CAPÍTULO XIII
A - ZAQUEU, O PUBLICANO

Tendo Jesus entrado em Jericó, ia passando. Havia ali um homem chamado Zaqueu, que era chefe dos cobradores de impostos, e era rico. Este procurava ver quem era Jesus, mas não podia, por causa da multidão, porque era de pequena estatura. Então, correndo adiante, subiu a um sicômoro para vê-lo, já que havia de passar por ali. Quando Jesus chegou àquele lugar, olhou para cima, e disse-lhe: Zaqueu, desce depressa. Hoje me convém pousar em tua casa. Apressando-se, desceu e o recebeu com alegria. Todos os que viram isto murmuravam, dizendo que entrara para ser hóspede de um homem pecador. Mas Zaqueu levantou-se e disse ao Senhor: Senhor, olha, eu dou aos pobres metade de meus bens, e se nalguma coisa defraudei alguém, o restituo quadruplicado. Disse-lhe Jesus: Hoje veio a salvação a esta casa, porque também este é filho de Abraão. Pois o Filho do Homem veio buscar e salvar o que havia se perdido. Lucas 19:1-10.

Aqueles eram tempos difíceis. As dificuldades íntimas refletiam na sociedade daquela época as mesmas angústias e temores que hoje caracterizam as massas humanas. Conflitos sociais ou conflitos psicológicos geravam as mesmas insatisfações que hoje perseguem o homem moderno.

Soava pelas planícies da Judéia a voz suave e melodiosa da mensagem do Mestre, convidando a todos para os tempos de renovação. Mas também naqueles tempos reinava o desespero em muitos corações e, como reflexo das imperfeições humanas, o desconforto que o preconceito velado ou ostensivo trazia.

Publicanos e fariseus, cobradores de impostos do templo ou representantes de César eram considerados por muitos como representantes de classes que deveriam ser evitadas. Os publicanos, naturalmente, devido a sua história envolta nas brumas das realizações inferiores, despertavam o desprezo e a discriminação geral.

A história de Zaqueu não era diferente da história e dos dramas de muitos homens. Proveniente de um passado comprometido tanto com a lei divina quanto com a legislação humana, o publicano da história evangélica encontrava-se na encruzilhada da vida.

Enriquecera-se ilicitamente com o comércio espúrio que realizava desde a mocidade. O matrimônio era campo de confronto constante, e a mulher demandava-lhe imensa cota de sacrifícios, a fim de corresponder-lhe às mais diversas expectativas. As exigências e obrigações sociais faziam-no desdobrar-se de tal maneira, consumindo-lhe a vitalidade orgânica, que ocasionaram seu envelhecimento precoce. Por certo que a família refletia as suas próprias angústias íntimas, e, assim, o desequilíbrio era marca sempre presente em sua vida doméstica.

Intimamente, desejava mudar, mas era preciso que algo ou alguma força externa pudesse impulsioná-lo rumo à renovação tão necessária. Naquela tarde, tudo contribuiria para que o publicano encontrasse o caminho da renovação. Uma multidão acompanhava um certo homem, alguém que se dizia rabi. Era um homem diferente. Não apenas falava a respeito de um certo reino, mas vivia-o em sua vida, exemplificando nas experiências aquilo que era o objeto de suas pregações.

De longe, Zaqueu, o publicano, resolveu observar mais detidamente.

De estatura menor que a maioria de seus contemporâneos, recorreu ao extremo recurso a fim de poder, pelo menos, ver aquele que se apresentava como o filho de Deus. Desejava algo em seu íntimo, mas não saberia precisar exatamente o que queria. Subiu num sicômoro, árvore cuja presença era habitual naqueles sítios; de lá, poderia observar a presença daquele cujo amor e cujos feitos ganhavam repercussão por toda a Judéia e Samaria.

O rabi andava no meio da multidão de almas desgarradas e esfaimadas. Seus caminhos não passavam pelos mesmos caminhos dos reis e soberanos terrestres. Preferia as estradas da vida onde mais se faziam necessárias as suas palavras e os seus exemplos de compaixão, sabedoria e amor. Assim é que usualmente se encontrava acompanhado das prostitutas e daquela gente considerada de má vida. Dos leprosos da alma aos sedentos de justiça, dos injustiçados e oprimidos aos infelizes da Terra, além de certos personagens conhecidos como antigos perseguidores do povo - essas eram as companhias do peregrino nazareno.

Como hoje, o preconceito exercia intenso domínio nos corações humanos despreparados para a realidade da vida eterna.

O Mestre deteve-se ante o sicômoro, cujos galhos sustentavam o corpo de Zaqueu, o publicano. Fixou longamente os olhos do homem infeliz e desejoso de renovação. Olhos nos olhos, o médico das almas penetrou profundamente naquela alma desgarrada do redil e então pronunciou as seguintes palavras:

- Zaqueu ! - chamou o Mestre. - Hoje convém que eu esteja contigo em tua casa.

Ante a oferta do Mestre de todos os mestres, Zaqueu não poderia titubear.

Para todo homem, em algum momento, chega a hora da transformação. Surge na ampulheta do tempo a hora exata do encontro com a vida. Assim, para Zaqueu, também resplandecia o raiar de um novo dia. A Estrela Polar do Evangelho, Jesus, brilhava intensamente em sua vida, no céu de seu destino.

Os seguidores do Nazareno observavam a atitude do Mestre com espanto, e também eles a recriminaram, pois não compreendiam que Ele, o médico divino, viera exatamente para aqueles que mais necessitavam. De médico só precisa quem se encontra enfermo; aquele que se sente sadio não necessita lançar mão dos recursos sejam da medicina terrestre como da espiritual.

Mas quem poderá saber o que vai no coração humano? Mesmo aqueles que se dizem apologistas da verdade ainda têm muito a aprender e muito ainda a reaprender no campo da vida universal. Jesus deixou-se conduzir pelo impulso do amor, do amor ágape. As dificuldades humanas levam os indivíduos a desenvolver a incompreensão, a intolerância e as demais características antagônicas à virtude, as quais imperam nos corações ainda distantes do bem e do amor.

Jesus dirigiu-se à casa de Zaqueu como se dirige à casa mental de cada ser, assim que se apresente a necessidade de renovação interior. É preciso aguardar o momento certo em que o espírito amadureça para a vida, e há que se desenvolver sensibilidade para perceber tal ocasião.

Da mesma forma como os publicanos inspiravam o preconceito naqueles de sua época, também hoje o preconceito ainda domina os corações humanos. Contudo, Jesus e os espíritos superiores não se submetem às convenções humanas. Se algo ou alguma situação não se sintoniza conosco ou com nossos conceitos da verdade, é bom que possamos nos observar mais detidamente. As coisas espirituais estão acima das questões humanas. O preconceito é filho do orgulho e irmão do egoísmo. Todo tipo de preconceito deve ser combatido com o exercício do amor incondicional.

Os Zaqueus modernos são chamados a abrir as portas de seus corações para o encontro com a eternidade. Os preconceituosos são igualmente chamados para o encontro consigo mesmos. São chamados a estudar suas vidas, analisando-as de acordo com a ótica espiritual. Considerem-se como realmente o são: imperfeitos e ainda em fase de evolução. Todos estão no caminho do aprendizado e por isso não há lugar para preconceitos em nossas vidas. A lição do Evangelho é de pura fraternidade. A mensagem é de caridade e de amor.

Estevão