CAPÍTULO X
A VIÚVA DE NAIM

Logo depois, Jesus foi a uma cidade chamada Naim, e com ele iam muitos dos seus discípulos e uma grande multidão. Quando chegou perto da porta da cidade, levavam um defunto, filho único de sua mãe, que era viúva. E com ela ia uma grande multidão da cidade. Vendo-a, o Senhor sentiu grande compaixão por ela e lhe disse: Não chores. Chegando, tocou o esquife e, parando os que o levavam, disse: Jovem, a ti digo: Levanta-te. O defunto assentou-se, e começou a falar, e Jesus o entregou à mãe dele. De todos se apoderou o temor, e glorificavam a Deus, dizendo: Um grande profeta se levantou entre nós, e Deus visitou o seu povo. Correu dele esta fama por toda a Judéia, e por toda região circunvizinha. (Lucas, 7:11-17).

Desde os primeiros anos aprendera com seus pais a lição do trabalho. As dificuldades daquele tempo não eram diferentes das angústias e dos problemas de todos os tempos.

Desde cedo lutara, a fim de garantir a própria sobrevivência. As atribulações de sua vida forjaram o caráter reto e honesto que lhe caracterizava a existência. Aprendera quanto pôde as noções da Lei e somente não fez mais em virtude da necessidade de dedicar-se às tarefas do lar e ao sustento dos seus. Era ainda jovem, e as experiências da vida a levaram ao envelhecimento prematuro.

Com a peste, que desolava muitos lares, perdera toda a família. Restava-lhe apenas uma prima de distante grau de parentesco, da qual não sabia ao certo o paradeiro.

Ainda naquela época seus caminhos cruzaram os de um jovem rapaz, que a cortejara. Enamorou-se dele, e logo viriam a contrair núpcias. Sua vida continuou a se distinguir pelo trabalho, agora com vistas a auxiliar o marido, que com o tempo passou a explorar-lhe a juventude sofrida e desgastada, que as experiências e intempéries dos anos se incumbiram de encerrar.

Do consórcio matrimonial nascera-lhe belo menino, que lhe acalmava os dias tormentosos da vida. Era a esperança de dias melhores; era a flor que renascia no pântano de sua existência, prometendo bem-aventurança a seu espírito sofrido e cansado.

O mundo não compreende a grandeza das almas que servem no anonimato. Muitos seres aureolados de luz escondem-se sob as vestes frágeis do coração materno, a fim de, no silêncio e no serviço do amor anônimo, promoverem e incentivarem o progresso ou, ainda, simplesmente, transmitirem uma singela lição de amor.

A criança que nascera era sua esperança do futuro. A fé de Deus que se tornara visível e palpável em sua vida.

Seu marido em poucos anos abandonou o lar em busca de aventuras, deixando-lhe a responsabilidade pela educação do filho. Mais tarde, chegaria a seu conhecimento que o antigo companheiro perdera a vida na Samaria, em disputa por bagatelas cotidianas.

Ana - esse era o seu nome - continuou ao longo dos anos junto com seu filho dileto, no trabalho que a vida e a necessidade sempre lhe impuseram.

Naim era uma cidade onde era difícil sobreviver. Ana não se sentia à vontade para contrair novas núpcias, pois, apesar de distante do entardecer da existência, o peso das pouco mais de três décadas que vivera era grande fardo sobre seus ombros. Os anos haviam-lhe roubado o viço da juventude, e sua saúde exigia mais e mais cuidados. Além do mais, o querido filho foi-se mostrando cada vez mais sensível, e uma doença desconhecida ameaçou-lhe a vida em diversas ocasiões.

Ana trabalhava para as famílias mais abastadas, e o pouco que ganhava destinava-se a cobrir as despesas com a saúde ou com o aluguel da pequena vivenda que abrigava a si e ao filho amado.

As dificuldades em qualquer época são elementos preciosos na economia espiritual. Têm por objetivo desenvolver as aptidões e promover o despertar da consciência, que, de outra maneira, ficaria adormecida indefinidamente.

Ana ficou sabendo da notícia de que a cidade fora visitada pelo profeta de Deus. Um jovem que, por tudo que se diziam dele, representava a esperança do povo, da nação. Talvez - quem sabe? - algum dia poderia conhecê-lo e, através de seus ensinamentos e profecias, refazer sua alma alquebrada, bebendo da fonte sublime da Verdade. Afinal, assim deveria ser, como diziam, o profeta de Deus.

Esperava ansiosamente pelo momento do encontro, e sua alma, de certa maneira, pressentia que tal evento se daria brevemente. Alguma coisa diferente, um indefinível sentimento a invadia enquanto pensava no estranho profeta da Galiléia.

Seu filho, pela sensibilidade da saúde, encontrou-se em estado cataléptico. Dado o desconhecimento da época, julgara que a morte ceifara a vida de seu pupilo do coração, arrimo de sua alma. Como seria sua vida dali em diante? O único filho, esperança de sua vida, havia-lhe abandonado. O desespero intentou tomar conta de seu espírito, e ela entregara -se à angústia, que destruía suas últimas reservas de energia.

A morte física coloca o homem cara a cara com a realidade da vida. Diante da morte dos seus e da possibilidade concreta de morrer, todos são levados a refletir acerca do valor da vida. No estágio em que se encontra a humanidade é ainda necessário o sentido dualista da vida. Morte e vida são etapas necessárias ao aprendizado e ao despertamento do amor que vibra em tudo.

Ana, como mãe, desejou naquele instante a própria morte em troca da vida do filho. Mas restava ainda uma esperança, à qual se agarrou com toda a força de que era capaz. Quem sabe, o profeta?

Não havia mais tempo, entretanto. As exigências da Lei determinavam que o corpo fosse sepultado, pois já passara a hora prescrita pelas determinações de Moisés. Era o ocaso de uma vida. O fim da esperança. Mas e o profeta de Deus, o homem da Galiléia?

Embora a dor da perda, orava intimamente quando o corpo da criança foi levado pelas ruas de Naim. Os curiosos seguiam o féretro, pois não encontravam nada mais interessante a fazer.

Do outro lado, outra multidão. Vinham acompanhando um homem que diziam ser o representante de Deus, o messias tão aguardado pelo povo hebreu.

A esperança reacende-se no peito de mãe. Orava mais, mais intensamente, tentando a todo custo banir o desespero de sua alma sofrida.

Quando Ele se aproximou era tarde. Era na verdade a tarde da alma dos homens. Ele parou. E, olhando as faces marcadas daquela mulher, percebeu, nas profundezas de sua alma, o sofrimento de toda a humanidade, vítima da ignorância das leis da vida. Mirou então o corpo rijo, que era conduzido pelas mãos do povo, e viu ali que o espírito imortal ainda não abandonara a sua roupagem de carne. A criança ainda vivia. Estava apenas em estado sonambúlico, quando o espírito, afastado do corpo, porém a ele ainda ligado, reduz as funções orgânicas ao mínimo. Mas tal fato aquele povo não podia compreender ainda. Era um povo jovem. Espíritos inexperientes.

Ele orou. Com o tempo haveriam de compreender as leis da vida. Por ora, diante do sofrimento e da dor, não adiantaria explicações. O cérebro nubla-se diante do desespero. É preciso agir, e agir com sabedoria espiritual.

Envolvendo o corpo da criança com os eflúvios sagrados do seu amor, chamou o espírito de volta, que logo se apossou do físico. Demonstrando o poder do amor, trouxe a criança rediviva aos braços de sua mãe.

Era a vitória da vida, na presença do amor.

Estevão