o de seguir o novo curso. É prova de ignorância e egoísmo. Aquele que parte tem o direito de exercer sua liberdade, após tanto tempo preso ao corpo material que, apesar de necessário aos imperativos evolutivos, constituía-se em prisão, acrescido pelos próprios compromissos que a vida na Terra impõe. Não é justo retardá-lo. Portanto, nada de desespero ou revolta. Manifestando sentimentos de equilíbrio, não só faremos bem ao ser que amamos, mas demonstraremos nosso respeito diante da vontade do Pai que fez retornar à outra dimensão um de seus filhos, por julgar que era o momento correto, ainda que, eventualmente, de forma aparentemente não natural ou precocemente. Se o amamos de verdade, devemos orar por ele, desejar-lhe o Bem e guardar as boas lembranças do período de convívio, na certeza de que não o perdemos de modo algum. Separados temporariamente pelas leis da vida, voltaremos a reencontrá-lo um dia se o merecermos.

Também pode haver obsessão entre duas pessoas encarnadas, seja por ódio, seja por amor. No primeiro caso, tanto um vibra negativamente em relação ao outro que este acaba ressentindo-se, inclusive, organicamente. Invejas, desprezo, rancor, cupidez são nuanças deste tipo de bombardeio magnético pessoal. Com frequência as cargas energéticas circulam em mão-dupla, isto é, o sentimento antagônico é recíproco e ambos serão enredados nesta malha infeliz. Quando alguém exerce um poder de controle muito intenso sobre outrem, mesmo que justificado pelo amor, também deparamos com a obsessão. Isso ocorre, amiúde, da mãe para com os filhos, entre os cônjuges, entre amigos e até do patrão em relação ao subordinado. O sentimento de posse levado ao extremo, a paixão destrambelhada, o ciúme doentio, a insegurança e medo da solidão, o excesso de zelo são causas que às vezes se somam para desembocar em perniciosos processos de tirania moral responsáveis por muitas tragédias pessoais e familiares.

Finalmente, temos a obsessão entre Espíritos desencarnados. Motivados por ódio e vingança, ao reencontrarem-se na dimensão espiritual, após diferenças inconciliáveis e turbulentas quando na Terra, ou por abuso de poder. Neste último caso, um indivíduo marcado pela culpa decorrente de débitos contraídos e, portanto, fragilizado moralmente, é recrutado, sob chantagem ou convencimento, através de argumentos dele próprio poder atingir objetivos deploráveis, a associar-se a instituições espirituais que cuidam de disseminar perturbação lá mesmo onde se encontram ou na crosta terrestre, entre os encarnados. Alguns forçam-se ao papel de autênticos escravos, condição a que são sujeitos por séculos até que consigam libertar-se por interferência de tarefeiros envolvidos com este tipo de socorro, quer seja só no próprio plano em que se passa o drama, quer pelo trabalho de equipes de encarnados pelas atividades de desobsessão.

De todo o visto, fica claro que a Psiquiatria tem muito a ganhar, caso considere, como já timidamente vem ocorrendo, a possibilidade de interferências de personalidades exógenas na dinâmica mental de seus pacientes. Não que deixem de existir casos de patologias oriundas do sistema nervoso, mais tipicamente do cérebro humano, como nas malformações ou lesões provenientes de traumas físicos ou de acidentes vasculares, uso continuado de drogas, inclusive de medicamentos que proporcionam irreversíveis danos colaterais.

Também não deixamos de reconhecer, muito pelo contrário, o papel importantíssimo do psiquismo inconsciente do indivíduo na gênese de variada classe de distúrbios de comportamento, consequência imediata de alterações na química cerebral. Afinal, trazemos em nossa intimidade profunda a vasta bagagem de experiências felizes ou traumáticas vivenciadas ao longo do rosário reencarnatório e que afloram e se imiscuem ao campo do consciente no cotidiano. De outras vezes, em virtude de convulsões emocionais, podem emergir blocos inteiros de lembranças passadas com força dinâmica suficiente para causar grandes abalos na personalidade atual, confundindo, desequilibrando. É o que poderíamos denominar de auto-obsessão. É verdade ainda que alguns sintonias, hoje classificados como pertinentes ao Transtorno Obsessivo Compulsivo, constituem processos anímicos que, aliás, ajudam a mascarar muitas vezes outras causas conjugadas.

Mas é inegável que grande número de ocorrências de anomalias físicas e mentais, não se explicam somente com estas possibilidades reducionistas. Os Espíritos estão por toda a parte e testemunham nossos atos, palavras, emoções e os pensamentos mais recônditos e estabelecem afinidades com aqueles que lhes são similares em caráter e objetivos. Se os homens de Bem podem ser secundados em seu labor por Espíritos nobres, a recíproca é verdadeira e os de conduta reprovável contam com comparsas espirituais para a realização de seus deslizes. Não só aqueles, bons ou maus, nos ajudam, mas os encarnados servem aos propósitos elevados ou indignos daqueles. O intercâmbio é incessante e a associação pela atração dos semelhantes é lei que se cumpre na vida social de modo inevitável. Cabe a nós elegermos aqueles que desejamos ter por companhia e conselheiros.

3 - DESOBSESSÃO

A desobsessão é realizada em reuniões especiais realizadas por Casas Espíritas com o objetivo de resolver, se possível, ou menos amenizar os efeitos do processo obsessivo. Nelas, o Espírito perturbador é encaminhado até ali pelos mentores para manifestar-se através de um dos médiuns, ser esclarecido sobre sua situação de erro e receber o convite ao abandono do projeto que prejudica a vítima, mas também a si próprio pela estagnação espiritual que causa e mesmo o agravamento perante as leis divina Ele não é visto necessariamente como o algoz porque no entrelaçamento das existências e relações, quem ofendeu, agrediu o matou primeiro pode ter sido aquele que hoje está encarnado e não o outro. O Espírito é tratado com respeito e amor como um irmão merece. Paralelamente, o encarnado e sua família recebem orientação para mudança de atitudes, buscando o equilíbrio emocional, físico e psíquico através da oração, da água energizada, da leitura edificante, do estudo doutrinário, da prática do evangelho no lar e principalmente melhoria da conduta moral no dia-a-dia.

Infelizmente, se projetarmos o número de necessidades de tal caridade, veremos que o número de atendimentos é absolutamente insuficiente. Isto ainda que se leve em conta somente os Espíritos desencarnados ligados à nacionalidade brasileira. Por que isso Porque o Brasil é o maior país espírita do mundo e, a exceção de uns poucos, como Portugal e Argentina, onde se pressupõe existir um trabalho desta natureza, realizado mais ou menos nos molde do daqui, ou o movimento espírita é muito tímido e incipiente restringindo-se ao estudo e palestras ou simplesmente inexiste, que é o caso da imensa maioria.

Queremos dizer com isso que não fosse a orientação vertida pelos Espíritos Superiores diretamente no plano espiritual e poderíamos presenciar um estado muito mais lastimável de perturbações psíquicas aqui na Terra. Analisemos. Sem contar os que já estão do "lado de lá" da vida, quantos passam diariamente, no Brasil, ignorantes por completo das necessidades e valores espirituais e, mais que isso, cheios de motivações em desacordo com as leis de Deus? Quantas vítimas de crimes que após o despertar da transição da morte física, arvoram-se em justiceiros e passam a maquinar projetos terríveis de perseguição e vingança?

Quantos outros destes que cometeram os crimes e, embrutecidos moralmente, regressando à dimensão espiritual, prosseguem dando vazão aos seus instintos cruéis, engendrando mais ódios, exaltando as deformações de caráter e insuflando atitudes condenáveis dos encarnados? Quantos mais que, apesar de não se envolverem com atos físicos violentos, alimentam a vida inteira sentimentos destruidores contra familiares, vizinhos, colegas de trabalho e outros tantos, em profunda e lamentável viciação mental e que, chegados além da fronteira da morte, prosseguem alvejando os que aqui ficaram com seus petardos mentais, provocando desequilíbrios, fomentando discórdias, sugestionando, induzindo, cercando suas vítimas, impondo-lhes enfermidades, arremessando-os nos precipícios da infelicidade e do suicídio?

A desobsessão é trabalho de amor e compreensão, esclarecimento e iluminamento. E só pode ser realizado por quem apresentar qualificações específicas, como já explicitamos nos textos complementares, em que desponta como primordial as condições morais de cada integrante do grupo. Mesmo assim não é tarefa fácil. Apenas como ilustração, fornecemos aqui uma listagem de tipificações psicológicas e/ou morais dos Espíritos segundo a) a escala espírita de Allan Kardec (cap. I, do Livro Segundo, de O Livro dos Espíritos) e b) de Hermínio C. de Miranda. Sem entrarmos nos detalhes caracterizantes de cada classe ou no perfil intelecto-moral dos tipos, fácil verificar que ao tratarmos com o mundo espiritual, devemos levar em consideração as diversidades individuais de sua população, tal qual as apresentadas pelos que se encontram encarnados. Até porque, vale repetir. Espíritos obsessores não são demônios, mas as almas de homens que viveram e voltarão a viver sobre a Terra ou outros mundos para cumprirem seu ciclo de aperfeiçoamento.

Até que atinjamos a maturidade moral cometeremos erros como homens e certamente prosseguiremos nos mesmos equívocos no mundo espiritual, porque não mudamos repentinamente. Mantemos as mesmas posturas, alimentamos as mesmas idéias, sentimentos e objetivos de quando estávamos no corpo carnal. O fato de tê-lo deixado não altera nada o nosso caráter. E se não houver a interferência de seres voltados à prática do Bem, lá mesmo ou aqui, que nos mostre o engano, seguiremos caminho semeando erros e contraindo dívidas pelas quais teremos que prestar contas, conforme a lei de justiça de Deus. Até que descubramos por nós mesmos o equívoco infeliz, poderão decorrer séculos e muitas reencarnações. Vejamos, então, para encerrar, o que nos ensinam as fontes supracitadas.

A) O Livro dos Espíritos, Allan Kardec - Escala Espírita:
10ª classe-Espíritos impuros: (... inclinados ao mal... pérfidos... apegam-se às pessoas de caráter bastante fraco... quando encarnados, inclinam-se a todos os vícios... fazem o mal pelo mal... constituem flagelos da humanidade);
9a classe - Espíritos levianos: (... ignorantes, malignos... zombeteiros... Gostam de fazer intrigas, induzir ao erro... vulgarmente designados duendes, diabretes, gnomos, trasgos... mais malícia do que por maldade);
8a classe - Espíritos pseudo-sábios (... julgam saber mais do que realmente sabem... linguagem mistura... algumas verdades com os erros mais absurdos... orgulho, inveja e a teimosia...);

7ª classe - Espíritos neutros: (nem são bastantes bons..nem bastantes maus... apegam-se às coisas deste mundo, saudosos de suas grosseiras alegrias);
6ª classe - Espíritos batedores e perturbadores: (... podem pertencer a todas as classes anteriores... manifestam por golpes, movimento e deslocamento anormal de corpos sólidos...);
As classes de 5ª a 1ª referem-se aos Espíritos bons e puros e não nos interessam diretamente aqui.

B) Diálogo com as Sombras, Hermínio C. de Miranda - tipos de obsessores conforme a função dentro dos grupos formados para disseminar a perturbação na Terra:
1 - líder - arrogante, frio, calculista, inteligente, violento;
2 - planejador - calculista, calmo, inteligente;
3 - juristas - frios e autoritários;
4 - religiosos - há dois tipos: ambiciosos e fanáticos.

Wilson Czerski

XII - SEXUALIDADE, POLÊMICAS CIENTÍFICAS , ÉTICAS, MORAIS

No Espiritismo o problema do amor implica a relação direta do homem com Deus. Criador e criatura se religam no desenvolvimento humano da lei de adoração. Quanto mais o homem desenvolve as suas potencialidades existenciais, o seu potencial ôntico, mais ele se aproxima de Deus, mais o sente e mais o compreende. Nunca houve nem poderia haver um rompimento total e definitivo entre Criador e criatura. No próprio dogma da queda a expulsão do homem da face de Deus é apenas temporária. Por isso o Espirismo é Religião, mas não é Igreja.

A diferença entre Igreja e Religião é a mesma que existe entre alma e corpo. O homem perde o corpo na morte, mas não perde a alma. A Religião anunciada por Jesus não possui corpo, é alma pura, que sobrevive por si mesma. No diálogo com a Mulher Samaritana Jesus desprezou o Templo de Jerusalém e o Templo do Monte Gerasin, referindo-se apenas à Religião Livre do Futuro. Porque a relação religiosa é puramente espiritual. A Religião não depende de formalismos, sacramentos, instituições e órgãos. É subjetiva e se define como o Amor a Deus.

Essa relação direta exclui naturalmente todas as formas de discriminação, pois seu objetivo é a unidade. Quando uma criatura se liga a Deus, liga-se ao mesmo tempo a todas as criaturas e a todo o Universo, integra-se na realidade absoluta. Tudo o mais são coisas humanas, pertence à diáspora, ou seja, ao tempo do exílio, em que o homem se afastou de Deus. Esta simplificação da Religião só ocorre na máxima complexidade, que é o mergulho do homem em sua essência, proveniente de Deus e que é o próprio Deus em nós. Exemplifiquemos humanamente esta questão.

Conta-se que um sábio indiano mandou três filhos estudar na Inglaterra. Quando voltaram diplomados perguntou ao primeiro: "O que é Deus"? O rapaz fez uma longa e confusa digressão a respeito. O segundo vacilou em sua explicação e disse que precisava estudar mais o assunto. O terceiro calou-se e seus olhos se encheram de estranha névoa luminosa. O pai disse aos três; por ordem das perguntas: Você, meu filho, procurou Deus nas teologias e não conseguiu achá-lo; você, meu segundo filho, está tateando no escuro como um cego; e você, meu filho, que não me respondeu, encontrou Deus e nele mergulhou de tal maneira que não pode traduzi-lo em palavras. Você não perdeu tempo com as coisas exteriores e por isso foi o único que realmente aprendeu o que é Deus".

A contradição máxima complexidade e máxima simplicidade não é contradição, mas fusão. A complexidade infinita das coisas e dos seres no Universo aturde o homem que busca Deus, mas ao encontrá-lo o homem percebe de pronto que toda a complexidade se funde na Existência Única de Deus. É como o marinheiro que navegou por muitos mares, surpreso com as variedades e as diferenciações formais de todos eles, mas ao terminar a sua navegação constata que todos os mares não são mais do que o Grande Mar. A religião em Espírito e Verdade é esse Mar Total em que todos mares e todas as águas se reúnem numa coisa só.

Todas as religiões nasceram da mediunidade, que é o fundamento de todas as religiões, que por sua vez se fundem na Religião em essência que é a Religião do Espírito ou o Espiritismo. Nela não se precisa de coisas específicas, pois todas as coisas se fundem numa só — o Amor a Deus. Um jovem e uma jovem se amam e o amor que os atrai é o Amor de Deus nas criaturas. A bênção do amor já os ligou e eles não necessitam de palavras, ritos ou sacramentos para se unirem, pois unidos já estão. Se não houver amor entre eles, não estão unidos e de nada valera a união formal por meios sacramentais. É por isso que no Espiritismo não há sacramentos nem formalismo algum, pois tudo depende, em todas as circunstâncias, da essência única — e única verdadeira — que é o Amor.



 

 

XIII - O PROBLEMA DA VIOLÊNCIA

Chamamos Civilização do Espírito aquela em que os poderes espirituais regerão a vida social. Para isso é necessário que a sociedade seja constituída por seres morais, criaturas formadas nos princípios da moral-consciencial. Essa moral corresponde ao que Hubert considera as exigências da consciência. Não se trata, pois, de um conceito de moral metafísica, de uma formulação utópica de sonhadores. Mesmo que o fosse, a definição da utopia por Karl Mannheim nos socorreria quanto à sua validade.

Se as utopias são, como quer Mannheim, percepções antecipadas de realidades futuras — possibilidade provada pelas pesquisas para-psicológicas — nem assim estaríamos tratando de hipóteses vazias. Mas quando aludimos à consciência estamos pisando na terra e não olhando para o céu. A consciência é um dado positivo, uma realidade antropológica e social que ninguém se atreveria a contestar. Ela rege a nossa vida, o nosso comportamento nas relações humanas e por isso se projeta de maneira inegável no plano do sensível.

Sabemos que a consciência varia de graus no tocante à sua estrutura e à sua coerência. E sabemos também quais os perigos concretos de uma consciência imatura, ainda não suficientemente definida, e portanto frouxa ou incoerente, contraditória, que pode produzir catástrofes no âmbito da sua influência ou do seu domínio. As variações da moral entre os grupos humanos e as próprias civilizações decorrem mais da posição da consciência dominante na sociedade do que dos fatores mesológicos e suas consequências econômicas. No plano religioso a consciência é um fator determinante da realidade religiosa.

A consciência judaica de Saulo de Tarso fez dele um perseguidor sanguinário dos cristãos primitivos, o lapidador cruel de Estêvão. Mas, ao ajustar a sua consciência aos princípios cristãos, ele se transformou no Apóstolo dos Gentios e no maior propagador do Cristianismo. As exigências da consciência são sempre as mesmas em todos os homens. As variações de graus e de coerência decorrem do processo de maturação e das condições de meio e educação.

A consciência amadurece na proporção em que as experiências vão revelando ao espírito o seu anseio latente de transcendência. A vontade de potência, de Nietzshe, é o primeiro impulso que leva o homem, ainda na selva, a querer sobrepujar os outros, elevar-se acima das condições gerais do meio. Esse impulso se prolongará no processo evolutivo. O homem se envaidece com a sua capacidade de subjugar os outros, de mandar, de impor medo, respeito, submissão aos demais. Sua consciência se abre no plano individual, fechada nos limites de si mesma.

É o reconhecimento do seu poder que naturalmente o embriaga e o levará a excessos perigosos. Mas na proporção em que os liames do clã se desenvolvem, o parentesco, a simpatia e as afinidades se revelam, a embriaguez do poder vai sendo atenuada, contida pela percepção dos limites inevitáveis. Depois, o esgotamento progressivo das forças físicas e o perigo das doenças, das competições com iguais ou mais fortes, e por fim a certeza da morte irão abatendo a sua arrogância.

Nas reencarnações sucessivas essas experiências se renovam, mas o impulso de transcendência se acentua, levando-o, a procurar outros meios de superação: o poder social, a hipocrisia, a estratégia das posses materiais e das posições de mando. Só lentamente, ao longo do tempo, sujeito às reações que o enredam em situações difíceis, muitas vezes torturantes, sua consciência começa a abrir-se para o respeito aos direitos dos outros. A interação social, na recíproca das obrigações e das necessidades, na transformação dos instintos em sentimentos, irá pouco a pouco despertando-o para novas dimensões conscienciais.

A violência do homem civilizado tem as suas raízes profundas e vigorosas na selva. O homo brutalis tem as suas leis: subjugar, humilhar, torturar, matar. O seu valor está sempre acima do valor dos outros. A sua crença é a única válida. O seu modo de ver o mundo e os homens é o único certo. O seu deus é o único verdadeiro. Só o que é bom para ele é bom para a comunidade. Os que se opõem aos seus desígnios devem ser eliminados pelo bem de todos.

A violência é o seu método de ação, justificado pelo seu valor pessoal, pela sua capacidade única de julgar. Tece ele mesmo a trama de fogo do seu futuro nas encarnações dolorosas que terá de enfrentar. As religiões da violência fizeram de Deus uma divindade implacável e os livros básicos de suas revelações estão cheios de homicídios e genocídios em nome de Deus.

Não obstante, misturam-se às ordenações violentas estranhos preceitos de amor e bondade. São as lições de consciências desenvolvidas lutando para despertar as que, endurecidas no apego a si mesmas, asfixiam os germes do altruísmo nas garras do egoísmo. E um espetáculo dantesco o de uma alma vigorosa dotada de intelecto capaz de entender as suas próprias contradições, mas empenhada em negar a sua condição humana, rebaixando-se aos brutos ao invés de buscar a elevação moral a que se destina.

Nos momentos de transição, como este que estamos vivendo, a violência desencadeada exige a oposição vigorosa e sacrificial dos que já atingiram o desenvolvimento consciencial da civilização. A cumplicidade com as práticas de violência, por parte de consciências esclarecidas, retarda a evolução coletiva e rebaixa o cúmplice a posições indignas. O mesmo acontece no tocante à aceitação de princípios errôneos por conveniência. O espírito se coloca então em luta consigo mesmo, negando o seu próprio desenvolvimento consciencial e ateando em si mesmo a fogueira dos re­morsos futuros.

A Civilização do Espírito se torna, assim, o resultado de um parto doloroso. Mas, como todos os partos, tem de ser feito. E se acaso for possível o aborto, a civilização se fechará sobre si mesma e todos os responsáveis mergulharão com ela nas trevas da miséria moral. As fases de transição, na evolução dos mundos, são também fases de julgamento individual das criaturas que os habitam. Daí o mito do Juízo Final, em que todos serão julgados. Mas não haverá um Tribunal Divino nas nuvens, porque esse tribunal está naturalmente instalado na consciência de cada indivíduo. A presença do julgador é onímoda e fatal, porque cada qual será juiz implacável e inevitável de si-mesmo.

A agonia das religiões é a agonia de um mundo. Por isso a Terra inteira participa dessa mesma agonia. A queda dos deuses mitológicos do mundo clássico foi também a queda dos grandes impérios. Em vão César procurou desligar-se de Júpiter e aceitar o Deus Único. A conversão do Império foi a sua própria morte. A Idade Média procurou restabelecer o reino da violência em nome de Jesus. Durou um milênio, pois a integração dos bárbaros na ordem cristã exigia uma reelaboração demorada e um reajuste penoso das contradições culturais.

O Renascimento marcou o advento do que parecia ser, na verdade, uma civilização cristã. Mas os resíduos da violência continuaram a fermentar nas novas estruturas sócio-cuJturais. A prova histórica de que a carga de violência era enorme está hoje aos nossos olhos, na explosão de violências em todos os níveis do mundo contemporâneo. Nossa esperança é a de que essa explosão seja a catarse final. O homo brutalis vai desaparecer. Mas para isso é necessário o despertar de novas dimensões na consciência atual. Não será sustentando e justificando as estruturas religiosas envelhecidas, submissas às ordenações do passado bíblico, que facilitaremos o advento da nova era.

Muito menos pela negação da própria essência, do homem, através de ideologias materialistas. A busca da intimidade pessoal com Deus, em termos fantasiosos, ou a negação de Deus em nome de uma razão ilógica são formas contraditórias de asfixia da consciência. A rejeição do Evangelho ou a manutenção de sua interpretação sectária equivalem igualmente à negação dos valores espirituais do homem. A estrutura moral da consciência está delineada de maneira indelével nas páginas do ensino moral de Jesus. Temos de aprofundar o seu estudo e procurar aplicá-lo em nossa vivência social.

A civilização Cristã vai sair agora do tubo de ensaio, concretizar-se na forma real de uma Civilização do Espírito, em que os princípios espirituais se encarnarão nas normas de conduta, nas formas de comportamento do Novo Homem. O problema das relações humanas, colocado em forma de etiqueta nas velhas civilizações nobiliárquicas do Oriente e do Ocidente, formalizado ao extremo nos tempos feudais, e convertido em protocolo de conveniências no mundo moderno e contemporâneo, terá de voltar ao ponto de partida dos ensinos e dos exemplos de Jesus.

A regra áurea do amor prevalecerá num mundo regido pela moral consciência!. Porque a primeira exigência da consciência humana é a do amor ao próximo, desprezada e amesquinhada nas sociedades mercenárias a ponto de levar-nos ao seu contrário — o ódio, essa cegueira do espírito, que gera e sustenta a violência no mundo. O pragmatismo das sociedades contemporâneas coisificou o homem, o que vale dizer que o nadificou no plano moral. Pior do que a nadificação pela morte, da teoria de Sartre, é essa nadificação em vida que reduz a criatura humana a objeto de uso.

O homem retorna a condição dos instrumentos vocais de Cícero, um instrumento que fala. Pode ser incluído entre os úteis ou a manuais de Heidegger, objetos manusiáveis. O public-relations de hoje é o fâmulo medieval aprimorado pela técnica, domesticado para sorrir e curvar-se em todas as ocasiões, pois o que importa é sempre o lucro, o que vale é a relação social em termos de vantagens, sempre que possível, pecuniárias. Esse aviltamento total do homem abriu as comportas da violência represada debilmente pelas barreiras artificiais da civilização. Como estamos vendo no panorama mundial da atualidade, com exemplos gritantes diariamente divulgados pelos meios de comunicação, a besta-fera das selvas arrombou as jaulas convencionais e tripudia sobre a fragilidade humana.

Contra essa realidade exasperante de nada valem os sermões, as pregações, as ladainhas e outras preces labiais. O mesmo indivíduo que se ajoelha diante das imagens, nos templos suntuosos, volta ao seu posto de mando para ordenar torturas canibalescas. Está certo que Deus o aprova, pois age em defesa da civilização cristã, aviltando aqueles pelos quais o Cristo morreu, segundo lembrou Stanley Jones. No começo do século, Léon Tolstoi já advertia que estamos numa era de nova antropofagia, então requintada pelas técnicas modernas. Hoje, na era tecnológica, os instrumentos de opressão, tortura e aniquilamento do homem atingiram a máxima perfeição diabólica. Tudo isso porque? Porque a deformação da mente e o aviltamento da conciência desumanizou o homem.

Seria loucura responsabilizar unicamente as religiões por essa calamidade. Mas seria hipocrisia querer isentá-las de culpa. Elas se apegaram à matéria em nome do espírito e asfixiaram este em suas estruturas pragmáticas. Cabe-lhes pelo menos metade da culpa, pois que se fizeram mestras e orientadoras da civilização, participando ativamente dos maiores desmandos através dos séculos, quando não os dirigia. Estatizando-se ou não, todas elas trocaram o mandato divino pelos poderes de César. E se não se aniquilaram mutuamente, não foi por piedade, mas porque jogaram habilmente a sua sorte sobre a túnica do crucificado e os dados romanos favoreceram a todas.

Apesar dessa voracidade mundana, almas valentes como a de Lutero, humildes e piedosas como a de Francisco de Assis, irredutíveis como a de John Huss, límpidas como a de Maria D'Ageada sacrificaram-se para tentar salvá-la e insuflar-lhes a seiva cristã de seus novos exemplos. Os mártires da fé não foram apenas perseguidos e esmagados pelos ímpios. Dentro de suas próprias confissões religiosas, nos calabouços medievais que refletiam o Inferno na Terra, e até mesmo no mundo moderno, apesar dos trágicos exemplos históricos, em nações profundamente marcadas pelo fogo do fanatismo religioso, milhares de mártires continuaram sofrendo as ameaças e os castigos do Deus bíblico implacável, através de seus estranhos e temíveis capatazes.

Ainda não surgiu, infelizmente, o gênio da Psicologia que deverá, mais cedo ou mais tarde, realizar a análise assombrosa dos complexos sem nome de misticismo, sadismo e barbárie que Freud apenas aflorou em suas pesquisas da libido. Será um balanço apocalíptico da escatologia das religiões da violência. Não proponho estes problemas em tom de acusação, mas de análise. Os maiores mártires, na verdade, foram os próprios carrascos, que aviltaram primeiro a si-mesmos, condenando-se perante o tribunal da consciência, cujas auto-sentenças brotam como labaredas das próprias entranhas do criminoso, digno de piedade e perdão como todas as criaturas humanas.

Minha intenção é apenas a de prevenir, sacudir e acordar os que continuam errando, na vaidosa ilusão de uma investidura divina contrária aos princípios fundamentais do Evangelho. A imortalidade do ser é a sua própria e irreversível condenação, ante as leis de Deus inscritas em sua consciência. A vantagem do Espiritismo, entre todas as doutrinas filosóficas do nosso tempo, é a de colocar os problemas do homem, mesmo no campo religioso, em termos de razão e naturalida­de, eliminando os resíduos do sobrenatural que pesaram esmagadoramente sobre o passado, sem cair no ceticismo e no agnosticismo.

Essa posição suis generis do Espiritismo permite-lhe preparar o homem atual para uma existência normal e digna no futuro, desde que os espíritas, tão sobrecarregados de heranças religiosas deformantes, não venham a cair nas mesmas e nefastas ilusões da investidura divina e da institucionalização hierárquica das religiões da violência. Não escrevi este ensaio com fins proselitistas, pois uma doutrina aberta, sem finalidades salvacionistas, fundada em métodos científicos de observação e pesquisa, como o próprio Kadec afirmou, não é uma caçadora de adeptos.

O que lhe interessa não é combater as religiões ou tirar de suas fileiras os que nelas se sentem bem, mas apenas oferecer aos homens de bom-senso uma visão realista e por isso mais ampla e mais profunda do homem e do seu destino no espaço e no tempo. Só essa compreensão racional e superior do Universo, em que o homem aparece integrado nas leis naturais, poderá modificar a mentalidade confusa e contraditória do nosso tempo e preparar-nos para a Era Cósmica, na qual a Terra só poderá entrar com a Civilização do Espírito. Nessa civilização, que será a única digna dessa classificação, a única civilização autêntica, os homens estarão investidos do único mandato realmente divino (considerando-se o divino como uma categoria superior à do humano) que decorre das exigências de sua consciência moral.

René Hubert interpreta a Educação, no seu "Traité de Pedagogie Generale", como um processo que tem por finalidade estabelecer na Terra a solidariedade de consciências, da qual resultará uma estrutura política e social que ele chama de República dos Espíritos. É essa República, em que a rés não se limita às coisas materiais, mas se estende sobretudo às consciências, proclamando o primado do espírito no planeta, que o Espiritismo pretende atingir "pelo trabalho e a compreensão dos homens. Porque a tarefa é nossa e não de entidades mitológicas de qualquer espécie.

Se insisto na tônica do Cristianismo não é por menosprezo às demais correntes de pensamento religioso, mas porque a experiência histórica, apesar de todos os pesares já anteriormente referidos, prova que somente ele mostrou-se capaz de reformular o mundo em sua globalidade. As energias espirituais e a orientação racional do ensino moral do Cristo, encerrado no complexo de mitos dos Evangelhos, são, segundo entendo, os elementos que podem e realmente já estão balizando o futuro da humanidade terrena. O importante é chegarmos a esse futuro pelos meios adequados, com o mínimo de conflitos criminosos e o máximo de compreensão racional dos nosso objetivos. Como observou Gandhi em suas memórias, os meios que nos podem levar à verdade e à dignidade só podem ser verdadeiros e dignos. Esses meios não precisam da justificação dos fins, pois justificam-se por si mesmos.

J. Herculano Pires

XIV - A REENCARNAÇÃO

"Não se pode negar que de todas as hipóteses religiosas, a reencarnação é a mais plausível
e aquela que menos briga com a nossa razão." - Maurício Maeterlink

Não é fácil falarmos do Céu ou do Inferno, mas, quando compreendemos a reencarnação, tudo ao nosso redor parece tornar-se mais claro, a vida começa a dar novo rumo aos nossos pensamentos e então damos um grande passo para a compreensão de uma série de eventos que acontecem em nossa existência.

Eis aí um dos assuntos que, quando a humanidade compreendê-lo, certamente modificará o rumo da História. Em primeiro lugar, é preciso se liberar dos preconceitos que as religiões nos impuseram ao longo de nossa vida e também ser imparcial em relação à questão do Céu e do Inferno, porque o próprio Jesus referiu-se, de acordo com várias passagens do Evangelho, à reencarnação, conforme veremos adiante. Assim, tanto por questões materiais como por conveniência, aqueles que comandavam os fiéis no início do Cristianismo concluíram que a crença na reencarnação não era conveniente e decidiram ir pelo caminho mais fácil, ou seja, fizeram com que a reencarnação fosse esquecida e tratada como coisa do demônio.

Por outro lado, de qualquer forma, a reencarnação é um assunto ainda de difícil compreensão para o espírito humano, pelo menos nesta fase evolutiva em que estamos, porém é de fundamental importância para o seu futuro. É bem verdade que já houve um avanço considerável na divulgação desta verdade que é a reencarnação. Isso se deve também à vontade da humanidade de buscar o conhecimento. Conceitos que antes eram negados e proibidos, ou considerados tabus, aos poucos estão sendo naturalmente revelados.

Primeiramente, devemos ter em mente que na verdade o conhecimento sobre a reencarnação data de épocas muito remotas - fala-se em torno de aproximadamente 4 mil anos antes de Cristo. Muitas religiões orientais e filosofias da antiguidade já tinham sob seu conhecimento a crença na reencarnação, tais como o Vedas, o livro sagrado aos brâmanes, que diz: "Assim como se deixam as vestes gastas para usar vestes novas, também a alma deixa o corpo usado para revestir novos corpos". Nas escrituras da Igreja Budista do Sul, fica evidente a crença na doutrina da reencarnação. Outras Igrejas também defendiam essa crença.

A primeira doutrina, porém, a dedicar-se em profundidade ao estudo da reencarnacão, analisando-a em todos os seus aspectos, foi sem sombra de dúvida o Espiritismo. Isso aconteceu por meio das informações daqueles que haviam passado para o mundo espiritual, os espíritos; por sinal, não poderia haver fonte melhor que os espíritos para demonstrar como a reencarnacão ocorre e por que ocorre. Encontramos nos fundamentos do Espiritismo toda a lógica da reencarnacão diante das Leis Divinas e seus benefícios para o progresso do espírito.

1 - O Livro dos Espíritos, Allan Kardec.
2 - Deficiente Mental: Por que Fui Um?, Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.

3 - A Bíblia, Mateus, 17:10-13; 26:52; 11:11-15.
4 - Ensaio sobre a Reencarnação, Djalma Farias.
5 - A Reencarnação, Gabriel Delanne.
6 - Confissões, Santo Agostinho

Basicamente, todos os livros já citados tratam da reencarnacão de forma incontestável. Afinal, a reencarnacão também faz parte da mensagem de Jesus, conforme veremos adiante, nos exemplos retirados do próprio Evangelho.

I - REENCARNAÇÃO, LEI DIVINA?

Mas o que é a reencarnação? É realmente uma Lei divina?
É uma Lei Divina porque faz parte das Leis Naturais, ou seja, como ela se cumpre ou se realiza de forma inexorável, independe de nossa vontade, atendendo aos desígnios de Deus. Mas, voltando ao nosso caso, em toda a história da humanidade, há evidências do conhecimento da lei de reencarnação, a respeito da qual o próprio Jesus Cristo tratou várias vezes.

Quando estamos vivendo no mundo material (na Terra), no corpo físico, na carne, estamos encarnados; mas, quando da morte do corpo físico, passamos a ser considerados desencarnados, pois passamos a viver no mundo espiritual, uma vez que a morte só existe para o corpo. O espírito continua existindo normalmente, uma vez que ele é imortal. Pois bem, a reencarnação se dá porque ora vivemos na Terra, ora no mundo espiritual.

No mundo espiritual, vivemos sem o corpo físico, retirado pela morte ou desencarne (o espírito sem o corpo carnal = desencarnado). Quando voltamos para a Terra, ganhamos um corpo físico, pelo nascimento (o espírito com o corpo carnal = encarnado). Voltamos várias vezes, ou seja, encarnamos várias vezes - isso se chama reencarne, ou reencarnação. Assim, os nascimentos ou as reencarnações têm objetivos essenciais para o espírito. De forma geral, pelo nascimento aprendemos a lidar com a matéria a fim de nos desapegarmos dela; para educarmos as nossas atitudes; para nos libertarmos do orgulho, do egoísmo, da maldade; para amarmos a Deus e compreendermos o próximo.

Afinal, a Terra ao que tudo indica e asseveram os espíritos superiores é uma escola pela qual precisamos passar para nos elevarmos, para nos tornarmos melhores, pois, à medida que avançamos em nosso aprendizado, nos elevamos em espírito na escala evolutiva e nos aproximamos de Deus.

O que acontece é que Deus empresta um corpo físico ao espírito para, por intermédio desse corpo, evoluir, procurar o bem viver, o bom pensamento, tratar o próprio corpo de forma respeitosa a fim de, ao passar para o outro lado da vida, prestar contas do que lhe foi emprestado por Deus. Afinal, quando alguém empresta alguma coisa, espera que esta seja devolvida de forma igual a quando foi emprestada. Assim também deve ser para com o nosso Pai Celestial.

Ora, quanto mais pensarmos no bem do próximo, quanto mais pudermos praticar a caridade, não ter inveja, ódio, vícios, menos predispostos às doenças estaremos, maior será o equilíbrio de nossa mente e assim poderemos resolver os problemas que se apresentarem com mais serenidade. Esses são objetivos ofertados por Deus para encontrarmos a paz e que transformam a humanidade para melhor e, sem sombra de dúvida, a reencarnação permite esse caminho ao espírito.

Outro aspecto da reencarnação é a oportunidade de reparar os erros que cometemos em vidas anteriores, pois Deus, na sua sabedoria, dispensa a todos os seus filhos a chance de recuperar-se dos débitos contraídos por causa do mau comportamento para consigo e para com seus seme­lhantes, reconciliando assim as criaturas.

Foi por isso que Jesus disse: "Reconcilia-te o mais cedo possível com vosso adversário, enquanto estiverdes com ele a caminho..." Um mundo que infelizmente ainda acolhe tanta guerra, tanta desigualdade, tanta diversidade de personalidade e de tendências só pode abrigar espíritos em crescimento, necessitados de aprendizado moral.

Qual explicação poderíamos dar a uma criatura que nasce com alguma deficiência física ou outra problemática qualquer a não ser recorrendo à reencarnação? Ou, por exemplo, a pessoas que convivem sob o mesmo teto, na mesma família e com a mesma educação, e que possuem diversos conflitos entre si? Às vezes, um irmão não pode sequer olhar para o outro que já começa uma verdadeira batalha. Notemos que quase sempre não existe uma justificativa, é simplesmente antipatia. Como explicar?

Obviamente nem tudo provém de existências passadas, pois temos nossos traumas que ocorrem na vida atual, na infância, na adolescência, mas muitos fatos só poderão ser explicados à luz da razão pelo conhecimento da reencarnação. Existem várias maneiras de comprovar esse fato, seja pela vida das pessoas, seja pelos relatos dos próprios espíritos, seja pela Bíblia (tanto no Antigo como no Novo Testamento).

Vejamos a seguir um exemplo prático e claro: Suponhamos que cometemos várias transgressões à Lei Divina ou Natural, algumas de menor gravidade, outras gravíssimas, talvez até mesmo um assassinato. Imaginemos que, conduzidos por anjos até Deus, fôssemos condenados ao Inferno pela eternidade, sem direito a defesa ou sem poder receber outra oportunidade para reparar os erros cometidos. Pois essa hipótese é frontalmente contrária ao que Jesus - emissário de Deus - pregou quando respondeu a Pedro sobre o perdão: "Não vos digo que apenas sete vezes e sim setenta vezes sete vezes".

Se essa é a Lei de Deus, todos nós - por maiores que sejam nossas infracões - teremos a oportunidade de evoluir, ressarcindo aquele a quem prejudicamos. Continuando nosso exemplo, imagine que sua mãe, que já o estava esperando no outro lado da vida, uma vez que já havia desencarnado, rogava ao Pai Misericordioso para que não o levasse para o Inferno, mas lhe desse uma chance, que ela faria de tudo para redimir o erro cometido pelo seu filho, que repensaria a educação dada, "pois" - diria ela -"também tenho culpa, por isso suplico de joelhos que permita fique ele comigo para um novo aprendizado".

Como sua sentença é irrevogável e irretratável, dizem os julgadores "errou tem de pagar". Para o Inferno eterno não havia apelo, a sorte estava selada. Se conhece bem sua mãe, você deve ter certeza absoluta de que ela pediria a Deus para ir para o Inferno com você, uma vez que não suportaria estar no Céu vendo o filho no Inferno eterno. Mas, seria justo? Obviamente que não; porém, reprimir o livre-arbítrio da mãe de querer ir para o Inferno também não seria justo.

Estamos então diante de uma questão bastante complexa de resolver, se considerarmos válida a hipótese da existência do Céu e do Inferno. É exatamente aí que entra a questão da reencarnação, da justiça dessa lei.

Tendo ela o objetivo de fazer o espírito reparar o erro cometido e evoluir, o justo é você voltar para a Terra em outro corpo (talvez até com problemas físicos pelo erro cometido ou com problemas mentais ou com traumas diversos) a fim de reparar o mal que cometeu ou que fez alguém sofrer para aprender a não cometer mais o mesmo erro e se redimir perante a Lei de Deus, praticando a caridade e se melhorando interiormente, ou seja, tendo outra oportunidade de libertar-se do mal que existe dentro de si.

Isso quer dizer que temos diversas oportunidades para melhorar. Além do mais, não seria justo alguém nascer uma única vez e não ter a chance de se redimir, não ter a chance de andar, de brincar, de correr, de ver a beleza de Deus por meio da natureza, de sentir um carinho materno porque tem problemas mentais ou outro tipo de deficiência que o impeça de sentir tal sensação. Qualquer pai ou mãe perdoaria seu filho inúmeras vezes, depois de o repreender, sabendo que um dia ele deixaria de cometer o mesmo erro.

Por isso, tem a reencarnação o poder de unir criaturas ofendidas e ofensoras do passado num mesmo lar, sob o mesmo amparo materno e paterno, com o intuito de se perdoarem, de se amarem, de se redimirem e, juntos, encontrarem o caminho mais curto para a reparação de erros e a aproximação de Deus.

II - As Escrituras e a reencarnação

Observemos no Novo Testamento, em Mateus, o que Jesus disse: "Mete no teu lugar tua espada; porque todos os que lançarem mão da espada pela espada morrerão". Ele estava simplesmente dizendo que somos punidos conforme punimos o nosso semelhante ou a nós mesmos, ou seja, teremos de prestar contas ao Criador pelos males que cometemos ao próximo, e que o ofensor deverá retornar à Terra para reparar o dano cometido até quitar toda a dívida perante a Lei Divina.

Portanto, voltaremos tantas vezes quantas forem necessárias para melhorarmos e podermos alcançar o verdadeiro Reino de Deus, o verdadeiro amor, a pureza de intenção. A própria Igreja Católica, até o ano de 553, quando houve o 2° Concílio de Constantinopla, admitia a reencarnação, que só foi considerada heresia porque a imperatriz Theodora suplicou com muita veemência ao seu esposo, o então imperador Justiniano, para que ela fosse abolida da Igreja e só a partir de então é que, por questões políticas, a crença na reencarnação foi banida da religião católica.

O próprio Santo Agostinho, em seu livro Confissões, perguntou: "Não terá minha infância sucedido a outra época morta antes dela? Não estive eu por outra parte ainda que antes deste tempo? Era eu alguém?", e ele foi um homem muito considerado dentro da Igreja. Mas foi Jesus quem se referiu à reencarnação de forma clara e objetiva, o que até então nenhum outro homem com tanta pureza de coração havia feito, e temos diante de sua passagem na Terra revelações concretas e óbvias sobre o tema. Seria necessário mais que um capítulo para explicar seus ensinos, mas vejamos pelo menos duas de sua revelações.

A primeira, se a lermos com bastante atenção, não deixará dúvidas. Está em Mateus, quando Jesus deixa claro que João Batista era o Elias que havia de vir. Na segunda passagem, que é uma confirmação da primeira, é que fica mais claro como Jesus queria ensinar a reencarnação. Ele simplesmente foi direto ao assunto, não deixando dúvida sobre a reencarnação. Vejamos na íntegra o texto de Mateus:

E os seus discípulos o interrogaram, dizendo: Por que dizem então os escribas que é mister que Elias venha primeiro?E Jesus, respondendo, disse-lhes: Em verdade, Elias virá primeiro, e restaurará todas as coisas. Mas digo-vos que Elias já veio e não o conheceram, mas fizeram-lhe tudo o que quiseram. Assim farão eles também padecer o Filho do Homem. Então entenderam os discípulos que lhes falara de João Batista.

Está aí o assunto exposto por Jesus de forma clara, sem parábolas, mostrando que os discípulos compreendem perfeitamente, sem nenhuma dúvida, que João Batista é a reencarnação de Elias. Nesse sentido, o Espiritismo mostra as diversas passagens em que Jesus trata da reencarnação. Poderíamos estudar a Bíblia durante uma semana e ainda assim não esgotaríamos o assunto, tão extenso é o material sobre o tema nela exposto.

Nós perguntamos: diante dos fatos que colocamos, fazem sentido o Céu e o Inferno eterno da maneira dogmática que nos ensinaram?

III- Reencarnação e deficiências

Analisemos detidamente: seria justo nascermos com um problema sério de ordem física ou mental sem ter culpa no cartório perante Deus, sem ter cometido falhas em outras vidas? Como poderíamos explicar por que há tanta antipatia ou mesmo simpatia entre as pessoas? Por que uma criança aos três anos de idade saberia tocar piano, flauta, ou outro instrumento sem nunca ter tido uma aula ou mesmo sem ter nenhum parente com a mesma aptidão? Somente a reencarnação poderia explicar. É o conhecimento adquirido em encarnações anteriores, o aprendizado que o espírito reteve de vidas passadas.

Explicação inteligente vamos encontrar em O Livro dos Espíritos. Vejamos o que diz a questão 219: Qual é a origem das faculdades extraordinárias de indivíduos que, sem estudo prévio, parecem ter a intuição de certos conhecimentos, como as línguas, o cálculo etc.? Lembrança do passado; progresso anterior da alma, mas do qual não tem consciência. De onde queres que elas venham? O corpo muda, mas o Espírito não muda, embora troque de vestimenta.

Outro exemplo vamos encontrar no livro Deficiente Mental. Por que Fui Um?, psicografado por Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho, de espíritos que foram deficientes mentais quando encarnados. Não vamos contar a história de Adolpho, mas a reencarnação para ele foi a porta da libertação, pois em sua penúltima encarnação cometeu diversos erros médicos contra seus inimigos feridos na guerra ao trabalhar como médico prestando assistência no campo de batalha. Por conta disso, na encarnação recente, retornou à matéria com um problema sério de deficiência mental.

Vejamos um trecho do comentário do Espírito Antônio Carlos:
O grande exemplo nesta narrativa é a atitude do dr. Frank. Consciente de seus erros quis repará-los, e que grande oportunidade teve ele: a reencarnação! Oportunidade que todos nós temos. Porém, coube a ele trabalhar, não deixar para depois, para amanhã: realmente, muitos planos são esquecidos na ilusão da matéria. Cabe ao leitor pensar, analisar e fazer algo, multiplicar o talento que recebeu de Deus e não fazer como o servo preguiçoso que desencarnou como encarnou, nada fez de útil a si mesmo nem ao próximo. E você, meu amigo, não estará deixando passar esse grande ensejo em vão? E a oportunidade de aprender, fazer o bem, todos temos. Basta aproveitar.

IV - Misericórdia divina

Portanto, a lei da reencarnação, além de justa, demonstra a misericórdia divina, em virtude da oportunidade que enseja à criatura culpada de se recuperar diante da Lei de Deus e de crescer espiritualmente. Afinal, somos espíritos imortais e teremos de aprender a superar nossos próprios defeitos, nossos vícios e encontrar nosso caminho interior por meio da caridade, da paciência, do equilíbrio e do respeito para com o próximo, para assim ajudarmos àqueles que necessitam, da mesma maneira como nós um dia necessitamos.

E isso só a reencarnação proporciona. Só por meio de nossas idas e vindas é que poderemos nos libertar, adquirir experiências, conhecer como se superam os problemas para não cairmos mais nas tentações da ilusão da matéria e podermos nos desapegar dela, não dando mais importância do que ela realmente merece, e procurar o Reino de Deus - conforme asseverou Jesus Cristo - e olhar para a vida como uma grande dádiva da divindade, entendendo que a felicidade não está na posse de bens materiais, mas na oportunidade de servirmos ao nosso Pai junto aos nossos irmãos necessitados.

V - RESUMO

O conhecimento da reencarnação é muito antigo. O próprio Sócrates já dava sinais de seu conhecimento; o Velho Testamento também alude a isso. Além disso, quase todos os povos antigos conheciam a reencarnação. A própria Igreja Católica a admitia em seus primórdios, vindo a excluí-la dos seus postulados só com o advento do 2° Concílio de Constantinopla.

Mas foi Jesus, na verdade, quem primeiro deu as bases sólidas da reencarnação, quando mostrou a superioridade dessa lei e a justeza com que ela se realiza, por meio de memoráveis alusões contidas no Novo Testamento, como em Mateus, 17:10 a 13.

Coube ao Espiritismo a missão de aprofundar e demonstrar, por intermédio de estudo metódico, as bases que constituem o seu alicerce, catalogando e ordenando os ensino dados por Jesus nessa direção. Tanto nas Obras Básicas de Allan Kardec quanto nos livros de autores espíritas consagrados, vamos encontrar bases sólidas para seu entendimento.

Reynaldo Mendes