CAPÍTULO XIV
PEDRO, A ROCHA DOS SÉCULOS

Depois que João foi entregue à prisão, veio Jesus para a Galiléia, pregando o Evangelho do reino de Deus, e dizendo: O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo. Arrependei-vos e crede no Evangelho. Andando Jesus junto ao mar da Galiléia, viu Simão, e André, seu irmão, que lançavam a rede ao mar, pois eram pescadores. Jesus lhes disse: Vinde após mim, e eu vos farei pescadores de homens. Então eles, deixando as redes, o seguiram. Marcos 1:14-18. A primeira coisa que André fez foi achar o seu irmão Simão, e dizer-lhe: Achamos o Messias (que quer dizer Cristo). E levou-o a Jesus. Olhando Jesus para ele, disse: Tu és Simão, filho de João. Tu serás chamado Cefas (que quer dizer Pedro). João, 1:41-42.

Era um simples pescador. Às margens do Tiberíades o barco parecia soçobrar ante o vendaval que se aproximava, assinalando a tempestade. Os peixes começavam a rarear, e dia após dia a situação sócio-econômica obrigava os homens simples do povo a encontrar novas saídas para a sobrevivência. Simão Barjonas, irmão de André, já se preparava para desistir do trabalho infrutífero. Dentro do peito, porém, uma chama diferente parecia bruxulear.

Notou que a tempestade e o vendaval aos poucos se auto consumiam, devolvendo a calmaria à natureza. Ao longe, um homem se aproximava. Trajava um manto de cor clara, tecido em linho finíssimo, que refletia os raios de um sol que teimava em irromper entre as nuvens; cabelos encaracolados pendiam-lhe sobre os ombros, e os olhos penetrantes pareciam reluzir a cor do mel. O homem aos poucos se aproximava e, à semelhança de uma aparição, atraía a atenção daqueles homens, já marcados pela dor e o sofrimento.

Toda a Judéia e também a Galiléia estavam sob o jugo dos romanos. Aqueles homens do povo sentiam na própria pele, assim como em seus alforjes, que as últimas reservas de força - e de moedas - escasseavam. No coração, uma leve intuição de que aquela era uma época incomum. Algo diferente estava sendo preparado para o mundo.

O homem de pés descalços achegou-se ainda mais, trazendo na singularidade do olhar e estampada na própria face uma esperança renovada. Ele parecia conhecer os pensamentos que se passavam em suas mentes e os sentimentos que afligiam seus corações. Aproximou-se com um largo sorriso.

Naquela tarde, todos os pescadores registraram, de uma forma ou de outra, que suas vidas seriam para sempre modificadas.

Recostando-se num dos barcos atracados na areia, o homem perguntou:

- Que se passa entre Vós?

- O tempo, meu senhor, o tempo e a ressaca espantaram os peixes, e já não temos mais o que pescar.

Dirigindo-se a Simão Barjonas, homem de barbas fartas e cabelos desgrenhados, o jovem galileu convocou:

- Vem comigo e te farei pescador de homens e de almas. O mundo está preparado, e a hora é agora, em que lançarás tuas redes sobre as águas e retirarás delas as almas iá amadurecidas pelas experiências da vida.

Não havia como resistir ao magnetismo superior daquelas palavras e daquele olhar.

Simão seguia o Galileu já havia algum tempo. Desde então, uma nova perspectiva abriu-se diante de seus olhos, e um mundo novo se esboçava sobre as flâmulas romanas e os louros dos Césares.

Certo dia, o Mestre dos desvalidos convidou Simão para um colóquio arrebatador. Aconchegou-o junto a si e, tocando-lhe a face, macerada pelos anos de sofrimento e trabalho árduo, disse-lhe:

- Tu, Simão, és pedra. Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela.

A promessa estava feita, e ao longo dos séculos seria executada cada letra e cada jota da sentença divina. Pedro deveria representar uma nova diretriz, e, através de seu testemunho de homem forte e impetuoso, o mundo conheceria, finalmente, a mensagem da imortalidade.

Foi-se confirmando a tarefa de Pedro, que, em muitas ocasiões, seria por Jesus distinguido dos demais apóstolos. Assim, é da barca de Pedro que Jesus evangeliza a multidão no litoral. É a Pedro que Ele dá a ordem de lançar a rede, no episódio que ficaria conhecido como a pesca milagrosa. É a Pedro que o Mestre sustêm sobre as ondas.

Negou a causa cristã, ao negar a Cristo, embora agindo assim não apagasse totalmente a chama da revolução dentro do peito, essa obstinada vontade que sufoca alguns seres humanos. Levantou-se numa epifania paradisíaca, inebriado pelo sonho de futuro, quando a promessa do Cristo seria plenamente realizada.

Com seu gênio forte e espírito já experiente, Simão Pedro retorna à pátria espiritual. Na hora derradeira, sob o olhar do Coliseu romano, é crucificado de cabeça para baixo, conforme seu próprio pedido, pois sua consciência não lhe permitia ser martirizado da mesma maneira como fora seu Mestre. O apóstolo trazia impressa na memória a negação tripla que lhe marcava a alma.

Retorna ao mundo algumas vezes, preparando-se para o porvir. Através da reencarnação, nasce novamente. Nas terras da Boêmia, em meio ao ambiente opressor e às nuvens medievais, surge João Huss. Queimado na fogueira devido ao seu gênio ímpar, que se rebela contra os abusos da igreja secular, o apóstolo renasce das cinzas feito fênix e retorna à pátria espiritual como espírito liberto, seguidor incondicional do Cristo. Esperaria, entre as falanges do Consolador, o momento propício para retornar à Terra e dar o testemunho supremo da mensagem cristã.

Quando o mundo estava mergulhado nas trevas da ignorância e os povos haviam esquecido os ensinamentos do Mestre. Jesus chamou a si a falange de trabalhadores imortais. Era necessário dar um sopro renovador e um novo alento à humanidade. Na reunião memorável, ouvia-se o pronunciamento do Mestre:

- Preciso de um espírito experiente, alguém forte e corajoso, que, embora tendo experimentado as quedas humanas, seja um marco da nova revelação. Há que ter muita força para enfrentar as marés de dificuldades e para não fraquejar diante das provações difíceis que se abaterão sobre ele.

A assembléia de espíritos iluminados permanecia em silêncio. Após o Senhor da vida falar a respeito das virtudes necessárias para a nova tarefa, em meio à multidão de espíritos elevados surge a figura de Pedro. Cabelos alvos e olhar firme e determinado.

O Mestre sorri e abraça-lhe o espírito resoluto.

No íntimo, o apóstolo recorda as palavras proféticas do Cristo, centenas de anos atrás: "Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha igreja ... ".

- Aqui estou, Senhor; se quiser, envia-me! - as palavras de Pedro eram seguras.

Jesus sabia que poderia confiar plenamente nele.

Aquela era uma assembléia de luz que preparava a nova fase de evolução do mundo. Abraçado por Jesus, Simão é conduzido ao aconchego de um útero materno, e, nove meses mais tarde, o mundo recebe em seu regaço Hippolyte Léon Denizard Rivail.

Allan Kardec ressurge com o gênio empreendedor e arrojado. Séculos após negar Jesus, o espírito do apóstolo retoma e, dotado da mais impávida lucidez, demonstra irremediavelmente a vida espiritual e os conceitos incompreendidos da mensagem do Evangelho. Se, no passado, negara a experiência concreta com o Galileu, declara agora, com certeza inabalável, a existência da realidade extrafísica - e vai ainda mais adiante. Traça relações estreitas entre a dimensão do espírito e a vida humana e extrai conclusões, sempre com lógica cristalina e coragem surpreendente, que abalam seriamente as convicções da razão pretensiosa, materialista. De modo inédito na história terrena, retira do domínio do fantástico, do maravilhoso e do místico as manifestações da vida imortal, rompendo séculos de ostracismo com argumentos que ninguém pôde refutar. Devolve à mensagem de Jesus o status pungente e atual que sempre possuiu, apresentando-a como algo muito mais abrangente, sem circunscrevê-la à esfera religiosa, secular. Sobre a pedra sólida do alicerce kardequiano, é erguida a universal igreja de Jesus, sob a égide do espiritismo.

Estevão