CAPÍTULO XIII
B-ZAQUEU E BEZERRA DE MENEZES

A tarde esvaía-se nas nuvens que se acumulavam no mais alto. A paisagem bucólica da Galiléia lembrava o passado, quando aquele povo atingira o apogeu, no auge da glória. Contudo, era um povo sofrido e aflito que reclamava urgentemente as bênçãos do Consolador.

Ele era palavra, o verbo feito carne, Sua foi a voz ouvida naquele recanto obscuro de uma nação decadente, sob o jugo férreo de Roma. O rabi caminhava envolvido pela multidão ávida de resultados imediatos. Todos desejavam de alguma forma obter alguma coisa das mãos milagrosas do Mestre. Todos almejavam alguma espécie de lucro.

Ao longe, os olhos sublimes de Jesus avistavam uma árvore bravia. Sobre os seus ramos escondia-se alguém.

Ah! Os olhos de Jesus!

Duas pérolas amendoadas incrustadas naquele corpo cujas dores refletiam as da humanidade.

Ao entrar em contato com a suavidade daqueles olhos a alma humana quedava-se extasiada, conquistada com tamanha iluminação que extravasava dele. Seus olhos vivos pareciam incrustados sob a franja e as madeixas que lhe caíam à face. Cabelos crespos, claros e ao mesmo tempo tingidos com as cores do sol. O sorriso largo e a face vincada com as marcas sofridas de sua trajetória milenar.

O homem que se escondia entre as folhas da árvore silvestre era alguém que tentava a todo custo fazer-se perceber e conquistar a atenção do mestre nazareno, Zaqueu, o publicano - assim o chamavam os seus compatriotas. Desde muito cedo, em sua vida pública, acostumara-se ao ganho fácil. Casado e pai de seis filhos, conquistara a fama de homem rude e de índole difícil.

A mulher, arbitrária e irritadiça, inspirava-lhe a ilusão do desrespeito e da infelicidade conjugal.

Ajuntara grande quantia de dinheiro no trato com as questões políticas e com o tratamento abusivo que destinava àqueles irmãos que estavam sob sua tutela. Ficara sabendo da presença do rabi e por diversos meios se deixara abalar em suas convicções somente por ouvir as histórias que envolviam aquele homem lendário, o filho de Davi. Teria de chamar-lhe a atenção; desejava muito que o rabi pudesse premiá-lo com um olhar ou - quem sabe? - com um colóquio na intimidade do seu lar. Contudo, não encontrou outra forma de mostrar-se ao rabi, senão subindo nos galhos do sicômoro, árvore comum naquelas plagas da Galiléia. De estatura pouco avantajada, Zaqueu precisava subir na árvore a fim de se fazer notado.

O divino enviado aproximava-se a passos lentos, porém, com o coração tão rápido que seu pensamento, expandido, captara a vontade daquele que desejava modificar-se interiormente.

A alguns passos do sicômoro, o Mestre se deteve e, para espanto de seus seguidores, dirigiu o olhar e as palavras para o homem que fora símbolo de infidelidade e de negócios espúrio.

Quando Zaqueu fixou o olhar nos olhos do Mestre, sentiu como se a carne em torno de seus ossos fosse se diluir. Estremeceu e emocionou-se como nunca antes.

Jesus sorriu de forma que somente ele percebesse.

Zaqueu sentiu-se fraquejar e, arrebanhado por aquele olhar profundo e ao mesmo tempo meigo, foi para sempre conquistado por ele.

Jesus esboçava algo entre os lábios.

Zaqueu desenvolvia uma atividade frenética em sua mente.

Jesus demonstrou saber de sua intimidade, do conteúdo de seus pensamentos.

A multidão e os discípulos foram aos poucos se acalmando e observando o resultado daquele encontro.

Era o encontro entre a luz e a escuridão, o sol da vida e a lama da Terra. O rabi da Galiléia abre sua boca e expressa o desejo de, naquele dia, ir à casa de Zaqueu.

O publicano esboça uma reação puramente emocional, justificando-se e propondo uma mudança radical em seu comportamento.

Agora ele, Zaqueu, sabia com absoluta certeza que jamais seria o mesmo. Estava para sempre conquistado pela bondade e intensidade dos olhos de Jesus. O rabi prossegue a sua caminhada, mas, assim que Ele parte, o publicano, renovado e conquistado pelo olhar do Mestre, grita para que todos o ouçam:

- Rabi!

Jesus pára para ouvir a proposta de Zaqueu:

- Sei que tenho retirado do povo tudo que posso; tenho sido um mau administrador, e minha fortuna, eu a conquistei com as lágrimas alheias. De agora em diante, retribuirei a todos a quem causei constrangimento e devolverei tudo àqueles de quem tirei.

Jesus sorri discretamente, sabendo que o tempo, os séculos aguardariam pacientemente a transformação das almas delinqüentes em anjos de luz. Jesus, o rabi da Galiléia, saberia esperar até que aquela alma incrustada no carvão da carne acordasse para o futuro. Jesus sabia esperar.

O Mestre continuou seus passos seguros, investindo nos filhos do amanhã.

Zaqueu desceu do sicômoro, renovado pela presença do Mestre.

O tempo passou, e os séculos fizeram o papel de cinzel do tempo, modificando o conteúdo íntimo daquela alma pequenina, transformando-a num gigante da fé.

Zaqueu renasce e retorna ao palco do mundo.

Um dia, uma multidão faminta, aflita e insegura procura o representante de Jesus. Após um dia estafante de trabalho, aquele homem já não encontrava forças para continuar atendendo aos convidados de Jesus. Dezenove séculos se passaram, e agora ele renasceu refletindo nos próprios olhos o olhar do rabi.

Olhos doces, pequeninos e da cor de mel, ele recebe uma mulher aflita. Zaqueu, renovado sob nova roupagem física, pergunta à mulher o que a angustia. Ela responde:

- Ah! Meu senhor, não tenho sequer um centavo para comprar o pão para os meus filhos. Como então poderei comprar o remédio para o menino que desfalece em meus braços?

Os olhos experientes relembram o sofrimento dos séculos. E, nas telas da memória, ele relembra a promessa feita a Jesus, de que devolveria ao antigo dono tudo aquilo que dele extorquira e se doaria por completo àqueles a quem prejudicara.

Cansado, já com o peso do sofrimento sobre seus ombros, toca as próprias mãos. Ao perceber o único bem que lhe restava, o anel de médico, retira-o do dedo e o entrega à mulher, que, antes de partir, beija-lhe a mão de ancião. Reconhecendo naqueles olhos o reflexo do olhar de Jesus, agradece comovida:

- Obrigada, Dr. Bezerra de Menezes. Muito obrigada.

- Não agradeça, filha. Estou apenas devolvendo aquilo que lhe tirei.

Jesus, sorrindo, permanece investindo na humanidade sem pressa, sabendo que o carvão mais negro se transformará um dia no diamante luminífero, a irradiar a luz do sol.

Estevão