O
ESPIRITISMO EM SUA EXPRESSÃO MAIS SIMPLES |
O
ESPIRITISMO EM SUA EXPRESSÃO MAIS SIMPLES - ALLAN KARDEC
ÍNDICE
Prefácio
CAPÍTULO
1 = Histórico do Espiritismo
CAPÍTULO 2 = Resumo do ensinamento dos Espíritos
CAPÍTULO 3 = Máximas extraídas do ensinamento dos Espíritos
Prefácio
Em Janeiro de 1862, Allan Kardec publicou, na "Revista Espírita",
o seguinte comentário sobre o livreto O Espiritismo em Sua Expressão
Mais Simples, que acabava de editar:
"O objetivo desta publicação é dar, num quadro muito
sucinto, o histórico do Espiritismo e uma idéia suficiente da
Doutrina dos Espíritos, para que se lhe possa compreender o objetivo
moral e filosófico. Pela clareza e pela simplicidade do estilo, procuramos
pô-lo ao alcance de todas as inteligências. Contamos com o zelo
de todos os verdadeiros Espíritas para ajudar a sua propagação."
Inegavelmente, este opúsculo, de fácil leitura e acessível
a todos os intelectos, propicia ao leitor uma visão muito clara da majestosidade
da Doutrina dos Espíritos.
A agitação do mundo contemporâneo faz com que muitos homens
não encontrem tempo para a leitura de livros substanciosos como o são
as cinco monumentais obras que formam a Codificação Kardequiana;
por isso, Allan Kardec, com o objetivo de facilitar o conhecimento do Espiritismo,
ainda que de forma bastante superficial, houve por bem lançar esse pequeno
livro, que encerra uma súmula dessa maravilhosa Doutrina. Temos certeza
plena de que os que lerem este opúsculo se sentirão atraídos
para a leitura de todas as demais obras espíritas.
Essa iniciativa de Allan Kardec demonstra o seu empenho em desvendar aos homens
a excelência de uma Doutrina que emanou do Mundo Maior sob a égide
do Espírito de Verdade, e que tem por escopo básico descerrar
uma ponta do véu que encobria aquilo que os nossos antepassados consideravam
mistério, as grandes verdades que o mundo precisa conhecer, a fim de
se libertar do obscurantismo, pelo conhecimento da verdade, conforme preceituou
o nosso Mestre Jesus Cristo.
O leitor deste opúsculo, tomando conhecimento do seu conteúdo,
poderá ter a certeza de que adentrou o terreno de um conhecimento novo,
que muito o ajudará a desvendar e equacionar coisas que falam muito de
perto aos seus problemas morais e espirituais.
Na época, quando Allan Kardec escreveu este opúsculo, ainda não
fora dado a lume O Evangelho Segundo o Espiritismo; portanto, o leitor terá
muito mais a aprender ao ler essa monumental obra do Codificador, identificando-se
com os ensinamentos de Jesus, à luz da Terceira
Revelação. A leitura de O Espiritismo em Sua Expressão
Mais Simples fará com que o leitor se prepare para assimilar conhecimentos
ainda mais elevados, que abrirão novos horizontes no roteiro que leva
as nossas almas ao Criador de todas as coisas, pela senda penosa, mas redentora,
da evolução espiritual.
Paulo Alves Godoy
1 - Histórico do Espiritismo
Por volta de 1848, chamou-se a atenção, nos Estados Unidos, para
diversos fenômenos estranhos que consistiam em ruídos, batidas
e movimento de objetos sem causa conhecida. Esses fenômenos aconteciam
com freqüência, espontaneamente, com uma intensidade e persistência
singulares; mas notou-se também que ocorriam particularmente sob a influência
de certas pessoas, às quais se deu o nome de médiuns, que podiam
de certa forma provocá-los à vontade, o que permitiu repetir as
experiências. Para isso usaram-se sobretudo mesas; não que este
objeto seja mais favorável que um outro, mas somente porque ele é
móvel, é mais cômodo, e porque é mais fácil
e natural sentar-se em volta de uma mesa que de qualquer outro móvel.
Obteve-se dessa forma a rotação da mesa, depois movimentos em
todos os sentidos, saltos, reversões, flutuações, golpes
dados com violência, etc. O fenômeno foi designado, a princípio,
com o nome de mesas girantes ou dança das mesas(1).
Até então, o fenômeno podia explicar-se perfeitamente por
uma corrente elétrica ou magnética, ou pela ação
de um fluído desconhecido, e esta foi aliás a primeira opinião
formada. Mas não se demorou a reconhecer, nesses fenômenos, efeitos
inteligentes; assim, o movimento obedecia à vontade; a mesa ia para a
direita ou para a esquerda, em direção a uma pessoa designada,
ficava sobre um ou dois pés sob comando; batia no chão o número
de vezes pedido, batia regularmente, etc. Ficou então evidente que a
causa não era puramente física e, a partir do axioma: Se todo
efeito tem uma causa, todo efeito inteligente deve ter uma causa inteligente,
concluiu-se que a causa desse fenômeno devia ser uma inteligência.
Qual era a natureza dessa inteligência? Era essa a questão. A primeira
idéia foi que podia ser um reflexo da inteligência do médium
ou dos assistentes, mas a experiência demonstrou logo a impossibilidade
disso, porque se obtiveram coisas completamente fora do pensamento e dos conhecimentos
das pessoas presentes, e até em contradição com suas idéias,
vontade e desejo; ela só podia, então, pertencer a um ser invisível.
O meio de certificar-se era bem simples: bastava iniciar uma conversa com essa
entidade, o que foi feito por meio de um número convencional de batidas
significando sim ou não, ou designando as letras do alfabeto; obtiveram-se,
dessa forma; respostas para as diversas questões que se lhe dirigiam.
O fenômeno foi designado pelo nome de mesas falantes. Todos os seres que
se comunicaram dessa forma, interrogados sobre sua natureza, declararam ser
Espíritos e pertencer ao mundo invisível. Como se tratava de efeitos
produzidos em um grande número de localidades, pela intervenção
de pessoas diferentes, e observados por homens muito sérios e esclarecidos,
não era possível que fossem um jogo de ilusão.
Da América esse fenômeno passou para a França e o resto
da Europa onde, por alguns anos, as mesas girantes e falantes estiveram na moda
e se tornaram o divertimento dos salões; depois, quando as pessoas se
cansaram, deixaram-nas de lado, em busca de outra distração.
O fenômeno não demorou a apresentar-se sob um novo aspecto que
o fez sair do domínio da simples curiosidade. Os limites deste resumo
não nos permitem segui-lo em todas as suas fases; assim passamos, sem
transição, para o que ele oferece de mais característico,
para o que atraiu sobremaneira a atenção das pessoas sérias(2).
Salientemos, antes, que a realidade do fenômeno encontrou numerosos opositores;
alguns, sem levar em conta a preocupação desinteressada e a honradez
dos experimentadores, só enxergaram uma fraude, uma hábil sutileza.
Os que não admitem nada fora da matéria, que só acreditam
no mundo visível, que acham que tudo morre com o corpo, os materialistas,
em resumo os que se qualificam de espíritos fortes, repeliram a existência
dos Espíritos invisíveis para o campo das fábulas absurdas;
tacharam de loucos os que levavam a coisa a sério, e os cumularam de
sarcasmos e zombarias. Outros; não podendo negar os fatos, e sob o império
de certas idéias, atribuíram esses fenômenos à influência
exclusiva do diabo e procuraram, assim, assustar os tímidos. Mas hoje
o medo do diabo perdeu singularmente seu prestígio; falaram tanto dele,
pintaram-no de tantos modos, que as pessoas se familiarizaram com essa idéia
e muitos acharam que era preciso aproveitar a ocasião para ver o que
ele é realmente.
Resultou que, à parte de um pequeno número de mulheres timoratas,
o anúncio da chegada do verdadeiro diabo tinha algo de picante para aqueles
que só o tinham visto em quadros ou no teatro; ele foi para muita gente
um poderoso estimulante, de modo que os que quiseram levantar, por esse meio,
uma barreira às novas idéias, agiram contra seu próprio
objetivo e tornaram-se, sem o querer, agentes propagadores tanto mais eficazes
quanto mais forte gritavam. Os outros críticos não tiveram sucesso
maior porque, aos fatos constatados, com raciocínios categóricos,
só puderam opor denegações. Leiam o que eles publicaram
e em toda parte encontrarão a prova da ignorância e a falta de
observação séria dos fatos(3); em nenhum lugar, uma demonstração
peremptória de sua impossibilidade. Toda a argumentação
deles resume-se assim: "Eu não acredito, então não
existe; todos os que acreditam são loucos; somente nós temos o
privilégio da razão e do bom senso." O número dos
adeptos feitos pela crítica séria ou burlesca é incalculável,
porque em todas elas só se encontram opiniões pessoais, vazias
de provas em contrário. Continuemos com nossa exposição.
As comunicações por batidas eram lentas e incompletas; verificou-se
que, adaptando um lápis a um objeto móvel (cesto, prancheta ou
um outro, sobre os quais se colocavam os dedos), esse objeto começava
a movimentar-se e traçava sinais. Mais tarde verificou-se que esses objetos
eram tão-somente acessórios que podiam ser dispensados; a experiência
demonstrou que o Espírito, que agia sobre um corpo inerte dirigindo-o
à vontade, podia agir da mesma forma sobre o braço ou a mão,
conduzindo o lápis. Tivemos então médiuns escritores, ou
seja, pessoas que escreviam de modo involuntário, sob o impulso dos Espíritos,
de que eram instrumentos e intérpretes. A partir daí, as comunicações
não tiveram mais limites, e a troca de pensamentos pode-se fazer com
tanta rapidez e desenvolvimento quanto entre os vivos. Era um vasto campo aberto
à exploração, a descoberta de um mundo novo: o mundo dos
invisíveis, assim como o microscópio tinha desvendado o mundo
dos infinitamente pequenos.
Que são esses Espíritos? Que papel desempenham no Universo? Com
que propósito se comunicam com os mortais? Tais eram as primeiras questões
que se impunham resolver. Soube-se logo, por eles mesmos, que não se
trata de seres à parte na criação, mas das próprias
almas daqueles que viveram na Terra ou em outros mundos; que essas almas, depois
de terem despojado de seu envoltório corporal, povoam e percorrem o espaço.
Não houve mais possibilidade de dúvidas quando se reconheceram,
entre eles, parentes e amigos, com quem se pôde conversar; quando estes
vieram dar prova de sua existência, demonstrar que a morte para eles foi
só do corpo, que sua alma ou Espírito continua a viver que estão
ali junto de nós, vendo-nos e observando-nos como quando eram vivos,
cercando de solicitude aqueles que amaram, e cuja lembrança é
para eles uma doce satisfação.
Geralmente fazemos dos Espíritos uma idéia completamente falsa;
eles não são, como muitos imaginam, seres abstratos, vagos e indefinidos,
nem algo como um clarão ou uma centelha; são, ao contrário,
seres muito reais, com sua individualidade e uma forma determinada. Podemos
ter uma idéia aproximada pela explicação seguinte:
Há no homem três coisas essenciais: 1º) a Alma ou Espírito,
princípio inteligente em que residem o pensamento, a vontade e o senso
moral; 2º) o corpo, envoltório material, pesado e grosseiro, que
coloca o Espírito em relação com o mundo exterior; 3º)
o perispírito, envoltório fluídico, leve, que serve de
laço e intermediário entre o Espírito e o corpo. Quando
o envoltório exterior está gasto e não pode mais funcionar,
ele cai e o Espírito despoja-se dele como o fruto de sua casca, a árvore
de sua crosta; em resumo, como se abandona uma roupa velha que não serve
mais; é a isso que chamamos morte(4).
A morte, portanto, não passa da destruição do grosseiro
envoltório do Espírito - só o corpo morre, o Espírito
não. Durante a vida o Espírito está de certa forma limitado
pelos laços da matéria a que está unido e que, muitas vezes,
paralisa suas faculdades; a morte do corpo desembaraça-o de seus laços;
ele se liberta e recupera sua liberdade, como a borboleta saindo de sua crisálida.
Mas ele só abandona o corpo material; conserva o perispírito,
que constitui para ele uma espécie de corpo etéreo, vaporoso,
imponderável para nós e de forma humana, que parece ser a forma-tipo.
Em seu estado normal, o perispírito é invisível, mas o
Espírito pode fazer com que sofra certas modificações que
o tornam momentaneamente acessíveis à vista e até ao contato,
como acontece com o vapor condensado; é assim que eles podem às
vezes mostrar-se a nós em aparições. É com a ajuda
do perispírito que o Espírito age sobre a matéria inerte
e produz os diversos fenômenos de ruído, de movimento, de escrita,
etc.
As batidas e movimentos são, para os Espíritos, meios de atestar
sua presença e chamar para si a atenção, exatamente como
quando uma pessoa bate para avisar que há alguém. Há os
que não se limitam a ruídos moderados, mas que chegam a fazer
um alarido como de louça quebrando, de portas que se abrem e se fecham,
ou de móveis derrubados.
Através de batidas e movimentos combinados eles puderam exprimir seus
pensamentos, mas a escrita lhes oferece o meio completo, mais rápido
e mais cômodo; é o que eles preferem(5). Pela mesma razão
que podem formar caracteres, podem guiar a mão para traçar desenhos,
escrever música, executar uma peça em um instrumento, em resumo,
na falta do próprio corpo, que não têm mais, usam o do médium
para manifestar-se aos homens de uma maneira sensível.
Os Espíritos podem ainda manifestar-se de várias maneiras, entre
outras pela visão e pela audição. Certas pessoas, ditas
médiuns auditivos, têm a faculdade de ouvi-los e podem, assim,
conversar com eles; outras os vêem - são os médiuns videntes.
Os Espíritos que se manifestam à visão apresentam-se geralmente
sob forma análoga à que tinham quando vivos, porém vaporosa;
outras vezes, essa forma tem toda a aparência de um ser vivo, a ponto
de iludir completamente, tanto que algumas vezes foram tomados por criaturas
de carne e osso, com as quais se pôde conversar e trocar apertos de mãos,
sem se suspeitar que se tratava de Espíritos, a não ser em razão
de seu desaparecimento súbito(6).
A visão permanente e geral dos Espíritos é bem rara, mas
as aparições individuais são bastante frequentes, sobretudo
no momento da morte; o Espírito liberto parece ter pressa de rever seus
parentes e amigos, como para avisá-los que acaba de deixar a terra e
dizer-lhes que continua vivendo.
Que cada um junte suas lembranças, e veremos quantos fatos autênticos
desse tipo, de que não nos apercebíamos, aconteceram não
só à noite, durante o sono, mas em pleno dia e no estado mais
completo de vigília.
Outrora víamos esses fatos como sobrenaturais e maravilhosos, e os atribuíamos
à magia e à feitiçaria; hoje, os incrédulos os atribuem
à imaginação; mas desde que a ciência espírita
nos deu a chave, sabemos como se produzem e que não saem da ordem dos
fenômenos naturais.
Acreditamos ainda que os Espíritos, só pelo fato de serem Espíritos,
devem ser donos da soberana ciência e da soberana sabedoria: é
um erro que a experiência não tardou a demonstrar. Entre as comunicações
feitas pelos Espíritos, algumas são sublimes de profundidade,
eloqüência, sabedoria, moral, e só respiram bondade e benevolência;
mas, ao lado dessas, há aquelas muito vulgares, fúteis, triviais,
grosseiras até, pelas quais o Espírito revela os mais perversos
instintos. Fica então evidente que elas não podem emanar da mesma
fonte e que, se há bons Espíritos, há, também, maus.
Os Espíritos, não sendo mais que as almas dos homens, naturalmente
não podem tornar-se perfeitos ao abandonar seu corpo; até que
tenham progredido, conservam as imperfeições da vida corpórea;
é por isso que os vemos em todos os graus de bondade e maldade, de saber
e ignorância.
Os Espíritos geralmente se comunicam com prazer, constituindo para eles
uma satisfação ver que não foram esquecidos; descrevem
de boa vontade suas impressões ao deixar a Terra, sua nova situação,
a natureza de suas alegrias e sofrimentos no mundo em que se encontram. Uns
são muito felizes, outros infelizes, alguns até sofrem horríveis
tormentos, segundo a maneira como viveram e o emprego bom ou mau, útil
ou inútil que fizeram da vida. Observando-os em todas as fases de sua
nova existência, de acordo com a posição que ocuparam na
terra, seu tipo de morte, seu caráter e seus hábitos como homens,
chegamos a um conhecimento senão completo, pelo menos bastante preciso
do mundo invisível, para termos a explicação do nosso estado
futuro e pressentir o destino feliz ou infeliz que lá nos espera.
As instruções dadas pelos Espíritos de categoria elevada
sobre todos os assuntos que interessam à humanidade, as respostas que
eles deram às questões que lhes foram propostas, foram recolhidas
e coordenadas com cuidado, constituindo toda uma ciência, toda uma doutrina
moral e filosófica, sob o nome de Espiritismo. O Espiritismo é,
pois, a doutrina fundada na existência, nas manifestações
e no ensinamento dos Espíritos.
Esta doutrina acha-se exposta de modo completo em O Livro dos Espíritos,
quanto à sua parte filosófica; em O Livro dos Médiuns,
quanto à parte prática e experimental; e em O Evangelho segundo
o Espiritismo, quanto à parte moral. Podemos avaliar, pela análise
que faremos abaixo dessas obras, a variedade, a extensão e a importância
dos assuntos que a doutrina envolve.
Como vimos, o Espiritismo teve seu ponto de partida no fenômeno vulgar
das mesas girantes; mas como esses fatos falam mais aos olhos que à inteligência,
despertam mais curiosidade que sentimento, satisfeita a curiosidade, fica-se
menos interessado, na medida de nossa falta de compreensão. A situação
mudou quando a teoria veio explicar a causa; sobretudo quando se viu que dessas
mesas girantes com as quais as pessoas se divertiram algum tempo, saia toda
uma doutrina moral que fala à alma, dissipando as angústias da
dúvida, satisfazendo a todas as aspirações deixadas no
vácuo por um ensinamento incompleto sobre o futuro da humanidade, as
pessoas sérias acolheram a nova doutrina como um benefício e,
a partir de então, longe de declinar, ela cresceu com incrível
rapidez.
No espaço de alguns anos conseguiu adesões em todos os países
do mundo, sobretudo entre as pessoas esclarecidas, inúmeros partidários
que aumentam todos os dias em uma proporção extraordinária,
de tal forma que hoje pode-se dizer que o Espiritismo conquistou direito de
cidadania(7). Ele está assentado em bases que desafiam os esforços
de seus adversários mais ou menos interessados em combatê-lo e
a prova é que os ataques e críticas não retardaram sua
marcha um só instante - este é um fato obtido da experiência,
cujo motivo os oponentes nunca puderam explicar; os espíritas dizem simplesmente
que, se ele se propaga apesar da crítica, é que o acham bom e
que se prefere seu modo de raciocinar ao de seus contestadores.
O Espiritismo, entretanto, não é uma descoberta moderna; os fatos
e princípios sobre os quais ele repousa perdem-se na noite dos tempos,
pois encontramos seus vestígios nas crenças de todos os povos,
em todas as religiões, na maior parte dos escritores sagrados e profanos;
só que os fatos, não completamente observados, foram muitas vezes
interpretados segundo as idéias supersticiosas da ignorância, e
não foram deduzidas todas as suas conseqüências.
Com efeito, o Espiritismo está fundado sobre a existência dos Espíritos,
mas os Espíritos não sendo mais que as almas dos homens, desde
que há homens, há Espíritos; o Espiritismo nem os descobriu,
nem os inventou. Se as almas ou Espíritos podem manifestar-se aos vivos,
é que isso é natural e, portanto, eles devem tê-lo feito
todo o tempo; assim, em qualquer época e qualquer lugar encontramos a
prova dessas manifestações abundantes, sobretudo nos relatos bíblicos.
O que é moderno é a explicação lógica dos
fatos, o conhecimento mais completo da natureza dos Espíritos, de seu
papel e seu modo de ação, a revelação de nosso estado
futuro, enfim, sua constituição em corpo de ciência e de
doutrina e suas diversas aplicações. Os Antigos conheciam o princípio,
os Modernos conhecem os detalhes. Na Antigüidade, o estudo desses fenômenos
constituía o privilégio de certas castas que só os revelavam
aos iniciados em seus mistérios; na Idade Média, os que se ocupavam
ostensivamente com isso eram tidos como feiticeiros e, por isso, queimados;
mas hoje não há mistérios para ninguém, não
se queima mais ninguém; tudo se passa claramente e todo mundo pode esclarecer-se
e praticá-lo, pois há médiuns em toda parte.
A própria doutrina que os espíritos ensinam hoje não tem
nada de novo; é encontrada em fragmentos na maior parte dos filósofos
da Índia, do Egito e da Grécia, e inteira no ensinamento de Cristo.
Então o que vem fazer o Espiritismo? Vem confirmar novos testemunhos,
demonstrar, por fatos, verdades desconhecidas ou mal compreendidas, restabelecer
em seu verdadeiro sentido as que foram mal interpretadas.
O Espiritismo não ensina nada de novo, é verdade; mas não
é nada provar de modo patente, irrecusável, a existência
da alma, sua sobrevivência ao corpo, sua individualidade depois da morte,
sua imortalidade, as penas e recompensas futuras? Quanta gente acredita nessas
coisas, mas acredita com um vago pensamento dissimulado de incerteza, e diz
em seu foro íntimo: "E se não fosse assim?" Quantos
não foram levados à incredulidade porque lhes apresentaram o futuro
sob um aspecto que sua razão não podia admitir?
Então, não é nada que o crente vacilante possa dizer: "Agora
tenho certeza!", que o cego reveja a luz? Pelos fatos e por sua lógica,
o Espiritismo vem dissipar a ansiedade da dúvida e trazer de volta à
fé aquele que dela se afastou; revelando-nos a existência do mundo
invisível que nos rodeia, e no meio do qual vivemos sem suspeitar, ele
nos dá a conhecer, pelo exemplo dos que viveram, as condições
de nossa felicidade ou infelicidade futura; ele nos explica a causa de nossos
sofrimentos aqui na terra e o meio de amenizá-los. Sua propagação
terá por efeito inevitável a destruição das doutrinas
materialistas, que não podem resistir à evidência. O homem,
convencido da grandeza e da importância de sua existência futura,
que é eterna, compara-a com a incerteza da vida terrestre, que é
tão curta, e eleva-se, pelo pensamento, acima das mesquinhas considerações
humanas; conhecendo a causa e o propósito de suas misérias, ele
as suporta com paciência e resignação, porque sabe que elas
são um meio de chegar a um estado melhor. O exemplo daqueles que vêm
do além-túmulo descrever suas alegrias e dores, provando a realidade
da vida futura, prova ao mesmo tempo que a justiça de Deus não
deixa nenhum vício sem punição e nenhuma virtude sem recompensa.
Acrescentemos, finalmente, que as comunicações com os seres queridos
que perdemos acarretam uma doce consolação, provando não
só que eles existem, mas que estamos menos separados deles que se estivessem
vivos num país estrangeiro.
Em resumo, o Espiritismo suaviza a amargura das tristezas da vida; acalma os
desesperos e as agitações da alma, dissipa as incertezas ou os
terrores do futuro, elimina o pensamento de abreviar a vida pelo suicídio;
da mesma forma torna felizes os que aderem a ele, e está aí o
grande segredo de sua rápida propagação.
Do ponto de vista religioso, o Espiritismo tem por base as verdades fundamentais
de todas as religiões: Deus, a alma, a imortalidade, as penas e as recompensas
futuras; mas é independente de qualquer culto particular.
Seu propósito é provar, aos que negam ou duvidam que a alma existe,
que ela sobrevive ao corpo, que ela sofre depois da morte as conseqüências
ao bem e do mal que fez durante a vida corpórea; ora, isto é de
todas as religiões.
Como crença nos espíritos, também não se afasta
de qualquer religião, ou de qualquer povo, porque em todo lugar onde
há homens há almas ou espíritos; que as manifestações
são de todos os tempos, e o relato delas acha-se em todas as religiões,
sem exceção. Pode-se, portanto, ser católico, grego ou
romano, protestante, judeu ou muçulmano, e acreditar nas manifestações
dos espíritos, e conseqüentemente ser Espírita; a prova é
que o Espiritismo tem aderentes em todas as seitas(8).
Como moral, ele é essencialmente cristão, porque a doutrina que
ensina é tão-somente o desenvolvimento e a aplicação
da do Cristo, a mais pura de todas, cuja superioridade não é contestada
por ninguém, prova evidente de que é a lei de Deus; ora, a moral
está a serviço de todo mundo.
O Espiritismo, sendo independente de qualquer forma de culto, não prescrevendo
nenhum deles, não se ocupando de dogmas particulares, não é
uma religião especial, pois não tem nem seus padres nem seus templos.
Aos que indagam se fazem bem em seguir esta ou aquela prática, ele responde:
Se sua consciência pede para fazê-lo, faça-o; Deus sempre
leva em conta a intenção. Em resumo, ele não se impõe
a ninguém; não se destina àqueles que têm fé
ou àqueles a quem essa fé basta, mas à numerosa categoria
dos inseguros e dos incrédulos; ele não os tira da Igreja, visto
que eles se separaram dela moralmente em tudo, ou em parte; ele os faz percorrer
os três quartos do caminho para entrar nela; cabe a ela fazer o resto.
O Espiritismo combate, é verdade, certas crenças como a eternidade
das penas, o fogo material do inferno, a personalidade do diabo, etc.; mas não
é certo que essas crenças, impostas como absolutas, sempre fizeram
incrédulos e continuam a fazê-los? Se o Espiritismo, dando desses
dogmas e de alguns outros uma interpretação racional, devolve
à fé aqueles que dela desertaram não está prestando
serviço à religião? Assim, um venerável eclesiástico
dizia a esse respeito: "O Espiritismo faz acreditar em alguma coisa; ora,
é melhor acreditar em alguma coisa que não acreditar em absolutamente
nada."
Os Espíritos não sendo senão almas, não se pode
negar os Espíritos sem negar a alma. Sendo admitidas as almas ou Espíritos,
a questão reduzida à sua mais simples expressão é
esta: As almas dos que morreram podem comunicar-se com os vivos? O Espiritismo
prova a afirmativa pelos fatos materiais; que prova se pode dar de que isso
não é possivel? Se assim é, todas as negações
do mundo não impedirão que assim seja, pois não se trata
nem de um sistema, nem de uma teoria, mas de uma lei da natureza; ora, contra
as leis da natureza, a vontade do homem é impotente; é preciso,
querendo ou não, aceitar suas conseqüências, e adequar suas
crenças e seus hábitos.
2 - Resumo do ensinamento dos Espíritos
1. Deus é a inteligência suprema, causa primeira de todas as coisas.
Deus é eterno, único, imaterial, imutável, todo-poderoso,
soberanamente justo e bom. Deve ser infinito em todas as suas perfeições,
pois se supuséssemos um único de seus atributos imperfeito, ele
não seria mais Deus.
2. Deus criou a matéria que constitui os mundos; também criou
seres inteligentes que chamamos de Espíritos, encarregados de administrar
os mundos materiais segundo as leis imutáveis da criação,
e que são perfectíveis por sua natureza. Aperfeiçoando-se,
eles se aproximam da Divindade.
3. O espírito propriamente dito é o princípio inteligente;
sua natureza íntima nos é desconhecida; para nós ele é
imaterial, porque não tem nenhuma analogia com o que chamamos matéria.
4. Os Espíritos são seres individuais; têm um envoltório
etéreo, imponderável, chamado perispírito, espécie
de corpo fluídico, semelhante à forma humana. Povoam os espaços,
que percorrem com a rapidez do raio, e constituem o mundo invisível.
5. A origem e o modo de criação dos Espíritos nos são
desconhecidos; só sabemos que são criados simples e ignorantes,
quer dizer, sem ciência e sem conhecimento do bem e do mal, mas com igual
aptidão para tudo, pois Deus, em sua justiça, não podia
isentar uns do trabalho que teria imposto aos outros para chegar à perfeição.
No princípio, ficam em uma espécie de infância, sem vontade
própria e sem consciência perfeita de sua existência.
6. Desenvolvendo-se o livre arbítrio nos Espíritos ao mesmo tempo
que as idéias, Deus lhes diz: "Vocês podem aspirar à
felicidade suprema, assim que tiverem adquirido os conhecimentos que lhes faltam
e cumprido a tarefa que lhes imponho. Então trabalhem para seu engrandecimento;
este é o objetivo; irão atingi-lo seguindo as leis que gravei
em sua consciência." Em conseqüência de seu livre arbítrio,
uns tomam o caminho mais curto, que é o do bem, outros o mais longo,
que é o do mal.
7. Deus não criou o mal; estabeleceu leis, e essas leis são sempre
boas, porque ele é soberanamente bom; aquele que as observasse fielmente
seria perfeitamente feliz; mas os Espíritos, tendo seu livre arbítrio,
nem sempre as observaram, e o mal veio de sua desobediência. Pode-se então
dizer que o bem é tudo o que é conforme à lei de Deus e
o mal tudo o que é contrário a essa mesma lei.
8. Para cooperar, como agentes do poder divino, com a obra dos mundos materiais,
os Espíritos revestem-se temporariamente de um corpo material. Pelo trabalho
de que sua existência corpórea necessita, eles aperfeiçoam
sua inteligência e adquirem, observando a lei de Deus, os méritos
que devem conduzi-los à felicidade eterna.
9. A encarnação não foi imposta ao Espírito, no
princípio, como uma punição; ela é necessária
ao seu desenvolvimento e para a realização das obras de Deus,
e todos devem resignar-se a ela, tomem o caminho do bem ou do mal; só
que os que seguem o caminho do bem, avançando mais rapidamente, demoram
menos a chegar ao fim e lá chegam em condições menos penosas.
10. Os Espíritos encarnados constituem a humanidade, que não está
circunscrita à Terra, mas que povoa todos os mundos disseminados pelo
espaço.
11. A alma do homem é um Espírito encarnado. Para auxiliá-lo
no cumprimento de sua tarefa; Deus lhe deu, como auxiliares, os animais; que
lhe são submissos e cuja inteligência e caráter são
proporcionais às suas necessidades.
12. O aperfeiçoamento do Espírito é o fruto de seu próprio
trabalho; não podendo, em uma única existência corpórea,
adquirir todas as qualidades morais e intelectuais que devem conduzi-lo ao objetivo,
ele aí chega por uma sucessão de existências, dando em cada
uma delas alguns passos adiante no caminho do progresso.
13. Em cada existência corpórea o Espírito deve cumprir
uma missão proporcional a seu desenvolvimento; quanto mais ela for rude
e laboriosa, maior seu mérito em cumpri-la. Cada existência é,
assim, uma prova que o aproxima do alvo. O número de suas existências
é indeterminado. Depende da vontade do Espírito de abreviá-las,
trabalhando ativamente em seu aperfeiçoamento moral; assim como depende
da vontade do operário que tem de realizar um trabalho abreviar o número
de dias para sua execução.
14. Quando uma existência foi mal empregada, não aproveitou o Espírito,
que deve recomeçá-la em condições mais ou menos
penosas, em razão de sua negligência e de sua má vontade;
assim é que, na vida, podemos ser obrigados a fazer no dia seguinte o
que não fizemos no anterior, ou a refazer o que fizemos mal.
15. A vida espiritual é a vida normal do Espírito: ela é
eterna; a vida corpórea é transitória e passageira: é
apenas um instante na eternidade.
16. No intervalo de suas existências corpóreas, o Espírito
é errante. Não por duração determinada; nesse estado
o espírito é feliz ou infeliz de acordo com o bom ou mau emprego
de sua última existência; ele estuda as causas que apressaram ou
retardaram seu desenvolvimento; toma resoluções que tentará
pôr em prática na próxima encarnação e escolhe,
ele mesmo, as provas que considera mais adequadas ao seu progresso; mas algumas
vezes ele se engana, ou sucumbe não mantendo como homem as resoluções
que tomou como Espírito.
17. O Espírito culpado é punido pelos sofrimentos morais no mundo
dos Espíritos, e pelas penas físicas na vida corpórea.
Suas aflições são conseqüências de suas faltas,
quer dizer, de sua infração à lei de Deus; de modo que
constituem simultaneamente uma expiação do passado e uma prova
para o futuro é assim que o orgulhoso pode ter uma existência de
humilhação, o tirano uma vida de servidão; o rico mau uma
encarnação de miséria.
18. Há mundos apropriados aos diferentes graus de avanço dos Espíritos,
onde a existência corpórea acha-se em condições muito
diferentes. Quanto menos o Espírito é adiantado, mais os corpos
de que se reveste são pesados e materiais; à medida em que se
purifica, passa para mundos superiores moral e fisicamente. A Terra não
é o primeiro nem o último, mas um dos mundos mais atrasados.
19. Os Espíritos culpados são encarnados em mundos menos adiantados,
onde expiam suas faltas pelas tribulações da vida material. Esses
mundos são para eles verdadeiros purgatórios, dos quais depende
deles sair, trabalhando em seu progresso moral. A Terra é um desses mundos.
20. Deus, sendo soberanamente justo e bom, não condena suas criaturas
a castigos perpétuos pelas faltas temporárias; oferece-lhes em
qualquer ocasião meios de progredir e reparar o mal que elas praticaram.
Deus perdoa, mas exige o arrependimento, a reparação e o retorno
ao bem, de modo que a duração do castigo é proporcional
à persistência do Espírito no mal; conseqüentemente,
o castigo seria eterno para aquele que permanecesse eternamente no mau caminho,
mas, assim que um sinal de arrependimento entra no coração do
culpado, Deus estende sobre ele sua misericórdia. A eternidade das penas
deve assim ser entendida no sentido relativo, e não no sentido absoluto.
21. Os Espíritos, encarnando-se, trazem com eles o que adquiriram em
suas existências precedentes; é a razão por que os homens
mostram instintivamente aptidões especiais; inclinações
boas ou más que lhes parecem inatas. As más inclinações
naturais são os vestígios das imperfeições do Espírito,
dos quais ele não se despojou inteiramente; são também
os indícios das faltas que ele cometeu, e o verdadeiro pecado original.
A cada existência ele deve lavar-se de algumas impurezas.
22. O esquecimento das existências anteriores é uma graça
de Deus que, em sua bondade, quis poupar ao homem lembranças freqüentemente
penosas. Em cada nova existência, o homem é o que ele fez de si
mesmo; é para ele um novo ponto de partida - ele conhece seus defeitos
atuais, sabe que esses defeitos são a conseqüência dos que
tinha, tira conclusões do mal que pôde ter cometido, e isso lhe
basta para trabalhar, corrigindo-se. Se tinha outrora defeitos que não
tem mais, não tem mais que preocupar-se com eles; bastam-lhe as imperfeições
presentes.
23. Se a alma ainda não existiu, é que foi criada ao mesmo tempo
que o corpo; nessa suposição, ela não pode ter nenhuma
relação com as que a precederam. Pergunta-se, então, como
Deus, que é soberanamente justo e bom, pode tê-la feito responsável
pelo erro do pai do gênero humano, maculando-a com um pecado original
que ela não cometeu. Dizendo, ao contrário, que ela traz ao renascer
o germe das imperfeições de suas existências anteriores,
que ela sofre na existência atual as conseqüências de suas
faltas passadas, dá-se do pecado original uma explicação
lógica que todos podem compreender e admitir, porque a alma só
é responsável por suas próprias obras.
24. A diversidade das aptidões inatas, morais e intelectuais, é
a prova de que a alma já viveu; se tivesse sido criada ao mesmo tempo
que o corpo atual, não estaria de acordo com a bondade de Deus ter feito
umas mais avançadas que as outras. Por que selvagens e homens civilizados,
bons e maus; tolos e brilhantes? Dizendo-se que uns viveram mais que os outros
e mais adquiriram, tudo se explica.
25. Se a existência atual fosse única e devesse decidir sozinha
sobre o futuro da alma para a eternidade, qual seria o destino das crianças
que morrem em tenra idade? Não tendo feito nem bem nem mal, elas não
merecem nem recompensas nem punições. Segundo a palavra do Cristo,
sendo cada um recompensado segundo suas obras, elas não têm direito
à felicidade perfeita dos anjos, nem merecem ser dela privadas. Diga-se
que poderão, em uma outra existência, realizar o que não
puderam naquela que foi abreviada, e não há mais exceções.
26. Pelo mesmo motivo, qual seria a sorte dos cretinos, idiotas? Não
tendo nenhuma consciência do bem e do mal, não têm nenhuma
responsabilidade por seus atos. Deus seria justo e bom tendo criado almas estúpidas
para destiná-las a uma existência miserável e sem compensações?
Admita-se, pelo contrário, que a alma do idiota e do cretino é
um Espírito em punição dentro de um corpo impróprio
para exprimir seu pensamento, onde ele é como um homem fortemente aprisionado
por laços, e não se terá mais nada que não seja
conforme com a justiça de Deus.
27. Em suas encarnações sucessivas, o Espírito, sendo pouco
a pouco despojado de suas impurezas e aperfeiçoado pelo trabalho, chega
ao termo de suas existências corpóreas; pertence então à
ordem dos Espíritos puros ou dos anjos, e goza simultaneamente da vida
completa de Deus e de uma felicidade imperturbável pela eternidade.
28. Estando os homens em expiação na terra, Deus, como bom pai,
não os entregou a si mesmos sem guias. Eles têm primeiro seus Espíritos
protetores ou anjos guardiães, que velam por eles e se esforçam
para conduzi-los ao bom caminho; têm ainda os Espíritos em missão
na terra, Espíritos superiores encarnados de quando em quando entre eles
para lhes iluminar o caminho através de seus trabalhos e fazer a humanidade
avançar. Se bem que Deus tenha gravado sua lei na consciência,
ele achou que devia formulá-la de maneira explícita; mandou primeiro
Moisés, mas as leis de Moisés estavam ajustadas aos homens de
seu tempo; ele só lhes falou da vida terrestre, de penas e de recompensas
temporais. O Cristo veio depois completar a lei de Moisés através
de um ensinamento mais elevado: a pluralidade das existências(9), a vida
espiritual, mas as penas e as recompensas morais. Moisés os conduziu
pelo medo, o Cristo pelo amor e pela caridade.
29. O Espiritismo, mais bem entendido hoje, acrescenta, para os incrédulos
a evidência à teoria; prova o futuro com fatos patentes; diz em
termos claros e sem equívoco o que o Cristo disse em parábolas;
explica as verdades desconhecidas ou falsamente interpretadas; revela a existência
do mundo invisível ou dos Espíritos, e inicia o homem nos mistérios
da vida futura; vem combater o materialismo, que é uma revolta contra
o poder de Deus; vem enfim estabelecer entre os homens o reino da caridade e
da solidariedade anunciado pelo Cristo. Moisés lavrou, o Cristo semeou,
o Espiritismo vem colher.
30. O Espiritismo não é uma luz nova, mas uma luz mais brilhante,
porque surgiu de todos os pontos do globo através daqueles que viveram.
Tornando evidente o que era obscuro, põe fim às interpretações
errôneas, e deve unir os homens em uma mesma crença, porque não
há senão um Deus, e suas leis são as mesmas para todos;
ele marca enfim a era dos tempos preditos pelo Cristo e pelos profetas.
31. Os males que afligem os homens na terra têm como causa o orgulho,
o egoísmo e todas as más paixões. Pelo contato de seus
vícios, os homens tornam-se reciprocamente infelizes e punem-se uns aos
outros. Que a caridade e a humildade substituam o egoísmo e o orgulho,
então eles não quererão mais prejudicar-se; respeitarão
os direitos de cada um e farão reinar entre eles a concórdia e
a justiça.
32. Mas como destruir o egoísmo e o orgulho, que parecem inatos no coração
do homem? - O egoísmo e o orgulho estão no coração
do homem, porque os homens são espíritos que seguiram desde o
princípio o caminho do mal, e que foram exilados na terra como punição
desses mesmos vícios; é o seu pecado original, de que muitos não
se despojaram. Através do Espiritismo, Deus vem fazer um último
apelo para a prática da lei ensinada pelo Cristo: a lei de amor e de
caridade.
33. Tendo a terra chegado ao tempo marcado para tornar-se uma morada de felicidade
e de paz, Deus não quer que os maus Espíritos encarnados continuem
a trazer para ela a perturbação, em prejuízo dos bons;
é por isso que eles deverão deixá-la: Irão expiar
seu empedernimento em mundos menos evoluídos; onde trabalharão
de novo para seu aperfeiçoamento em uma série de existências
mais infelizes e mais penosas ainda que na terra. Eles formarão nesses
mundos uma nova raça mais esclarecida, cuja tarefa será levar
o progresso aos seres atrasados que neles habitam, pelos conhecimentos que já
adquiriram. Só sairão para um mundo melhor quando tiverem merecido,
e assim por diante, até que tenham atingido a purificação
completa: Se a terra era para eles um purgatório, esses mundos serão
seu inferno, mas um inferno de onde a esperança nunca está banida(10).
34. Enquanto a geração proscrita vai desaparecer rapidamente;
surge uma nova geração, cujas crenças serão fundadas
no Espiritismo cristão. Nós assistimos à transição
que se opera, prelúdio da renovação moral cuja chegada
o Espiritismo marca.
3 - Máximas extraídas do ensinamento dos
Espíritos
35. O objetivo essencial do Espiritismo é o melhoramento dos homens.
Não é preciso procurar nele senão o que pode ajudá-lo
para o progresso moral e intelectual.
36. O verdadeiro Espírita não é o que crê nas manifestações,
mas aquele que faz bom proveito do ensinamento dado pelos Espíritos.
Nada adianta acreditar se a crença não faz com que se dê
um passo adiante no caminho do progresso e que não o faça melhor
para com o próximo.
37. O egoísmo, o orgulho, a vaidade, a ambição, a cupidez,
o ódio, a inveja, o ciúme, a maledicência são para
a alma ervas venenosas das quais é preciso a cada dia arrancar algumas
hastes, e que têm como contraveneno: a caridade e a humildade.
38. A crença no Espiritismo só é proveitosa para aquele
de quem se pode dizer: hoje está melhor do que ontem.
39. A importância que o homem atribui aos bens temporais está na
razão inversa de sua fé na vida espiritual; é a dúvida
sobre o futuro que o leva a procurar suas alegrias neste mundo, satisfazendo
suas paixões, ainda que às custas do próximo.
40. As aflições na terra são os remédios da alma;
elas salvam para o futuro, como uma operação cirúrgica
dolorosa salva a vida de um doente e lhe devolve a saúde. É por
isso que o Cristo disse: "Bem-aventurados os aflitos, pois eles serão
consolados."
41. Nas suas aflições, olhe abaixo de você e não
acima; pense naqueles que sofrem ainda mais que você.
42. O desespero é natural para aquele que crê que tudo acaba com
a vida do corpo; é um contra-senso para aquele que tem fé no futuro.
43. O homem é muitas vezes o artesão de sua própria infelicidade
neste mundo; se ele voltar à fonte de seus infortúnios, verá
que a maior parte deles são o resultado de sua imprevidência, de
seu orgulho e avidez, conseqüentemente, de sua infração às
leis de Deus.
44. A prece é um ato de adoração. Orar a Deus é
pensar Nele; é aproximar-se Dele; é pôr-se em comunicação
com Ele.
45. Aquele que ora com fervor e confiança é mais forte contra
as tentações do mal, e Deus envia-lhe bons Espíritos para
assisti-lo. É um auxílio que nunca é recusado, quando é
pedido com sinceridade.
46. O essencial não é orar muito, mas orar bem. Certas pessoas
crêem que todo o mérito está na extensão da prece,
enquanto fecham os olhos para seus próprios defeitos. A prece é
para eles uma ocupação, um emprego do tempo, mas não uma
análise de si mesmos.
47. Aquele que pede a Deus o perdão de seus erros não o obtém
senão mudando de conduta. As boas ações são a melhor
das preces, pois os atos valem mais que as palavras.
48. A prece é recomendada por todos os bons Espíritos; é,
além disso, pedida por todos os Espíritas imperfeitos como um
meio de tornar mais leves seus sofrimentos.
49. A prece não pode mudar os desígnios da Providência;
mas, vendo que há interesse por eles, os Espíritos sofredores
se sentem menos desamparados; tornam-se menos infelizes; ela exalta sua coragem,
estimula neles o desejo de elevar-se pelo arrependimento e reparação,
e pode desvia-los do pensamento do mal. É nesse sentido que ela pode
não só aliviar, mas abreviar seus sofrimentos.
50. Cada um ore segundo suas convicções e o modo que acredita
mais conveniente, pois a forma não é nada, o pensamento é
tudo; a sinceridade e a pureza de intenção é o essencial;
um bom pensamento vale mais que numerosas palavras, que se assemelham ao barulho
de um moinho e onde o coração não está.
51. Deus fez homens fortes e poderosos para que fossem sustentáculos
dos fracos; o forte que oprime o fraco é advertido por Deus; em geral
ele recebe o castigo nesta vida, sem prejuízo do futuro.
52. A fortuna é um depósito cujo possuidor é tão-somente
o usufrutuário, já que não a leva com ele para o túmulo;
ele prestará rigorosas contas do emprego que fez dela.
53. A fortuna é uma prova mais arriscada que a miséria, porque
é uma tentação para o abuso e os excessos, e porque é
mais difícil ser moderado que ser resignado.
54. O ambicioso que triunfa e o rico que se sustenta de prazeres materiais são
mais de se lamentar que de se invejar, pois é preciso ter em conta o
retorno. O Espiritismo, pelos terríveis exemplos dos que viveram e que
vêm revelar sua sorte, mostra a verdade desta afirmação
do Cristo: "Aquele que se orgulha será humilhado e aquele que se
humilha será elevado."
55. A caridade é a lei suprema do Cristo: "Amem-se uns aos outros
como irmãos; - ame seu próximo como a si mesmo; perdoe seus inimigos;
- não faça a outrem o que não gostaria que lhe fizessem";
tudo isso se resume na palavra caridade.
56. A caridade não está só na esmola pois há a caridade
em pensamentos, em palavras e em ações. Aquele caridoso em pensamentos,
é indulgente para com as faltas do próximo; caridoso em palavras,
não diz nada que possa prejudicar seu próximo; caridoso em ações,
assiste seu próximo na medida de suas forças.
57. O pobre que divide seu pedaço de pão com um mais pobre que
ele é mais caridoso e tem mais mérito aos olhos de Deus que o
que dá o que lhe é superfluo, sem se privar de nada.
58. Aquele que nutre contra seu próximo sentimentos de animosidade, ódio,
ciúme e rancor, falta à caridade; ele mente, se se diz cristão,
e ofende a Deus.
59. Homens de todas as castas, de todas as seitas e de todas as cores, vocês
são todos irmãos, pois Deus os chama a todos para ele; estendam-se
pois as mãos, qualquer que seja sua maneira de adorá-lo, e não
atirem o anátema, pois o anátema é a violação
da lei de caridade proclamada pelo Cristo.
60. Com o egoísmo, os homens estão em luta perpétua; com
a caridade, estarão em paz. A caridade, constituindo a base de suas instituições,
pode assim, por si só, garantir a felicidade deles neste mundo; segundo
as palavras do Cristo, só ela pode também garantir sua felicidade
futura, pois encerra implicitamente todas as virtudes que podem levá-los
à perfeição. Com a verdadeira caridade, tal como a ensinou
e praticou o Cristo, não mais o egoísmo, o orgulho, o ódio,
a inveja, a maledicência; não mais o apego desordenado aos bens
deste mundo. É por isso que o Espiritismo cristão tem como máxima:
FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO.
Incrédulos! Podeis rir dos Espíritos, zombar daqueles que crêem
em suas manifestações; ride, pois, se ousardes, desta máxima
que eles acabaram de professar e que é sua própria salvaguarda,
pois se a caridade desaparecesse da terra, os homens se entredilacerariam, e
talvez vocês fossem as primeiras vítimas. Não está
longe o tempo em que esta máxima, proclamada abertamente em nome dos
Espíritos, será uma garantia de segurança e um título
à confiança, naqueles que a trouxerem gravada no coração.
Um Espírito disse: "Zombaram das mesas girantes; não zombarão
nunca da filosofia e da moral que daí decorreram". É que,
com efeito, hoje estamos longe, depois de alguns anos apenas, desses primeiros
fenômenos que serviram, por um instante, de distração para
os ociosos e os curiosos.
Esta moral, vocês dizem; está caduca: "Os Espíritos
deviam ter espírito bastante para nos dar algo de novo." (Frase
espirituosa de mais de um crítico). Tanto melhor! se ela está
caduca; isso prova que ela é de todos os tempos, e os homens são
apenas mais culpados por não tê-la praticado, pois não há
verdadeiras verdades senão as que são eternas. O Espiritismo vem
lembrá-la, não por uma revelação isolada feita a
um único homem, mas pela voz dos próprios Espíritos que,
como uma trombeta final, vêm proclamar: "Creiam que aqueles que vocês
chamam de mortos estão mais vivos que vocês, pois eles vêem
o que vocês não vêem, e ouvem o que vocês não
ouvem; reconhecei, naqueles que lhes vêm falar, seus parentes, seus amigos,
e todos aqueles que vocês amaram na terra e que acreditavam perdidos irremediavelmente;
infelizes aqueles que crêem que tudo acaba com o corpo, pois serão
cruelmente desenganados, infelizes daqueles a que terá faltado caridade,
pois sofrerão o que tiverem feito os outros sofrer!
Escutai a voz daqueles que sofrem e que lhes vêm dizer: "Nós
sofremos por não ter reconhecido o poder de Deus e duvidado de sua misericórdia
infinita; sofremos por nosso orgulho, nosso egoísmo, nossa avareza e
por todas as más paixões que não soubemos reprimir; sofremos
por todo o mal que fizemos ao nosso semelhante, pelo esquecimento da caridade".
Incrédulos! Dizei se uma doutrina que ensina tais coisas é digna
de risos, se ela é boa ou má! Vendo-a tão somente do ponto
de vista da ordem social, dizei se os homens que a praticam seriam felizes ou
infelizes; melhores ou piores!
Allan Kardec