2 - PRECURSORES DO ESPIRITISMO
SIR ARTHUR CONAN DOYLE

O autor desta obra era muito conhecido da juventude de uns cinquenta anos passados, como o criador de Sherlock Holmes. Naquele tempo liamos literatura neolatina no original e anglo-saxônica através de boas traduções francesas ou em nossa língua. Hoje a mocidade lê histórias em quadrinhos, onde o vocabulário representa apena um décimo do que manejavamos.

O nível baixou. Se, então, eram as biografias um aspecto pouco explorado em literatura, hoje pouco se conhece das vidas grandes e nobres. Tanto que, quando o autor destas linhas disse que estava traduzindo uma História do Espiritismo de Sir Arthur Conan Doyle, despertou atenção por estas coisas:

1 - que o criador de Sherlock Holmes tivesse sido "knighted", como se diz em inglês;
2 - que fosse algo mais que um escritor de contos policiais;
3 - que tivesse tido a cachimônia de levar a sério o Espiritismo e fazer, com aquela proverbial seriedade dos escritores ingleses, uma História do Espiritismo.

Estavam certos - relativamente certos - os interlocutores de quem traça estas linhas. Por dois motivos: o primeiro é que o nível dos contos policiais baixou; o segundo é que em geral se ignora, nos países latinos que os ingleses de cultura universitária não tomam cursos de técnica superior - como em geral os latinos e particularmente os brasileiros - a fim de serem chamados doutôres, ou como um meio fácil de fazer dinheiro.

É uma questão de educação, há muito ali resolvida e na qual andamos tateando, sem coragem de modificar o nosso figurino. Sobre o assunto bastaria recomendar três livros de um único inglês, representativo de brilhante período da cultura inglesa - o período vitoriano - Sir John Ruskin - a saber: Sesame and Lulies, The Seven lamps of Architecture e The Stone of Venice. Na verdade o inglês de certa classe, mesmo de qualquer classe, que houvesse atingido mais alto grau de cultura através da universidade, não tinha apenas um verniz: os conhecimentos e o ambiente lhe haviam lapidado o espírito, transformado a compreensão da Vida e criado novos rumos para o seu comportamento social.

Por isso o inglês desses níveis mais altos exercia a profissão, parcialmente, para ganhar dos que podiam pagar sem serem explorados, parcialmente, para servir aos que não podiam pagar, mas deviam sentir que a solidariedade humana não era mero tema para discursos políticos de campanhas eleitorais. Paralelamente, esses homens de padrão universitário exercem uma atividade extra que, se por um lado contribui para o seu próprio progresso espiritual, por outro lado ajuda o levantamento da cultura do povo.

Isto é, sem dúvida, um dos mais belos efeitos da concepção inglesa de religião; esta não se separa da vida e a vida é considerada como que vascular, segundo a expressão do Rev. Stanley Jones, que assim explica: "onde quer que a firamos, ela sangrará". Deste jeito tem o inglês um sentido prático de religião, - que deixa de ser uma fuga para os planos abstratos, que ficam depois dos túmulos, do mesmo passo que tem uma noção mais objetiva de humanismo - que deixa de ser uma verbiagem excitante para ser uma soma de conhecimentos de imprescindível aplicação à Humanidade.

AS PESQUISAS DE SIR WILLIAM CROOKES(1870-1874)

As pesquisas sobre os fenômenos do Espiritismo por Sir William Crookes - ou professor Crookes, como era então chamado - durante os anos de 1870 a 1874 constituem um dos mais significativos incidentes na história do movimento. São notáveis devido ao elevado padrão científico do investigador, o severo e justo espírito com que o inquérito foi conduzido, os extraordinários resultados e a corajosa profissão de fé que as seguiu.

A tecla favorita dos adversários foi atribuir certa fraqueza física ou crescente senilidade a cada nova testemunha da verdade psíquica, mas ninguém pode negar que essas pesquisas foram conduzidas por um homem em pleno apogeu de seu desenvolvimento mental e que a famosa carreira que se seguiu constituiu uma prova suficiente de sua estabilidade intelectual. É de notar-se que o resultado não só veio provar a integridade do médium Florence Cook, mas também a de D. D. Home e a de Miss Kate Fox, que foram também, severamente controlados.

Sir William Crookes, que nasceu em 1832 e morreu em 1919, era figura preeminente no mundo científico. Eleito Membro da Sociedade Real (F.R.S.) em 1863, recebeu dessa organização, em 1875, a Royal Gold Medal, por suas várias pesquisas no campo da química e da física, a Davy Medal, em 1888, e a Sir Joseph Copley Medal em 1904. Foi nomeado Cavaleiro pela Rainha Vitória em 1897 e recebeu a ordem de Presidente da Royal Society, da Chemical Society, da Institution of Electrical Engineers, da Britsh Association e da Society for Paychical search.

Sua descoberta do novo elemento químico a que deu o nome de "Thalium", suas invenções do radiômetro, do espintariscópio e do tubo de Crookes representam apenas uma pequena parte de sua grande pesquisa. Em 1859 fundou o Chemical News, que editou, e em 1864 tornou-se redator do Quarterly Journal of Science. Em 1880 a Academia de Ciências da França lhe concedeu uma medalha de ouro e um prêmio de 3.000 francos, em reconhecimento por seu importante trabalho. Confessa Crookes que iniciou as suas investigações sobre fenômenos psíquicos pensando que tudo fosse truque. Seus colegas sustentavam o mesmo ponto de vista e ficaram satisfeitos com a atitude que ele havia adotado.

Foi manifestada profunda satisfação porque a investigação ia ser conduzida por um homem tão altamente qualificado. Quase não duvidavam de que aquilo que consideravam as falsas pretensões do Espiritismo fosse desmascarado. Disse um escritor: "Se homem como Mr. Crookes trata do assunto...em breve saberemos em que acreditar". Numa comunicação a Nature, o Dr. Balfour Stewart, mais tarde professor, elogiou a coragem e a honestidade que levou Mr. Crookes a tomar aquela resolução. O próprio Crookes assentou que era dever dos cientistas fazer tal investigação. E escreveu: "Tem-se lançado em rosto dos homens de ciência a sua pretensa liberdade de opinião, quando sistematicamente se recusam a fazer uma investigação científica sobre a existência e a natureza de fatos sustentados por tantos testemunhos competentes e fidedignos, e os convidam a um exame livre, onde e quando quiserem.

Por minha parte dou muito valor à pesquisa da verdade e à descoberta de qualquer fato novo na Natureza para me insurgir contra a investigação apenas por parecer que ela se choca com as opiniões predominantes". Foi com esse espírito que ele iniciou a sua investigação. Contudo deveria ser verificado que, conquanto o professor Crookes fosse severo crítico dos fenômenos físicos, já tinha ele tomado contato com os fenômenos mentais e parece que os havia aceitado. É provável que essa simpatia espiritual o tenha ajudado na obtenção de seus notáveis resultados, porque, - nunca será por demais repetido, de vez que é sempre esquecido - a pesquisa psíquica da melhor qualidade é sempre "psíquica" e depende de condições espirituais.

Não é o homem teimoso e opiniático, que investiga com uma grande falta de senso de medida para coisas espirituais o que consegue resultados; mas aquele que verifica que o estrito uso da razão e da observação não é incompatível com a humildade mental e com aquela delicadeza e cortesia que produzem a harmonia e a afinidade entre o investigador e o seu sensitivo. Parece que as investigações menos materiais de Crookes começaram no verão de 1869. Em julho daquele ano fez sessões como conhecido médium Mrs. Marshall e em dezembro com outro médium famoso, J. J. Morse. Em julho de 1869 D. D. Home, que havia feito sessões em S. Petersburgo, voltou a Londres com uma carta de apresentação do professor Butlerof para o professor Crookes. Ressalta um fato interessante do diário pessoal de Crookes, quando de sua viagem à Espanha, em dezembro de 1870, com a Expedição do Eclipse. Em data de 31 de dezembro, escreve ele:

"Não posso deixar de recordar esta data no ano passado. Nelly e eu estávamos em sessão, comunicando-nos com queridos amigos mortos e, ao soarem as doze horas, eles nos desejaram feliz Ano Novo. Sinto que agora nos olham e, como o espaço não lhes é obstáculo, penso que ao mesmo tempo olham para Nelly. Sobre nós ambos sei que há alguém e que todos nós - Espíritos e mortais - em sua presença nos curvamos como ante um Pai e Mestre; e minha humilde prece a Ele - o Grande Deus, como O chama o Mandarim - é que continue sua misericórdia proteção sobre Nelly e sobre mim, bem como sobre nossa pequena e querida família... Possa Ele também permitir que continuemos a receber comunicações espíritas de meu irmão, que atravessou os umbrais em alto mar, a bordo de um navio, há mais de três anos".

Depois acrescenta amorosos cumprimentos de Ano Bom a sua esposa e às crianças e conclui: -"E quando os anos terrenos houverem passado, possamos nós viver outros mais felizes no mundo dos Espíritos, do qual tenho tido ocasionalmente alguns reflexos".

Miss Florence Cook, com a qual Crookes realizou a sua série clássica de experiências, era uma jovem de quinze anos, de quem se dizia possuir enorme força psíquica, que tomava as raras formas de materializações completas. Parece que era uma característica de família, porque sua irmã, Miss Kate Cook, não era menos famosa. Houve algumas dissensões sobre um suposto desmascaramento, nas quais um tal Mr. Volckman tomou posição contra Miss Cook e, no propósito de se vingar, colocou-se inteiramente sob a proteção de Mrs. Crookes, declarando que seu marido podia fazer quaisquer experiências sobre os seus dons e nas condições que quisesse, nada pedindo a não ser que pudesse demonstrar o seu caráter como médium, através de exatas conclusões apresentadas ao mundo. Felizmente ela estava tratando com um homem de inatacável honestidade intelectual.

Temos tido experiências, nestes últimos tempos, com médiuns que se entregavam com reservas às investigações científicas e foram atraiçoados por investigadores que não possuíam a coragem moral de admitir aqueles resultados que teriam conduzido à aceitação pública da interpretação espírita. O professor Crookes publicou um relatório completo de seus métodos na Quaterly Journal of Science, do qual era então relator. Em sua casa em Mornington Road, um pequeno gabinete se abria para o laboratório, por uma porta com uma cortina. Miss Cook jazia em transe num divã no quarto interno; no externo, com luz reduzida, ficava Crookes com as pessoas que houvesse convidado. No fim de um período de vinte minutos a uma hora estava completa a figura com o ectoplasma do médium.

A existência dessa substância e o seu método de produção eram então desconhecidos. Completada a operação, abria-se a cortina e entrava no laboratório uma figura feminina, geralmente tão diferente do médium quanto duas pessoas podem se-lo. Essa aparição, que se movia, falava e agia em todos os sentidos como uma entidade independente, é conhecida pelo nome que ela própria adotou, de "Kate King". A aplicação natural dos cépticos é que as duas mulheres realmente eram uma e mesma e que Kate era uma clara imagem de Florence. O opositor podia apoiar-se no fato de que, como observaram Crookes, Miss Marryat e outros, por vezes Katie era muito parecida com Florence.

Aqui está um dos mistérios da materialização que exige mais consideração cuidadosa do que zombarias. Experimentando com Miss Besinnet, famosa médium americana, o autor destas linhas observou a mesma coisa: quando era pouca a força psíquica, o rosto começava por se assemelhar ao da médium e por fim se tornava completamente diferente, alguns especuladores imaginaram que a forma etérica da médium, seu corpo espiritual, teria sido libertado pelo transe e constituia a base sobre a qual as outras entidades manifestantes construiam seu próprio simulacro. Seja como for, a coisa não foi admitida; é semelhante aos fenômenos de Voz Direta, nos quais por vezes a voz se assemelha à do médium, logo de início, tomando depois um tom inteiramente diferente, ou se dividindo em duas vozes simultâneas.

Entretanto o estudioso por certo tem o direito de proclamar que Florence Cook e Katie King eram a mesma individualidade, até que provas evidentes lhe demonstrem que isto é impossível. Tal prova o professor Crookes tem muito cuidado em oferecer. Os pontos diferentes que observou entre Miss Cook e Katie são os seguintes: "A altura de Katie varia; em minha casa eu a vi quinze centímetros mais alta que Miss Cook. Na noite passada estando descalça e sem pisar na ponta dos pés, ela era doze centímetros mais alta que Miss Cook. O pescoço de Katie estava nu; a pele era perfeitamente lisa à vista quanto ao tato, enquanto o de Miss Cook é uma grande escara que, nas mesma condições, é distintamente visível e áspera ao tato. As orelhas de Katie não são furadas, enquando que Miss Cook habitualmente usa brincos. A compleição de Katie é muito alva, enquanto a de Miss Cook é muito morena. Os dedos de Katie são muito mais longos do que os de Miss Cook e seu rosto também é maior. Há também marcadas diferenças nos modos e nos ademanes".

Arthur Conan Doyle

1 - A HISTÓRIA DE SWEDENBORG

Emmanuel Swedenborg

É impossível fixar uma data para as primeiras aparições de uma força inteligente exterior, de maior ou menor elevação, influindo nas relações humanas. Os espíritas tomaram oficialmente a data de 31 de março de 1848 como o começo das coisas psíquicas porque o movimento foi iniciado naquela data. Entretanto não há época na história do mundo em que não se encontrem traços de interferências preternaturais e o seu tardio reconhecimento pela humanidade.

A única diferença entre esses episódios e o moderno movimento é que aqueles podem ser apresentados como casos esporádicos de extraviados de uma esfera qualquer, enquanto os últimos tem as características de uma invasão organizada. Como, porém, uma invasão poderia ser precedida por pioneiros em busca da Terra, também o influxo espírita dos últimos anos poderia ser enunciado por certo número de incidentes, susceptíveis de verificação desde a Idade Média e até mais para trás.

Uma data deve ser fixada para início da narrativa e, talvez, nenhuma melhor que a da história do grande vidente sueco Emmanuel Swedenborg, que possui bons títulos para ser considerado o pai do nosso novo conhecimento dos fenômenos supranormais.

Quando os primeiros raios do sol nascente do conhecimento espiritual caíram sobre a Terra, iluminaram a maior e a mais alta inteligência humana, antes que a sua luz atingisse homens inferiores. O cume da mentalidade foi o grande reformador e médium clarividente, tão pouco conhecido por seus prosélitos, qual foi o Cristo.

Para compreender completamente um Swedenborg é preciso possuir-se um cérebro de Swedenborg; e isto não se encontra em cada século. E ainda, pela nossa força de comparação e por nossa experiência dos fatos desconhecidos para Swedenborg, podemos compreender, mais claramente do que ele, certas passagens de sua vida. O objeto do presente estudo não é tratar o homem como um todo, mas procurar situá-lo no esquema geral do desdobramento psíquico aqui abordado, do qual a sua própria Igreja, na sua estreiteza, o impediria.

Swedenborg era, sob certos aspectos, uma viva contradição para as nossas generalizações psíquicas, porque se costuma dizer que as grandes inteligências esbarram no caminho da experiência psíquica pessoal. Uma lousa limpa é, por certo, mais apta para nela escrever-se uma mensagem. O cérebro de Swedenborg não era uma lousa limpa, mas um emaranhado de conhecimentos exatos de susceptível aquisição naquele tempo.

Nunca se viu tamanho amontoado de conhecimentos. Ele era, antes de mais nada, um grande engenheiro de minas e uma autoridade em metalurgia. Foi o engenheiro militar que mudou a sorte de uma das muitas campanhas de Carlos XII, da Suécia. Era uma grande autoridade em física e em astronomia, autor de importantes trabalhos sobre as marés e sobre a determinação das latitudes.

Era zoologista e anatomista. Financista e político, antecipou-se às conclusões de Adam Smith. Finalmente, era um profundo estudioso da Biblia, que se alimentara de teologia com o leite materno e viveu aústera atmosfera evangélica alguns anos de vida. Seu desenvolvimento psíquico, ocorrido aos vinte e cinco anos, não influiu sobre a sua atividade mental e muitos de seus trabalhos científicos foram publicados após essa data.

Com uma tal mentalidade, é muito natural que fosse chocado pela evidência das forças supranormais, que surgem no caminho de todo pensador, mas o que não é natural é que devesse ele ser o médium para tais forças. Em certo sentido a sua mentalidade lhe foi prejudicial e lhe adulterou os resultados, posto que, de outro lado, lhe tivesse sido de grande utilidade. Para o demonstrar bastar considerar os dois aspectos sob os quais o seu trabalho pode ser encarado.

O primeiro é o teológico. A maioria das pessoas que não pertencem ao rebanho escolhido afigura-se o lado inútil e perigoso de seu trabalho. Por um lado, aceita a Bíblia como sendo, de modo muito particular, uma obra de Deus; por outro lado, sustenta que a sua verdadeira significação é inteiramente diferente de seu óbvio sentido e que ele - e só ele - ajudado pelos anjos, é capaz de transmitir aquele verdadeiro sentido. Essa pretensão é intolerável. A infabilidade de Swedenborg, se tal tensão é intolerável.

A infalibilidade do Papa seria uma insignificância comparada com a infalibilidade de Swedenborg, se tal fosse admitido. Pelo menos o Papa é infalível quando profere um veridito em matéria de doutrina ex-cátedra, açolitado por seus cardeais. A infalibilidade de Swedenborg seria universal e irrestrita. Além disso suas explicações nem ao menos se acomodam à razão. Quando, visando apreender o verdadeiro sentido de uma mensagem de Deus, temos que admitir que um cavalo simboliza uma verdade intelectual, que um burro significa uma verdade científica, uma chama que dizer melhoramento, e assim por diante com uma infinidade de símbolos, parece que nos encontramos no reino da imaginação, que apenas pode ser comparado com as cifras que alguns críticos engenhosos pretendem ter descoberto nas peças de Sakespeare.

Não é assim que Deus manda a Sua verdade a este mundo. Se tal ponto de vista fosse aceito, o credo de Swedenborg seria apenas a matriz de mil heresias; regrediríamos e iríamos encontrar-nos novamente entre as discussões e os silogismos dos escolásticos medievais. As coisas grandes e verdadeiras são simples e compreensíveis. A teologia de Swedenborg nem é simples nem inteligível. E isto representa a sua condenação.

Entretanto, quando entramos na sua fatigante exegese das Escrituras, onde cada coisa significa algo diferente daquilo que obviamente significa, e quando chegamos a alguns dos resultados gerais de seu ensino, eles não se acham em desarmonia com o moderno pensamento liberal, nem com o ensino recebido do Outro Lado, desde que se iniciaram as comunicações. Assim, a preposição geral de que este mundo é um laboratório de almas, um campo de experiências, no qual o material refina o espiritual, não sofre contestação.

Ele repele a Trindade no seu sentido comum, mas a reconstitui de maneira extraordinária, que também seria impugnada por um Unitário. Admite que cada sistema tem a sua finalidade e que a virtude não é privativa do Cristianismo. Concorda com o ensino espírita em procurar o verdadeiro sentido da vida de Jesus Cristo no seu poder como exemplo e repele a expiação e o pecado original. Vê no egoísmo a raiz de todo o mal e admite como essencial um egoísmo sadio, na expressão de Hegel.

Quanto aos problemas sexuais, suas idéias são liberais até ao relaxamento. Considera a Igreja de absoluta necessidade, sem o que ninguém se entenderia com o Criador. Em tamanha confusão de idéias espalhadas a torto e a direito em grandes volumes, escritos num latim obscuro, cada intérprete independente seria capaz de encontrar sua nova religião particular. Mas não é aí que reside o mérito de Swedenborg.

Esse mérito realmente seria encontrado em suas forças psíquicas e nas suas informações psíquicas, que teriam sido muito valiosas se jamais de sua pena houvesse brotado uma palavra sobre Teologia. É para essas forças e para essas informações que nos voltamos agora.

Ainda menino, Swdenborg teve as suas visões. Mas esse delicado aspecto de sua natureza foi abafado pela extraordinàriamente prática e energética idade viril. Entretanto, por vezes veio ela à tona, em toda a sua vida e muitos exemplos foram registrados, para mostrar que possuía poderes geralmente chamados "vidência a distância", no qual parece que a alma deixa o corpo e vai buscar uma informação a distância, voltando com notícias do que se passa alhures. Não é uma peculiaridade rara nos médiuns e pode ser comprovada entre os sensitivos espíritas; mas é rara nos intelectuais e também rara quando acompanhada por um estado aparentemente normal do corpo quando ocorre o fenômeno.

Assim, no conhecidíssimo caso de Gothenburg, onde o vidente observou e descreveu um incêndio em Estocolmo, a trezentas milhas de distância, com perfeita exatidão, estava ele num jantar com dezesseis convidados, o que é um valioso testemunho. O caso foi investigado nada menos que pelo filósofo Kant, que era seu contemporâneo. Não obstante, esses episódios ocasionais eram meros indícios de forças latentes, que desabrocham subitamente em Londres, em abril de 1744.

É de notar-se que, conquanto o vidente fosse de boa família sueca e educado entre a nobreza sueca, foi nada menos que em Londres que os seus melhores livros foram publicados, que a sua iluminação se iniciou e, finalmente, que morreu e foi sepultado. Desde o dia de sua primeira visão até a sua morte, vinte se sete anos depois, esteve ele em contínuo contato com o outro mundo. "Na mesma noite - diz ele - o mundo dos Espíritos, do céu e do inferno, abriu-se convincentemente para mim e aí encontrei muitas pessoas de meu conhecimento e de todas as condições.

Desde então diariamente o Senhor abriu os olhos de meu Espírito para ver, perfeitamente desperto, o que se passava no outro mundo e para conversar, em plena consciência, com anjos e Espíritos". Em sua primeira visão Swedenborg fala de "uma espécie de vapor que se exalava dos poros de meu corpo. Era um vapor aquoso muito visível e caía no chão, sobre o tapete. É uma perfeita descrição daqueles ectoplasmas que consideramos a base dos fenômenos físicos.

A substância foi chamada, também, ideoplasma, porque instantâneamente toma a forma que lhe dá o Espírito. No seu caso, conforme a sua descrição, ela se transformava em vermes, o que representava alimentar e era acompanhada por um aviso pela clarividência, de que devia ser mais cuidadosa a esse respeito. Que é que pode fazer o mundo com essa narrativa? Dizer que tal homem era um louco; mas, nos anos que se seguiram, sua vida não deu sinais de fraqueza mental. Ou podiam dizer que ele mentia.

Mas este era famoso por sua estrita vivacidade. Seu amigo Cuno, banqueiro em Amsterdam, assim dizia dele: "Quando me olhava, com os sorridentes olhos azuis, era como se eles estivessem falando a própria verdade". Seria então auto sugestionado e honestamente enganado? Temos que enfrentar a circunstância de que, em geral, as observações que fazia eram confirmadas desde então por numerosos observadores dos fenômenos psíquicos. A verdade é que foi o primeiro e, sob vários aspectos, o maior médium, de um modo geral; que estava sujeito a erros tanto quanto aos privilégios decorrentes da mediunidade; que só pelo estudo da mediunidade seus poderes serão compreendidos e que, no esforço de o separar do Espiritismo, a sua Nova Igreja mostrou absoluta incompreensão de seus dons e da posição que a ela cabia no esquema geral da Natureza.

Como um grande pioneiro do movimento espírita, sua posição tanto é compreensível quanto gloriosa. Como uma figura isolada com poderes incompreensíveis, não há lugar para ele em qualquer esquema do pensamento religioso, por mais largamente compreensivo que seja. É interessante notar que ele considerava os seus poderes intimamente relacionados com o sistema respiratório. Como o ar e o éter nos envolvem, é possível que alguns respirem mais éter do que ar e, assim, alcancem um estado mais etéreo. Sem a menor dúvida é esta maneira elementar e grosseira de considerar as coisas.

Mas essa idéia se derrama no trabalho de muitas escolas de psiquismo. Lourence Oliphant, que aliás não tinha ligação com Swedenborg, escreveu um livro, Sympenumata, para o provar. O sistema indiano de Ioga, repousa sobre a mesma idéia. Entretanto, quem quer tenha visto um médium cair em transe, deve ter notado a característica inspiração de ar com que se inicia o processo e as profundas expirações com que termina. Para a ciência do futuro aqui está um promissor campo de estudos. Nisto, como em qualquer outro assunto psíquico, é necessário cautela.

O autor conheceu muitos casos em que ocorreram lamentáveis resultados que foram a consequência de um desavisado emprego da respiração profunda nos exercícios psíquicos. Como a força elétrica, os poderes espirituais tem um emprego variado, mas o seu manejo requer conhecimentos e precauções. Swedenborg resume o assunto dizendo que quando se comunicava com os Espíritos, durante uma hora respirava profundamente, "tomando apenas a quantidade de ar necessária para alimentar os seus pensamentos". De lado essa peculiaridade, Swedenborg era normal durante as suas visões, conquanto preferisse, na ocasião, estar só. Parece que teve o privilégio de examinar várias esferas do outro mundo e, conquanto as suas idéias sobre teologia tivessem marcado as suas descrições por outro lado a sua imensa cultura lhe permitiu excepcional poder de observação e de comparação.

Vejamos quais os principais fatos que suas jornadas nos trouxeram e até onde eles coincidem com os que, desde então, tem sido obtidos pelos métodos psíquicos. Verificou que o outro mundo, para onde vamos após a morte, consiste de várias esferas, representando outros tantos graus de luminosidade e de felicidade; cada um de nós irá para aquela a que se adapta a nossa condição espiritual. Somos julgados automaticamente, por uma LEI ESPIRITUAL DE SIMILITUDES; o resultado é determinado pelo resultado global de nossa vida, de modo que a absolvição ou o arrependimento no leito de morte tem pouco proveito.

Nestas esferas verificou que o cenário e as condições deste mundo eram reproduzidas fielmente, do mesmo modo que a estrutura da sociedade. Viu casas onde viviam famílias, templos onde praticavam o culto, auditórios onde se reuniam para fins sociais, palácios onde deviam morar os chefes. A morte era suave, dada a presença de seres celestiais que ajudavam os recém-chegados na sua nova existência. Esses recém-vindos passavam imediatamente por um período de absoluto repouso. Reconquistavam a consciência em poucos dias, segundo a nossa contagem.

Havia anjos e demônios, mas não eram de ordem diversa da nossa: eram seres humanos, que tinham vivido na Terra e que: ou eram almas retardatárias, como demônios, ou altamente desenvolvidas, como anjos. De modo algum mudamos com a morte. O homem nada perde pela morte: sob todos os pontos de vista é ainda um homem, conquanto mais perfeito do que quando na matéria. Levou consigo não só as suas forças, mas o seus hábitos mentais adquiridos, as suas preocupações, os seus preconceitos.

Todas as crianças eram recebidas igualmente, fossem ou não batizadas. Cresciam no outro mundo; jovens lhes serviam de mães, até que chegassem as mães verdadeiras. Não havia penas eternas. Os que se achavam nos infernos podiam trabalhar para a sua saída, desde que sentissem vontade. Os que se achavam no céu não tinham lugar permanente: trabalhavam por uma posição mais elevada. Havia o casamento sob a forma de união espiritual no mundo próximo, onde um homem e uma mulher constituíam uma unidade completa. É de notar-se que Swedenborg jamais se casou.

Não havia detalhes insignificantes para a sua observação no mundo espiritual. Fala de arquitetura, do artesanato, das flores, dos frutos, dos bordados, da arte, da música, da literatura, da ciência, das escolas, dos museus, das academias, das bibliotecas e dos esportes. Tudo isso pode chocar as inteligências convencionais, conquanto se possa perguntar por que toleramos, coroas e tronos e negamos outras coisas menos materiais.

Os que saíram deste mundo velhos, decrépitos, doentes, ou deformados, recuperavam a mocidade gradativamente, o completo vigor. Os casais continuavam juntos, se os seus sentimentos recíprocos os atraíam. Caso contrário, era desfeita a união. "Dois amantes verdadeiros não são separados pela morte, de vez que o Espírito do morto habita com o do sobrevivente, até à morte deste último, quando se encontram e se unem, amando-se mais ternamente do que antes". Eis algumas amostras tiradas da massa enorme de informações mandadas por Deus através de Swedenborg.

Elas tem sido reiteradas pela boca e pela pena dos nossos iluminados espíritas. O mundo as desprezou, taxando-as de concepções insensatas. Contudo, estes novos conhecimentos vão abrindo caminho; quando forem aceitos inteiramente, a verdadeira grandeza da missão de Swedenborg será reconhecida, desde que se ponha de lado a sua exegese bíblica. A Nova Igreja, fundada para divulgar os ensinos do mestre sueco, converteu-se em elemento negativo, em vez de ocupar o seu verdadeiro lugar, como fonte e origem do conhecimento psíquico. Quando em 1848, desabrochou o movimento espírita; quando homens como Andrew Jackson Davis o sustentavam através de escritos filosóficos e de poderes psíquicos, que dificilmente se distinguem dos de Swedenborg, a Nova Igreja teria feito bem em saudar esse desenvolvimento, que coincidia com as indicações de seu chefe.

Em vez disso preferiram, por motivos difíceis de compreender, exagerar cada ponto divergente e desconhecer todos os pontos coincidentes, até que os dois corpos fossem impelidos para o franco antagonismo. Na verdade, todos os espíritas deveriam homenagear Swedenborg, cujo busto era para encontrar-se em cada templo espírita, por ser o primeiro e o maior dos modernos médiuns. Por outro lado a Nova Igreja deveria afogar as pequenas diferenças e integrar-se de coração no novo movimento, contribuindo as suas igrejas e as suas organizações para a causa comum.

Examinando a vida de Swedenborg é difícil descobrir as causas que levaram os seus atuais sectários a encarar com receio as outras organizações psíquicas. Aquele fez então aquilo que estas fazem agora. Falando da morte de Polhem, diz o vidente: "Ele morreu segunda-feira e falou comigo quinta-feira. Eu tinha sido convidado para o enterro. Ele viu o coche fúnebre e presenciou quando o féretro baixou à sepultura. Entretanto, conversando comigo, perguntou porque o haviam enterrado, se estava vivo. Quando o sacerdote disse que ele se ergueria no Dia do Juizo, perguntou por que isso, se ele já estava de pé. Admirou-se de uma tal coisa, ao considerar que, mesmo agora, estava vivo".

Isto está perfeitamente concorde com a experiência de um médium atual. Se Swedenborg estava certo, também os médiuns estão. De novo: Brahe foi decapitado às 10 horas da manhã e falou comigo às 10 da noite. Esteve comigo, quase que ininterruptamente, durante alguns dias". Tais exemplos mostram que Swedenborg não tinha mais escrúpulos em conversar com os mortos do que o Cristo, quando no monte falou a Moisés e Elias. Swedenborg havia exposto as suas idéias com muita clareza. Considerando-as, entretanto, há que levar-se em conta a época em que viveu e a sua falta de experiência na direção e nos objetivos da nova revelação. Esse ponto de vista é que Deus, por bons e sábios propósitos, tinha separado o mundo dos Espíritos do nosso, e que a comunicação não era permitida, salvo razões poderosas - entre as quais não se poderia contar a mera curiosidade.

Cada estudante zeloso do psiquismo concordará com isto e cada espírita zeloso opõe-se a que a coisa mais séria do mundo seja transformada numa espécie de passatempo. Sob o império de poderosas razões, nossa razão principal é que numa época de materialismo como Swedenborg jamais imaginou, estamos nos esforçando por provar a existência e a supremacia do Espírito de maneira tão objetiva que os materialistas sejam encontrados e batidos no seu próprio terreno. Seria difícil imaginar uma razão mais forte que esta; entretanto, temos o direito de proclamar que, se Swedenborg vivesse agora, seria o chefe do nosso moderno movimento psíquico.

Alguns de seus prosélitos, entre os quais o Dr. Garth Wilkinson, fizeram a seguinte objeção: "O perigo para o homem de falar com os Espíritos é que nós todos estamos ligados aos nossos semelhantes e, estando cheios de maldades, teríamos que enfrentar esses Espíritos semelhantes, e eles apenas confirmariam o nosso ponto de vista." A isto responderemos apenas que, conquanto especioso, está provado pela experiência que é falso. O homem não é naturalmente mau. O homem médio é bom. O simples ato da comunicação espírita, na sua solenidade, desperta o lado religioso. Assim, via de regra, não é a má influência, mas a boa, que é encontrada, como o provam os belos e moralizados registros das sessões.

O autor pode dar o testemunho deque em cerca de quarenta anos de trabalho psíquico, durante os quais assistiu a inúmeras sessões em muitos lugares, jamais, numa única ocasião, ouviu uma palavra obcena ou qualquer mensagem que pudesse ferir os ouvidos da mais delicada mocinha. Outros veteranos espíritas dão o mesmo testemunho. Assim, enquanto é absolutamente certo que os maus Espíritos seja atraídos para um ambiente mau, na prática atual é muito raro que alguém seja por eles incomodado. Se tais Espíritos aparecerem, o procedimento correto não é repelí-los; é antes conversar razoavelmente com eles, esforçando-se por que compreendam sua própria condição e o que devem fazer por seu melhoramento. Isto ocorreu muitas vezes na experiência pessoal do autor, e com os mais felizes resultados.

Algumas informações pessoais sobre Swedenborg cabem como termo a este ligeiro relato de suas doutrinas. Visa-se, assim, antes de mais nada, indicar a sua posição no esquema geral. Deve ele ter sido muito frugal, prático e trabalhador; um rapaz enérgico e um velho muito amável. Parece que a vida o converteu numa criatura muito bondosa e venerável. Era plácido, sereno e sempre disposto à conversação, que não descambava para o psiquismo senão quando queria o seu interlocutor. O tema dessas conversas era sempre notável, mas ele se afligia com a gagueira que lhe dificultava a pronunciação. Era alto, delgado, de rosto espiritual, olhos azuis, peruca até os ombros, roupas escuras, calções curtos, fivelas nos sapatos e bengala.

Sustentava Swedenborg que uma densa nuvem se havia formado em redor da Terra, devido à grosseria psíquica da humanidade e que de tempos em tempos havia um julgamento e uma limpeza, assim como a trovoada aclara a atmosfera material. Via que o mundo, já em seus dias, entrava numa situação perigosa, devido à sem-razão das Igrejas por um lado, e a reação contra a absoluta falta de religião, causada por isto. As modernas autoridades em psiquismo, especialmente Vale Owen, falaram dessa nuvem crescente e há uma sensação geral de que o necessário processo de limpeza geral não tardará.

Uma notícia sobre Swedenborg, do ponto de vista espírita, não pode ser melhor conduzida do que por estas palavras, extraídas de seu diário: "Todas as afirmações em matéria de teologia são, como sempre foram, arraigadas no cérebro e dificilmente podem ser removidas; e enquanto aí estiverem, a verdade genuína não encontrará lugar". Era ele um grande vidente, um grande pioneiro do conhecimento psíquico e sua fraqueza reside naquelas mesmas palavras que escreveu.

A generalidade dos leitores que quiserem ir mais adiante encontrará os mais característicos ensinos de Swedenborg em suas obras: "Céu e Inferno", "A Nova Jerusalém" e Arcana Celestia". Sua vida foi admiravelmente descrita por Garth Wilkinson, Trobridge e Brayler Hodgetts; atual presidente da Sociedade Inglesa Swedenborg. A despeito de todo o seu simbolismo teológico, seu nome deve viver eternamente como o primeiro de todos os homens modernos que descreveram o processo da morte e o mundo do além, o que não se baseia no vago extático e nas visões impossíveis das velhas Igrejas, mas corresponde atualmente às descrições que nós mesmos obtemos daqueles que se esforçam por nos trazer uma idéia clara de sua nova existência.

2 - Edward Irving

A história de Edward Irving e sua experiência, entre 1830 e 1833, com as manifestações espíritas, são de grande interesse para o estudante de psiquismo e ajuda a vingar o abismo entre Swedenborg, de um lado e Andrew Jackson Davis, do outro. Os fatos são os seguintes:

Edward Irving pertence àquela mais pobre classe de trabalhadores braçais escoceses, que produziu tantos homens de valor. Da mesma origem e da mesma época de Thomas Carlyle, Irving nasceu em Annan, em 1792. Depois de uma juventude dura e aplicada ao estudo, desenvolveu-se como um homem muito singular. Fisicamente era um gigante e um Hércules em força; seu físico esplêndido só era estragado pela horrível saliência de um olho, defeito que, como o pé aleijado de Byron, de certo modo parecia apresentar uma analogia nas esquisitices do caráter.

Sua inteligência era máscula, ampla e corajosa, mas destorcida pela primeira educação na acanhada escola da Igreja Escocesa, onde os duros e cruéis pontos de vista dos velhos Convencionais - um Protestantismo impossível, que representava a reação contra um Catolicismo impossível - jamais envenenou a alma humana. Sua atitude mental era estranhamente contraditória, pois, se havia herdado essa atrapalhada teologia, deixara de herdar muito daquilo que é o patrimônio do mais pobre escocês. Opunha-se a tudo quanto fosse liberal e até mesmo elementares medidas de justiça, como a Lei de Reforma de 1832, que nele encontrou uma forte oposição.

Esse homem estranho, excêntrico e formidável tinha tido o próprio ambiente no século XVII, quando os seus protótipos se reuniam nas charnecas de Galloway e exterminavam ou, possivelmente, atacavam a braço os dragões de Claverhouse. Mas a vida continuou e ele teve que escrever o seu nome de certa maneira nos anais de sua época. Sabemos de sua extrema mocidade na Escócia, da rivalidade com seu amigo Carlyle no afeto pela inteligente e viva Jane Welsh, de seus giros e exibições de força, de sua curta carreira como violento mestre-escola em Kirkcaldy, de seu casamento com uma filha de um ministro naquela cidade e, finalmente, de sua nomeação para cura, ou assistente do grande Dr. Chalmers, que era então o mais famoso clérigo da Escócia e cuja administração na paróquia de Glasgow é um dos mais interessantes capítulos da história da Igreja Escocesa.

Neste cargo ele adquiriu, no trato dos homens, o conhecimento com as classes mais pobres, o que constitui a melhor e a mais prática preparação para a vida. Sem isto ninguém é realmente completo. A esse tempo havia uma pequena igreja escocesa em Hatton Garden, fora de Holborn, em Londres, que tinha perdido o seu pastor e se achava em posição crítica, quer espiritual, quer financeiramente. A vacância foi oferecida ao assistente do Dr. Chalmers que, depois de alguma reflexão, aceitou-a. Aí a sua eloquência sonora e as suas luminosas explicações do Evangelho começaram a atrair a atenção e, subitamente, o estranho gigante escocês ficou na moda.

A rua humilde, nas manhãs de domingo, ficava atravancada de carruagens, e alguns dos mais notáveis homens de Londres, bem como senhoras, acotovelavam-se dentro do pequeno templo. É evidente que tamanha popularidade não podia durar e que o costume do pregador de expor o texto durante uma hora e meia era muito para a elegância londrina, embora aceitável ao norte de Tweed. Finalmente foi removido para uma igreja maior em Regent Square, com capacidade para duas mil pessoas e onde havia assentos suficientes para se acomodarem de maneira decente, embora o pregador já não despertasse o interesse dos primeiros dias.

De lado a sua oratória, parece que Irving foi um pastor consciencioso e muito trabalhador, que lutava continuamente para satisfazer as necessidades materiais dos mais humildes elementos de seu rebanho, sempre pronto, dia e noite, no cumprimento de seu dever. Não obstante, logo começaram as lutas com as autoridades de sua Igreja. O assunto em disputa constituiu uma bonita base para uma querela teológica daquele tipo que fez mais mal ao mundo do que a varíola. A questão era se o Cristo tinha em Si a possibilidade de pecar, ou se a Divina Porção do Seu Ser constituía uma barreira absoluta contra as tentações físicas.

Sustentavam uns que a associação de idéias como Cristo e pecado era uma blasfêmia. "O teimoso clérigo, entretanto, replicava, com algumas mostras de razão, que a menos que o Cristo tivesse a capacidade de pecar e a ela resistisse vitoriosamente, o seu destino terreno não era o mesmo que o nosso e suas virtudes despertavam menos admiração". O assunto foi discutido fora de Londres com muita seriedade e por um tempo enorme, tendo como resultado uma declaração unânime do presbitério, condenando o ponto de vista do pastor. Entretanto, tendo a sua congregação, por sua vez, manifestado uma inqualificável aprovação, ele pode desprezar a censura de seus irmãos oficiais.

Mas um maior obstáculo se achava à sua frente. O encontro de Irving com ele levou o seu nome a viver como vivem todos os nomes a que se associam reais êxitos espirituais.. Inicialmente há que considerar que Irving estava profundamente interessado nas profecias bíblicas, especialmente nas vagas e terríveis imagens de São João, e os estranhos vaticínios de Daniel. Refletiu muito sobre os anos e os dias marcantes do período de ira que devia preceder a Segunda Vinda do Senhor. Por aquela época - pelas alturas de 1830 - havia outros profundamente imersos nas mesmas sombrias especulações. Entre estes contava-se um rico banqueiro, chamado Drumond, dono de grande casa de campo em Albury, perto de Guildford.

Nesta casa aqueles estudiosos da Bíblia costumavam reunir-se de vez em quando, discutindo e comparando seus pontos de vista tão minuciosamente que não era raro que suas sessões se alongassem por uma semana, sendo os dias inteiramente ocupados desde o almoço até o jantar. Este grupo era chamado "os profetas de Albury". Excitados pelos sucessos políticos que haviam levado à Lei da Reforma, todos eles consideraram que as bases mais profundas tinham sido abaladas. É difícil imaginar qual teria sido a sua reação se tivessem chegado a testemunhar a Grande Guerra.

Seja como for, estavam convencidos de que estaria próximo o fim de tudo e buscavam impacientes sinais e portentos, torcendo as vagas e sinistras palavras dos profetas de todas as maneiras em fantásticas interpretações. Por fim, acima do monótono horizonte dos acontecimentos apareceu uma estranha manifestação. Havia uma lenda de que os dons espirituais dos primeiros dias reapareceriam antes do fim, e entre eles aparentemente estava o esquecido dom das línguas, voltando como patrimônio da humanidade.

Começou em 1830 ao oeste da Escócia, onde os sensitivos Campbell e MacDonald diziam que o sangue céltico sempre tinha sido mais sensível às influências espirituais do que a mais pesada corrente teutônica. Os Profetas de Albury exerciam a maior atividade intelectual e um emissário foi mandado pela Igreja de Mr. Irving para investigar e relatar o caso. Verificou-se que a coisa era exata. As pessoas tinham boa reputação e uma delas, na verdade uma senhora cuja caráter poderia antes ser descrito como de santa. As estranhas línguas em que ambos falavam, por vezes eram ouvidas e suas manifestações eram acompanhadas por milagres de cura e outros sinais.

É claro que não havia fraude ou mistificação, mas um verdadeiro influxo de alguma força estranha que levava a gente de retorno aos tempos apostólicos. Os fiéis esperavam ansiosos novos acontecimentos. Estes não se fizeram esperar: irromperam na própria Igreja de Irving. Foi em julho de 1831 que correu o boato de que certos membros da congregação tinham sido tomados de maneira estranha em suas próprias residências e que discretas manifestações ocorriam na sacristia e outros recintos fechados. O pastor e os seus conselheiros estavam perplexos, sem saber se uma demonstração mais pública iria ser tolerada.

O caso resolveu-se por si mesmo, por uma espécie de acordo com os Espíritos; e, em outubro do mesmo ano, o prosaico serviço da Igreja da Escócia foi subitamente interrompido pelos gritos de um possesso. Foi tão rápido e com tamanha violência, tanto no serviço matinal, quanto no da noite, que se estabeleceu o pânico na igreja de tal modo que, se não fosse pela trovejante súplica do gigante pastor "Oh ! Senhor serena o tumulto do povo!" talvez se tivesse seguido uma tragédia. Também houve muito sussurro e muitos brados dos velhos conservadores. Como quer que seja, a sensação foi considerável e os jornais do dia apareceram cheios de comentários, que estavam longe se ser favoráveis e respeitosos.

Os gritos vinham de homens de mulheres e, no primeiro caso, se reduziam a ruídos ininteligíveis, que tanto eram meros grunhidos quanto linguagem inteiramente desconhecida. "Sons rápidos, queixosos e ininteligíveis", diz uma testemunha. "Havia uma força e um som cheio", diz uma outra, "de que pareciam incapazes os delicados órgãos femininos". Rebentavam com assombro e terrível fragor", diz uma terceira. Muitos, entretanto, ficavam fortemente impressionados com aqueles sons; entre eles, Irving. "Há na voz um poder de impressionar o coração e dominar o Espírito de maneira que jamais senti. Há uma cadência, uma majestade e uma constante grandeza que jamais ouvi falar de coisa semelhante. É muito parecido com os mais simples e os mais antigos cantos no serviço da catedral de tal modo que cheguei a pensar que aqueles cantos, cuja reminiscência pode chegar a Ambrósio, são as inspiradas preces da Igreja primitiva".

Entretanto, em breve, palavras ininteligíveis em inglês foram adicionadas aos estranhos ruídos. Em geral era jaculatórias e preces, sem óbvios sinais de caráter supranormal, salvo que se manifestavam em momentos inadequados e independentes da vontade de quem as proferia. Nalguns casos, entretanto, essas forças atuavam até que o sensitivo fosse, sob sua influência, capaz de longas arengas, de expor a lei da mais dogmática maneira, sobre pontos de doutrina e fazer censuras que, incidentemente, eram carapuças para o sofrido pastor.

Pode ter havido - de fato houve, provavelmente - uma verdadeira origem física para tais fenômenos; mas eles se tinham desenvolvido num terreno de estreita e fanática teologia, destinada a levá-los à ruína. O próprio sistema religioso de Swedenborg era demasiadamente acanhado para receber a plenitude desses dons do espírito. De modo que pode imaginar-se a que se reduziram, quando recebidos nos estreitos limites de uma Igreja escocesa, onde cada verdade há de ser virada e revirada até ajustar-se a algum êxito fantástico. O bom vinho não pode ser guardado em insuficientes odres velhos. Tivesse havido uma revelação mais completa, e certamente outras mensagens teriam sido recebidas de outras maneiras, as quais teriam apresentado o assunto em suas justas proporções; e um dom espiritual teria sido comprovado por outros.

Mas ali não havia desenvolvimento: havia o caos. Alguns daqueles ensinos não se acomodavam à ortodoxia e, assim, foram considerados obra do diabo. Alguns dos sensitivos condenavam os outros como heréticos. Levantava-se voz contra voz. O pior de tudo é que alguns dos "oradores" se convenceram de que seus discursos eram diabólicos. Parece que sua razão principal é que os discursos não se acomodavam às suas próprias convicções espirituais, o que nos poderia parecer antes uma indicação de que eram angélicos.

Também entravam pelo escorregadio caminho da profecia e ficavam envergonhados quando suas profecias não se realizavam. Alguns fatos constatados através desses sensitivos e que chocavam a sua sensibilidade religiosa poderiam ter sido melhor compreendidos por uma geração mais esclarecida. Assim, admite-se que tenha sido um dos estudiosos da Bíblia que tenha dito, em relação à Sociedade Bíblica, "que ela era um curso em toda a Terra, cobrindo o Espírito de Deus, pela letra da palavra de Deus". Certo ou errado, parece que o enunciado independe de quem o anuncia e se acha de pleno acordo com os ensinos espirituais que atualmente recebemos. Enquanto a letra for considerada sagrada, tudo pode ser provado por aquele livro, inclusive o puro materialismo.

Um dos principais iniciados era um tal Robert Baxter - e que não deve ser confundido com o Baxter, que, uns trinta anos mais tarde, estava ligado a notáveis profecias. Parece que esse Robert Baxter era um cidadão sólido, zeloso e prosaico, que via as Escrituras mais do ponto de vista de um documento legal, com um valor exato para cada frase - especialmente para aquelas frases que serviam ao seu próprio esquema hereditário da religião. Era um homem honesto, com uma consciência inquieta, que o preocupava continuamente com os menores detalhes, enquanto o deixava impertubável em relação à larga plataforma, sobre a qual eram construidas as suas opiniões

Esse homem era fortemente afetado pelo influxo do Espírito ou, para usar as próprias palavras, "a sua boca era aberta pela força". De acordo com ele, o dia 14 de janeiro de 1832 foi o começo daqueles rústicos 1260 dias que deveriam preceder a Segunda Vinda e o fim do mundo. Tal profecia deveria ter sido particularmente simpática a Irving, com os seus sonhos milenários. Mas muito antes que aqueles dias se tivessem completado, Irving estava em seu jazigo e Baxter tinha repudiado aquelas vozes que, ao menos naquele caso, o haviam enganado.

Baxter havia escrito um folheto com o pomposo título de "A Narrativa de fatos característicos de manifestações supranaturais, em Membros da Congregação de Irving e outras pessoas, na Inglaterra e na Escócia, e inicialmente no próprio autor". A verdade espiritual não poderia vir através de uma tal mente, do mesmo modo não o poderia a luz branca através de um prisma; e, ainda nesse caso, há que admitir a ocorrência de muitas coisas aparentemente sobrenaturais, de mistura com muitas duvidosas e algumas absolutamente falsas. O objetivo do folheto é principalmente abjurar os seus maus guias invisíveis de modo a poder voltar são e salvo ao seio da Igreja Escocesa.

Observe-se, entretanto, que um outro membro da congregação de Irving escreveu um panfleto de resposta com um título enorme, mostrando que Baxter estava certo enquanto inspirado pelo Espírito, e satânico nas suas errôneas conclusões. Esse folheto é interessante por conter cartas de várias pessoas que possuíam o dom das línguas, mostrando que eram gente de cultura e incapazes de uma mistificação consciente. Que dirá de tudo isso um imparcial estudioso do psiquismo, familiarizado com os dois modernos aspectos? Pessoalmente parece ao autor que tenha sido um verdadeiro influxo psíquico, mascarado por uma acanhada teologia sectarista da descrição literal, pelo que foram censurados os Fariseus.

Se lhe é permitido aventurar uma opinião, esta é que o perfeito recipiente do ensino espírita é o homem culto, que abriu caminho através de todos os credos ortodoxos e cuja mente receptiva e ardente é uma superfície limpa e pronta para registrar uma nova impressão exatamente como a recebe. Torna-se, assim, um verdadeiro filho e discípulo dos ensinos do outro mundo e todos os outros tipos de espíritas parecem acomodados. Isto não altera o fato de que a nobreza pessoal do caráter pode fazer do iniciado honesto um tipo muitíssimo mais elevado do que o simples espírita; mas isto só se aplica à atual filosofia. O campo do Espiritismo é imensamente vasto e nele cada variedade de cristão, como de maometano, de hindu ou de parsi pode viver em fraternidade.

Mas a simples admissão do retorno do Espírito e da comunicação não é suficiente. Muitos selvagens o admitem. Necessitamos, também, um código de moral. E se consideramos o Cristo como um mestre benevolente ou como um divino embaixador, Seu ensino ético atual, de uma forma ou de outra, mesmo quando não conjugado com o seu nome, é uma coisa essencial ao soerguimento da humanidade. Mas deve ser sempre controlado pela razão e aplicado conforme o espírito e não conforme a letra.

Isto, porém, é uma digressão. Nas vozes de 1831 há sinais de verdadeira força psíquica. É uma reconhecida lei espiritual que toda manifestação psíquica sofre uma distorção quando apreciada através de um médium de estreito sectarismo religioso. É também uma lei que as pessoas presunçosas e infatuadas atraem Espíritos malévolos e são alvo do espírito do mundo, dos quais se tornam joguetes através de grandes nomes e de profecias que as tornam ridículas. Tais foram os guias que desceram sobre o rebanho de Mr. Irving e produziram diversos efeitos, bons e maus, conforme o instrumento empregado. A unidade da Igreja, que tinha sido sacudida pela prévia uma grande cisão e o prédio foi reclamado pelos administradores.

Irving e os partidários que lhe ficaram fiéis andaram à procura de um novo local, e vieram encontrá-lo na sala que usava Robert Owen, o socialista, filantropo e livre-pensador, destinado, vinte anos mais tarde, a ser um dos pioneiros conversos do Espiritismo. Aí, no Gray's Inn Road, Irving reuniu os fiéis. Não se pode negar que a Igreja, tal qual a organizou, com o seu anjo, os seus presbíteros, seus diáconos, suas línguas e suas profecias, era a melhor reconstituição da primitiva Igreja Cristã jamais realizada.

Se Pedro ou Paulo se reencarnassem em Londres teriam ficado confusos e, até, horrorizados ante a Igreja de São Paulo ou a Abadia de Westminster; mas certamente teriam sentido uma atmosfera perfeitamente familiar na reunião presidida por Irving. Um sábio reconhece que há inúmeras direções para nos aproximarmos de Deus. A mente dos homens e o espírito dos tempos variam de reações à grande causa central e apenas podemos insistir numa caridade muito ampla para consigo mesmo e para com os outros. Parece que era isso o que faltava a Irving. Era sempre pelo modelo daquilo que era uma seita entre seitas que media o universo.

Havia ocasiões em que ele era vagamente consciente disso; e é possível que aquelas lutas com Apollyon, de que ele se lamenta, com o Bunnyan e os velhos Puritanos que costumavam lamentar-se tenham sido uma estranha explicação. Apollyon era, realmente, o Espírito de Verdade e a luta interior não era entre a Fé e o Pecado, mas realmente entre a obscuridade do dogma herdado e a luz inerente à razão instintiva, dom de Deus erguendo-se para sempre em revolta contra os absurdos do homem. Mas Irving viveu muito intensamente e as sucessivas crises por que passou o esgotaram. Essas discussões com teólogos teimosos e com recalcitrantes membros de seu rebanho se nos afiguram coisas triviais, quando vistas a distância; mas para ele, com aquela alma devotada, ardente e tempestuosa, eram vitais e terríveis.

Para uma inteligência emancipada, uma seita ou outra é indiferente; mas para Irving, quer pela herança, quer pela educação, a Igreja Escocesa era a Arca de Deus e ele o seu fiel e zeloso filho que, conduzido pela sua própria consciência, tinha avançado e encontrado as largas portas que conduzem à Salvação fechadas às suas costas. Era um galho cortado da árvore e ia secando. É uma comparação e mais que isto, porque se tornou, fisicamente, uma verdade. Aquele gigante de meia-idade murchou e encolheu. Seu arcabouço vergou. As faces tornaram-se cavadas e pálidas. Os olhos brilhavam de febre fatal que o consumia. E assim, trabalhando até o fim, tendo nos lábios as palavras "Se eu morrer, morrerei com o Senhor", a sua alma passou para aquela luz mais clara e mais dourada, na qual o cérebro encontra repouso e o Espírito ansioso entra numa paz e numa segurança jamais encontradas na vida.

ARTHUR CONAM DOYLE

Arthur Conan Doyle

3 - OS SHAKERS

Além do incidente isolado da Igreja de Irving, houve uma outra manifestação psíquica naqueles dias, que levou mais diretamente à revelação de Hydesville. Foi o desabrochar de fenômenos espíritas nas comunidades dos "SHAKERS", no Estados Unidos, e que despertou menos atenção do que merecia. Parece que de um lado essa boa gente se ligava aos Quakers, e do outro aos refugiados das Cevennes, vindos para a Inglaterra para se subtraírem à perseguição de Luis XIV.

Mesmo na Inglaterra as suas vidas inofensivas não os livraram da perseguição dos fanáticos e eles se viram forçados a emigrar para os Estados Unidos, durante a Guerra da Independência. Aí fundaram estabelecimentos em vários lugares vivendo vida simples e limpa, na comunidade de princípios, sóbria e castamente, na sua palavra de ordem. Não é de admirar que a nuvem psíquica das forças do além pouco a pouco descesse sobre a Terra e encontrasse repercussão naquelas comunidades altruísticas.

Em 1837 existiam sessenta desses grupos e todos eles respondiam de várias maneiras à nova força. Então guardavam muito cuidadosamente a experiência para si mesmos, porque, como os seus maiores posteriormente exploravam, certamente teriam sido levados para os hospícios se tivessem revelado o que então ocorria. Entretanto, logo depois apareceram dois livros contando as suas experiências: "Santa Sabedoria" e "O papel sagrado". Parece que os fenômenos se iniciaram com os costumeiros sinais de avisos, seguidos pela obsessão, de quando em vez, de quase toda a comunidade. Cada um, homem ou mulher, demonstrava estar preparado para a manifestação dos Espíritos.

Entretanto os invasores só chegavam depois de pedir permissão e nos intervalos não interferiam no trabalho da comunidade. Os principais visitantes eram Espíritos de Peles Vermelhas, que vinham em grupos, com uma tribo. "Um ou dois presbíteros deveriam estar na sala de baixo, aí batiam à porta e os índios pediam licença para entrar. Dada a licença, toda a tribo de Espíritos de índios invadia a casa e em poucos minutos por toda a parte ouvia-se o seu "Whop ! Whoop!". Os gritos de "whoop", aliás, emanavam dos órgãos vocais dos próprios "shakers". Mas, quando sob o controle dos índios, conversavam na lingua destes, dançavam as suas danças e em tudo mostravam que estavam realmente tomados por Espíritos de Peles Vermelhas.

Perguntarão por que deveriam esse aborígenes norte-americanos representar um papel tão saliente não só na iniciação, mas na continuidade do movimento? Há poucos médiuns de efeitos físicos neste país, como nos Estados Unidos, que não tenham como guia um Pele Vermelha e cuja fotografia não é raro ser obtida por meios psíquicos, ainda com os seus vestidos e seus peitorais de couro cru. É um dos muitos mistérios que ainda devemos solucionar. Com certeza apenas podemos dizer, baseados em nossa própria experiência, que esses Espíritos têm grandes poderes para a produção de fenômenos físicos, mas nunca demonstram um ensino mais alto do que nos chega de Espíritos europeus ou orientais.

Entretanto, os fenômenos físicos ainda são de grande importância, porque chamam a atenção dos cépticos e a assim, o papel reservado aos índios é de importância vital. Parece que os homens da rude vida campestre, na vida espiritual estão especialmente destinados às grosseiras manifestações da atividade do Espírito. E tem sido constantemente afirmado, conquanto seja difícil prová-lo, que o primeiro organizador de tais manifestações foi um aventureiro, que em vida se chamava Henry Morgan e que morreu como Governador da Jamaica, um posto para o qual havia sido nomeado ao tempo de Carlos II. Deve-se admitir que essas afirmações não provadas nenhum valor possuem no atual estado dos nossos conhecimentos, mas deveriam ser registradas, desde que informações posteriores podem um dia lançar sobre elas uma nova luz.

John King, que é o nome do Espírito do suposto Henry Morgan, é um ser muito real: poucos espíritas experimentados há que não tenha visto a sua cara barbuda e ouvido a sua voz máscula. Quanto aos índios que são seus companheiros ou subordinados, apenas é possível aventurar uma conjectura: são as crianças da Natureza, talvez mais próximas dos primitivos segredos do que outras raças mais complexas. Pode acontecer que o seu trabalho especial seja de natureza de uma expiação - explicação que o autor ouviu de seus próprios lábios.

Parece que essas explicações constituem uma digressão da atual experiência dos "shakers", mas as dificuldades que se erguem na mente do investigador se devem, em grande parte, à quantidade de fatos novos, sem ordem nem explicação, que é preciso contornar. Sua inteligência não possui escaninhos suficientes aos quais os possa adaptar. Entretanto, nestas páginas o autor procura, na medida do possível, fornecer, de sua própria experiência ou da daqueles em quem pode confiar, aquelas luzes que podem tornar o assunto mais inteligível e, pelo menos, dar uma idéia daquelas leis que os regem e que estabelecem a ligação entre os Espíritos e nós mesmos.

Acima de tudo, o investigador deve para sempre abandonar a idéia de que os desencarnados sejam, necessariamente, entidades sábias e poderosas. Eles têm a sua individualidade e as suas limitações, assim como as temos, e essas limitações se tornam mais destacadas quando se manifestam através de uma substância tão alheia quanto a matéria.

Os "shakers" contavam com um homem de notável inteligência, chamado F. W. Evans, que fez um claro e interessante relato de todo este assunto e que os curiosos podem encontrar no New York Daily Graphic, de 24 de novembro de 1874 e foi largamente citado na obra do coronel Olcott "Gente do Outro Mundo". Mr. Evans e seus companheiros, depois da primeira perturbação física e mental, causada pela irrupção daqueles Espíritos, puseram-se a estudar o que aquilo realmente significava. Chegaram à conclusão de que a matéria poderia ser dividida em três fases. A primeira consistia em provar ao observador que a coisa era verdadeira. A segunda era a fase de instrução, na qual mesmo o mais humilde Espírito pode trazer informações de sua própria experiência das condições post-mortem.

A terceira fase, dita fase missionária, era a de aplicação prática. Os "shakers" chegaram a conclusão inesperada de que os índios não tinham vindo ensinar, mas aprender. Assim, catequizaram-nos como foi possível, exatamente como o teriam feito em vida. Uma experiência semelhante ocorrem desde então em muitíssimos centros espíritas, onde humildes espíritos primitivos vieram aprender aquilo que deveriam ter aprendido neste mundo, se tivesse havido professores. Certamente perguntarão por que Espíritos mais elevados do além não cuidam desse ensino? A resposta dada ao autor, numa notável ocasião, foi a seguinte: "Essa gente está muito mais próxima de vocês do que eles de nós. Vocês podem alcançá-los onde nós não podemos".

Daí se conclui claramente que os bons "shakers" jamais estiveram em contato com os guias mais elevados - talvez não necessitassem de ser guiados - e que os seus visitantes eram de um plano inferior. Durante sete anos as visitas continuaram. Quando os Espíritos os deixaram, disseram-lhes que se iam, mas que voltariam; e que, quando voltassem, invadiriam o mundo e tanto entrariam nas choupanas quanto nos palácios.

Foi justamente depois de quatro anos que começaram as batidas de Rochester. E quando se iniciaram, Elder Evans e outro "shaker" foram a Rochester e visitaram as irmãs Fox. Sua chegada foi saudada com grande entusiasmo pelas forças invisíveis, que proclamaram que aquilo era realmente o trabalho que tinha sido predito. Digna de referência é uma observação de Elder Evans. Quando lhe perguntaram: "Não pensa que a sua experiência é a mesma dos monges e freiras da Idade Média?" sua resposta não foi: "As nossas angélicas, as outras diabólicas", como teria sido, se se invertessem os interlocutores. Ele respondeu com muita candura e clareza: "Certamente. Isto é a sua própria explicação através dos tempos. As visões de Santa Teresa são visões espíritas, do mesmo modo que as que frequentemente tem tido os membros de nossa sociedade".

Quando depois lhe perguntaram se a magia e a necromancia não pertenciam à mesma categoria, respondeu: "Sim. Isto é Espiritismo empregado para fins egoísticos". É claro que havia homens, que viveram há cerca de um século, capazes de instruir os nossos sábios de hoje. Aquela notável senhora que foi Mrs. Hardings Britten registrou em seu "Moderno Espiritualismo Americano" como se pôs em inteiro contato com a comunidade dos "shakers" e como eles lhe mostraram relatos, tomados por ocasião das visitas dos Espíritos. Nele se afirma que a nova era deveria ser inaugurada por uma extraordinária descoberta, tanto de valor material quanto espiritual.

Esta é uma notável profecia como é um assunto de história que os campos auríferos da Califórnia foram descobertos pouco tempo depois daquela erupção psíquica. Um partidário de Swedenborg, com a sua doutrina das correlações, possivelmente sustentaria que estes dois fatos se complementam. O episódio da manifestação dos "shakers" é um elo muito distinto entre o trabalho de pioneiro de Swedenborg e o período de Davis e das Irmãs Fox.

ARTHUR CONAN DOYLE

4 - O profeta da Nova Revelação

ANDREW JACKSON DAVIS foi um dos homens mais notáveis de que temos uma informação exata. Nascido em 1826 nas margens do Hudson, sua mãe era uma criatura deseducada, com tendências visionárias aliadas à superstição vulgar; seu pai era um borracho, trabalhador em couros. Escreveu detalhes de sua própria infância num livro curioso: "A Vara Mágica" que nos revela a vida primitiva e dura das províncias americanas na primeira metade do século passado.

O povo era rude e deseducado, mas o seu lado espiritual era muito vivo: parecia estar sempre pronto para alcançar algo de novo. Foi nesses distritos rurais de New York que, no espaço de poucos anos, se desenvolveram o Mormonismo e o Espiritismo. Jamais houve um rapaz com menos disposições favoráveis do que Davis. Era fraco de corpo e pobre de mente. Fora dos livros da escola primária apenas se lembrava de um livro que sempre lia até os dezesseis anos de idade. Entretanto naquela criatura mirrada dormiam tais forças espirituais que antes dos vinte anos tinha escrito um dos livros mais profundos e originais de filosofia jamais produzidos.

Poderia haver mais clara prova de que nada tinha vindo dele mesmo e de que não passava de um conduto, através do qual fluía o conhecimento daquele vasto reservatório que dispõe de tão incompreensíveis dispositivos? O valor de uma Jeanne D'Arc, a santidade de uma Teresa, a sabedoria de um Jackson Davis, os poderes supranormais de um Daniel Home, tudo vem da mesma fonte. Nos seus últimos anos da infância começaram a se desenvolver os poderes psíquicos de Davis. Como Jeanne D'Arc ouvia vozes no campo - vozes gentis que lhe davam bons conselhos e conforto. A clarividência seguiu essa clariaudiência.

Por ocasião da morte de sua mãe, teve uma notável visão de uma casa muito amável, numa região brilhante, que imaginou ser o lugar para onde sua mãe tinha ido. Entretanto sua completa capacidade foi despertada por uma circunstância: veio à sua aldeia um saltimbanco que exibia as maravilhas do mesmerismo; fez uma experiência com Davis, e também com muitos outros jovens rústicos, que quiseram provar aquela sensação. Logo foi constatado que Davis possuía poder de clarividência.

Estes não foram desenvolvidos pelo peripatético mesmerista, mas por um alfaiate local, um certo Livingstone, que parece ter sido um pensador avançado. Ele ficou tão intrigado com os dons do seu sensitivo que abandonou o seu próspero negócio e devotou todo o seu tempo ao trabalho com Davis, empregando a sua clarividência no diagnóstico de doenças. Davis havia desenvolvido essa força, comum entre os psiquistas, de ver sem os olhos, inclusive aquelas coisas que não podiam ser vistas pela visão humana. A princípio o dom era usado como uma espécie de divertimento, na leitura de cartas e relógios de uma assistência rústica, tendo o sensitivo os olhos vendados. Neste caso, qualquer parte do corpo pode exercer a função de ver. A razão disso talvez seja que o físico, esteja total ou parcialmente desprendido e registre a a impressão.

Desde que pode tomar tal atitude, ou andar à volta, pode ver de qualquer ponto. É uma explicação para casos como o que o autor encontrou no Norte da Inglaterra, onde Tom Tyrrell, o famoso médium, costumava andar à volta da sala, olhando os quadros, de costas para as paredes onde os mesmos estavam pendurados. Sem em tais casos os olhos etéreos vêem os quadros, ou se vêem uma réplica etérea dos mesmos, temos um dos muitos problemas que deixamos à posteridade. Livingstone, a princípio, usou Davis para diagnósticos médicos. Descrevia como o corpo humano se tornava transparente aos seus olhos espirituais, que pareciam funcionar do centro de sua testa. Cada órgão aparecia claramente e com uma radiação especial e peculiar, que se obscurecia em caso de doença. Para a mentalidade médica ortodoxa, com a qual muito simpatiza o autor, tais poderes são possíveis de abrir uma porta para o charlatanismo e ainda o inclina a admitir que tudo quanto foi dito por Davis tivesse sido corroborado pela própria experiência de Mr. Bloomfield, de Melbourne, que descreveu ao autor a admiração de que ficou possuído, quando sua força se manifestou subitamente na rua, lhe mostrando detalhes anatômicos de duas pessoas que andavam à sua frente.

Tão bem verificados têm sido tais poderes, que não é raro verem-se médicos tomar clarividentes ao seu serviço, como auxiliares para o diagnóstico. Diz Hipócrates: "A alma vê de olhos fechados as afecções sofridas pelo corpo". Assim, ao que parece, os antigos sabiam algo a respeito de tais métodos. As observações de Davis não se circunscreviam aos que se achavam em sua presença: sua alma ou corpo etérico podia libertar-se pela ação magnética de seu empresário e ser mandada como um pombo-correio, na certeza de que regressaria com a informação desejada. Além da missão humanitária em que geralmente se empenhava, às vezes vagava livremente; então descrevia, em magníficas passagens, como via a Terra translúcida, abaixo dele, com os grandes veios de depósitos minerais, como que brilhando através de massa de metal, cada qual com a sua radiação peculiar.

É notável que nessa fase inicial da experiência psíquica de Davis não tivesse ele a recordação daquilo que tinha visto em transe. Contudo, essa recordação era registrada no seu subconsciente e, posteriormente, a recuperava com clareza. Com o tempo tornou-se uma fonte de informações para os outros, posto que ficasse ignorante para si próprio. Até então o seu desenvolvimento se havia processado de maneira não incomum e que podia ser comparado com a experiência de qualquer estudioso de psiquismo.

Foi quando ocorreu um episódio inteiramente novo e que é minuciosamente descrito na sua autobiografia. Em resumo, os fatos foram o seguintes. Na tarde de 6 de março de 1844, Davis subitamente tomado por uma força que o fez voar da pequena cidade de Poughkeepsie, onde vivia, e fazer uma pequena viagem no estado de semitranse. Quando voltou à consciência, encontrava-se entre montanhas agrestes e aí, diz ele, encontrou dois anciãos, com os quais entrou em íntima e elevada comunhão, uma sobre medicina e outra sobre moral. Esteve ausente toda a noite; e quando indagou de outras pessoas na manhã seguinte, disseram-lhe que tinha estado nas Montanhas de Catskill, a cerca de quarenta milhas de casa.

A história tem todas as aparências de uma experiência subjetiva, um sonho ou uma visão, e ninguém hesitaria em considerá-la como tal, se não fosse o detalhe de seu regresso e da refeição que tomou a seguir. Uma alternativa seria que o vôo para as montanhas fosse uma realidade e as entrevistas um sonho. Diz ele que posteriormente identificou seus dois mentores como sendo Galeno e Swedenborg, o que é interessante, por ser o primeiro contato com os mortos por ele próprio reconhecido. Todo episódio pareceu visionário e não teve qualquer ligação com o notável futuro desse homem.

Verificou maiores forças a se agitarem em si mesmo e foi avisado de que, quando lhe faziam perguntas sérias, enquanto se achava em transe mesmérico, sempre respondia: "Responderei a isto em meu livro". Aos dezenove anos sentiu chegado o momento de o escrever. A influência magnética de Livingstone, por isso ou por aquilo, parece que não era adequada para tal fim. Então foi escolhido o dr. Lyon como novo magnetizador. Lyon abandonou o consultório e foi a New York com o seu protegido, onde procurou o Rev. William Fishbough, convidando-o para ser secretário. Parece que essa escolha vidando-o era justificada, pois este logo abandonou o seu trabalho e aceitou o convite.

Então, preparado o aparelho, Lyon submetia diariamente o jovem a transe magnéticos e suas manifestações eram registradas pelo fiel secretário. Não havia dinheiro nem publicidade no assunto, de modo que nem o mais céptico dos críticos poderia deixar de admitir que a ocupação e os objetivos desses três homens constituissem um maravilhoso contraste com a preocupação material de fazer dinheiro que os rodeava. Eles buscavam o mais além. E que é o que podia fazer o homem de mais nobre?

Há que levar em conta um tubo não pode conter mais do que lhe permite o seu diâmetro. O diâmetro de Davis era muito diferente do de Swedenborg. Cada um recebia conhecimento quando num estado de iluminação. Mas Swedenborg era o homem mais instruído da Europa, enquanto Davis era um jovem tão ignorante quanto se podia encontrar no Estado de New York. A revelação de Swedenborg talvez fosse a maior, posto que, muito provavelmente, pontilhada por seus próprios conhecimentos. A revelação de Davis era, comparativamente, um milagre maior.

O dr. George Bush, professor de Hebraico na Universidade de New York, uma das testemunhas quando eram recebidas as orações em transe, assim escreve: "Afirmo solenemente que ouvi Davis citar corretamente a lingua hebraica em suas palestras, e demonstrar um conhecimento de geologia muito admirável numa pessoa de sua idade, ainda quando tivesse devotado anos a esse estudo. Discutiu, com grande habilidade, as mais profundas questões de arqueologia histórica e bíblica, de mitologia, da origem e das afinidades da Terra, de modo que fariam honra a qualquer estudante daquela idade, mesmo que, para as alcançar, tivesse consultado todas as bibliotecas da Cristandade.

Realmente, se ele tivesse adquirido todas as informações que externa em suas conferências, não em dois anos, desde que deixou o banco de sapateiro, mas em toda a sua vida, com a maior assiduidade no estudo, nenhum prodígio intelectual de que o mundo tem notícia, por um instante seria comparável com este, muito embora nenhum volume, nenhuma página tenha sido publicada." Eis um admirável retrato de Davis na época. E Bush chama-nos a atenção para o seu equipamento, quando diz: "A circunferência de sua cabeça é demasiadamente pequena. Se o tamanho fosse a medida da força, então a capacidade mental desse jovem seria limitadíssima. Os pulmões são fracos e atrofiados. Não viveu num ambiente refinado: suas maneiras eram grosseiras e rústicas. Não tinha lido senão um livro. Nada conhece de gramática ou das regras de linguagem nem esteve em contato com pessoas dos meios literários ou científicos".

Tal era o moço de dezenove anos, do qual jorrava então uma catadupa de palavras e de idéias, abertas à crítica, não por sua simplicidade, mas por serem demasiado complexas e envoltas em termos científicos, conquanto sempre com um fio consistente de raciocínio e de método. Vem a propósito falar do subconsciente, embora isto geralmente tenha sido tomado como idéias aparentemente recebidas e submergidas. Se, por exemplo, o desenvolvido Davis pudesse recordar o que tinha acontecido em seus transes durante os seus dias de não desenvolvimento, teríamos um claro exemplo de emergência daquelas impressões sepultadas. Mas seria abusar das palavras falar de um inconsciente quando tratamos com alguma coisa que, por meios normais, jamais poderia alcançar qualquer extrato da mente, consciente ou inconsciente.

Eis o começo da grande revelação psíquica de Davis, que se derramou, ocasionalmente, por muitos livros, todos compendiados pelo nome de "Filosofia Harmônica". Nessa fase de sua vida, pretende Davis haver estado sob a influência direta da entidade que posteriormente identificou como sendo Swedenborg - nome muito pouco familiar naquele tempo. De vez em quando recebia um aviso, pela clarividência, "para subir a montanha". Essa montanha se acha situada na outra margem do Hudson, oposta a Poughkeepsie. Aí na montanha pretende ele que se encontrava e conversava com uma figura venerável. Parece que não houve qualquer indício de materialização e o incidente não tem analogia em nossa experiência psíquica, salvo se - e temos que falar com toda a reverência - também o Cristo subiu a um monte e entrou em comunhão com as formas de Moisés e de Elias. Nisso a analogia parece completa.

Não parece que Davis tenha sido absolutamente um homem religioso, no sentido comum e convencional, embora se achasse saturado de forças verdadeiramente espirituais. Seus pontos de vista, até onde é possível acompanhá-lo, eram de crítica franca em relação à revelação bíblica e, na pior das hipóteses, honesto, honrado, incorruptível, ansioso pela verdade e consciente de sua responsabilidade pela sua divulgação. Durante dois anos o seu subconsciente continuou ditando o livro sobre os segredos da Natureza, enquanto o consciente Davis adquiriu um pouco de auto-educação em New York, com ocasionais visitas restauradoras a Poughkeepsie. Tinha começado a chamar a atenção de algumas pessoas sérias e Edgar Allan Poe era um dos seus visitantes.

Seu desenvolvimento psíquico continuava e antes dos vinte e um anos tinha chegado a ponto de não mais necesssitar de alguém para cair em transe; realizava-o sozinho. Por fim sua memória subconsciente se tinha aberto e ele se tornou capaz de abarcar o largo alcance de suas experiências. Foi então que se assentou ao lado de uma senhora agonizante e observou todos os detalhes da partida da alma, cuja magnífica descrição nos dá no primeiro volume de "A Grande Harmonia". Conquanto sua descrição tenha aparecido numa separata, não é tão conhecida quanto deveria sê-lo. Um pequeno resumo deve ser interessante para o leitor.

Começa ele por uma consoladora reflexão sobre os vôos de sua própria alma, que eram morte em todos os sentidos, salvo quanto a duração, e lhe haviam mostrado que a experiência era "interessante e deliciosa" e que aqueles sintomas que parecem sinais de sofrimento não passam de reflexos inconscientes do corpo e não têm significação. Diz então como, havendo-se jogado antes naquilo que chama de "Condição Superior", havia observado as etapas do lado espiritual. O "olho material vê apenas o que é material, e o espiritual o que é espiritual". Como, porém, tudo tem uma contrapartida espiritual, o resultado é o mesmo. Assim, se um Espírito vem a nós, não é a nós que ele vê, mas o nosso corpo etérico, que é, aliás, uma réplica do nosso corpo material.

Foi esse corpo etérico que Davis viu emergindo do envoltório de protoplasma da pobre moribunda, que finalmente ficou vazio no leito, como a enrugada crisálida depois que a borboleta se libertou. O processo começou por uma extrema concentração no cérebro, que se foi tornando cada vez mais luminoso, enquanto as extremidades de tornavam escuras. É provável que o homem nunca pense tão claramente ou seja tão intensamente cônscio quanto depois que todos os meios de indicação de seus pensamentos o abandonaram. Então o novo corpo começa a emergir, a começar pela cabeça. Em breve se acha completamente livre, de pé ao lado, de seu cadáver, com os pés próximo à cabeça e com uma faixa luminosa vital, correspondente ao cordão umbilical.

Quando o cordão se rompe, uma pequena porção é absorvida pelo cadáver, assim o preservando da imediata putrefação. Quanto ao corpo etérico, leva algum tempo até adaptar-se ao novo ambiente, até passar pela porta aberta. "Eu a vi passar para a sala contígua, através da porta e da casa, erguer-se no espaço. Depois que saiu da casa encontrou dois Espíritos amigos, da região espiritual que, depois de um terno reconhecimento e de um entendimento entre os três, da mais graciosa das maneiras, começou a subir obliquamente pelo envoltório etéreo de nosso globo. Marchavam juntos tão naturalmente, tão fraternalmente que me custava imaginar que se librassem no ar: pareciam subir pela encosta de uma montanha gloriosa e familiar. Continuei a olhá-los, até que a distância os fechou aos meus olhos".

Tal a visão da Morte, tal qual a percebeu A. J. Davis - muito diferente daquela treva horrível que por tanto tempo obsidiou a imaginação humana. Se isto é verdade, podemos voltar nossas simpatias para o Dr. Hodgson e sua exclamação: "Custa-me suportar a espera". Mas é verdade? Apenas podemos dizer que há muita evidência a corroborá-la. Muitas pessoas que caem em estado cataléptico, ou que estiveram tão doentes que chegaram ao estado de coma, trouxeram impressões muito concordes com a descrição de Davis, posto que outras tivessem voltado com o cérebro inteiramente vazio. Quando em Cincinnati, em 1923, o autor esteve em contato com uma tal Mrs. Monk, que tinha sido, pelos médicos, dada como morta, e que durante cerca de uma hora havia experimentado a vida post-mortem, antes que um capricho da sorte a devolvesse à vida, ela escreveu um pequeno relato de sua experiência, no qual recorda uma vívida lembrança de ter saído do quarto, exatamente como descreve Davis, e do fio prateado que continuava unindo sua alma viva e a seu corpo comatoso.

Um notável caso foi publicado na revista Light, de 25 de março de 1922, no qual cinco filhas de uma senhora agonizante, todas clarividentes, viram e descreveram o processo da morte de sua mãe. Aqui também a descrição do processo era muito semelhante aquele descrito, posto haja algumas diferenças bastantes entre estes último e outros casos para sugerir que a sequência dos acontecimentos nem sempre é regida pelas mesmas leis. Outra variante de extremo interesse encontra-se num desenho feito por uma criança médium, que pinta a alma deixando o corpo e é descrito no trabalho de Mrs. De Morgan, "Da Matéria ao Espírito", página 121. Este livro, com sua oitenta páginas de prefácio pelo célebre matemático, Prof. De Morgan, é um dos trabalhos de pioneiro do movimento espírita na Grã-Bretanha.

Quando se pensa que foi publicado em 1863, sente-se um peso no coração pelo sucesso daquelas forças de obstrução, tão fortemente refletidas na imprensa, que tem conseguido durante tantos anos colocar-se entre a mensagem de Deus e a raça humana. A força profética de Davis apenas pode ser desconhecida pelos cépticos que ignoram os fatos. Antes de 1856 profetizou detalhadamente o aparecimento do automóvel e da máquina de escrever. Em seu livro "Penetralia" lê-se o seguinte: Pergunta: "Poderá o utilitarismo fazer descobertas em outra direção da locomoção?" - "Sim: buscam-se nesses dias carros e transportes coletivos que correrão por estradas rurais - sem cavalos, sem vapor, sem qualquer força natural visível - movendo-se com alta velocidade e com muito mais segurança do que atualmente. Os veículos serão acionados por uma estranha, bonita e simples mistura de gases aquosos e atmosféricos - tão facilmente condensados, tão simplesmente inflamados e tão ligados à máquina, que de certo modo se assemelha às nossas, que ficarão ocultos e serão manejados entre as rodas da frente.

Tais veículos evitarão muitos embaraços atualmente experimentados pela gente que vive em regiões pouco povoadas. O primeiro requisito para que essas locomotivas de chão serão boas estradas, nas quais, com a sua máquina, sem cavalos, a gente pode viajar com muita rapidez. Esses carros me parecem de construção pouco complicada". A seguir perguntaram: -"Percebe algum plano que permita acelerar a maneira de escrever?" - Sim. Quase me sinto inclinado a inventar um psicógrafo automático, isto é, uma alma escritora artificial. Pode ser construída assim como um piano, com uma série de teclas, cada uma para um som elementar; um teclado mais baixo apra fazer uma combinação e um terceiro para uma rápida recombinação. Assim, em vez de se tocar uma peça de música, pode-se escrever um sermão ou um poema".

Do mesmo modo, respondendo a uma pergunta relativa ao que era então chamado "navegação atmosférica", sentiu-se "profundamente impressionado" porque "o mecanismo necessário - para atravessar as correntes de ar, de modo que se possa navegar tão fácil, segura e agradavelmente quanto os pássaros - depende de uma nova força motriz. Essa força virá. Não só acionará a locomotiva sobre os trilhos, e os carros nas estradas rurais, mas também os veículos aéreos que atravessarão o céu de país para país". O aparecimento do Espiritismo foi predito nos seus "Princípios da Natureza", publicados em 1847, onde diz: -"É verdade que os Espíritos se comunicam entre si, quando um está no corpo e outro em esferas mais altas - e, também, quando uma pessoa em seu corpo é inconsciente do influxo e, assim, não se pode convencer do fato.

Não levará muito tempo para que essa verdade se apresente como viva demonstração. E o mundo saudará com alegria o surgimento dessa era, ao mesmo tempo que o íntimo dos homens será aberto e estabelecida a comunicação espírita tal qual a desfrutam os habitantes de Marte, Júpiter e Saturno." Nesta matéria os ensinamentos de Davis eram definitivos embora se deva admitir que uma boa parte de seu trabalho é vaga e difícil de ler, porque desfigurada pelo emprego de vocábulos longos e ocasionalmente inventados por ele. Entretanto são de um alto nível moral e intelectual, e pode ser melhor descrito como um atualizado Cristianismo, com a ética do Cristo aplicada aos problemas modernos e inteiramente coberto de quaisquer traços de dogmas. A "Religião Documentária", como a chama Davis, em sua opinião absolutamente não é uma religião.

Tal nome só deve ser aplicado ao produto pessoal da razão e da espiritualidade. Tal a linha geral do ensino, misturado com muitas revelações da Natureza, exposto em sucessivos livros da "Filosofia Harmônica", a que se seguiram as "Revelações Divinas da Natureza" e que tomaram os anos seguintes de sua vida. Muitos de seus ensinos apareceram num jornal estranho, chamado "Univercelum" e em conferências proferidas para dar a conhecer as suas revelações.

Em suas visões espirituais, Davis viu uma disposição do universo que corresponde proximamente à que foi apresentada por Swedenborg, adicionada pelo ensino posterior dos Espíritos e aceita pelos espíritas. Viu uma vida semelhante à da Terra, uma vida que pode ser chamada semimaterial, com prazeres e objetivos adequados à nossa natureza, que de modo algum se havia transformado pela morte. Viu estudo para os estudiosos, tarefas geniais para os enérgicos, arte para os artistas, beleza para os amantes da Natureza, repouso para os cansados. Viu fases graduadas da vida espiritual, através das quais lentamente se sobe para o sublime e para o celestial. Levou a sua magnífica visão acima do presente universo e o viu como este uma vez mais se dissolvia numa nuvem de fogo, da qual se havia consolidado, e, uma vez mais se consolidado para formar o estágio, no qual uma evolução mais alta teria lugar e onde uma classe mais alta se iniciaria do mesmo modo que algures a classe mais baixa.

Viu que esse processo se renovava muitas vezes, cobrindo trilhões de anos e sempre trabalhando no sentido do refinamento e da purificação. Descreveu essas esferas como anéis concêntricos em redo do mundo; mas como admite que nem o tempo nem o espaço são claramente definidos em suas visões, não devemos tomar a sua geografia muito ao pé da letra. O objetivo da vida é preparar para o adiantamento nesse tremendo esquema; e o melhor método para o progresso humano é livrar-se do pecado - não só dos pecados geralmente reconhecidos, mas também dos pecados do fanatismo, da estreiteza de vistas e da dureza, que são manchas especiais, não só na efêmera vida da carne, mas na permanente vida do Espírito. Para tal fim o retorno à vida simples, às crenças simples e à fraternidade primitiva se tornam essenciais. O dinheiro, o álcool, a luxúria, a violência e o sacerdócio - no seu limitado sentido - constituem os maiores empecilhos do progresso humano.

Há que admitir-se que Davis, até onde se pode acompanhar a sua vida, tenha vivido para as suas idéias. Era muito humilde, mas daquela matéria de que são feitos os santos. Sua autobiografia vai apenas até 1857, de modo que teria pouco mais de trinta anos quando a publicou. Mas dá uma descrição muito completa e por vezes muito involuntária de seu íntimo. Era muito pobre, mas justo e caridoso. Era muito sério, mas muito paciente na argumentação e delicado na contradita. Fizeram-lhe as piores acusações, que ele recorda com um sorriso de tolerância. Dá uma informação completa de seus dois primeiros casamentos, tão originais quanto tudo o mais a seu respeito, mas que apenas depõem em seu favor.

Desde a data em que termina "A Varinha Mágica", parece que levou a mesma vida, alternando leitura e escrita, conquistando cada vez mais prosélitos, até que morreu em 1910, na idade de oitenta e quatro anos. Passou os últimos anos de sua vida como diretor de uma pequena livraria em Boston. O fato de a sua "Filosofia Harmônica" ter tido umas quarenta edições nos Estados Unidos constitui uma prova de que a semente que lançou com tanta constância não caiu em terreno sáfaro. Para nós o que é importante é o papel representado por Davis no começo da revelação espírita. Ele começou a preparar o terreno, antes que se iniciasse a revelação. Estava claramente fadado a associar-se intimamente com ela, de vez que conhecia a demonstração de Hydesville, desde o dia em que ocorreu. De suas notas tomamos a passagem seguinte, que traz a data significativa de 31 de março de 1848:

"Esta madrugada um sopro quente passou pela minha face e ouvi uma voz, suave e forte, dizer: "Irmão, um bom trabalho foi começado - olha ! surgiu uma demonstração viva". Fiquei pensando o que queria dizer semelhante mensagem. Era o começo do enorme movimento do qual participaria como profeta. Suas próprias forças, do lado mental, era supranormais, do mesmo modo que as físicas o são do lado material. Elas se completam. Era, até o extremo de sua capacidade, a alma do movimento, e o único cérebro que tinha uma visão clara da mensagem, anunciada de maneira tão nova como estranha. Nenhum homem poderia receber aquela mensagem por inteiro, porque é infinita e cada vez se ergue mais alto, à medida que tomamos contato com seres mais elevados.

Mas Davis a interpretou tão bem para os seus dias e para a sua geração que, mesmo agora, muito pouco pode ser adicionado às suas concepções. Tinha ido além de Swedenborg, embora não possuísse o equipamento mental deste, para abarcar os seus resultados. Swedenborg havia visto o céu e o inferno, tal como Davis os vira e descrevera minuciosamente. Entretanto Swedenborg não teve uma visão clara da posição dos mortos e da verdadeira natureza do mundo dos Espíritos, com a possibilidade de retorno, como foi revelado ao vidente americano. Tal conhecimento veio lentamente a Davis. Suas estranhas entrevistas com o que chamava de "Espíritos materializados" eram coisas excepcionais, das quais tirou conclusões importantes. Só mais tarde é que tomou contato com os atuais fenômenos espíritas, cuja significação completa era capaz de ver.

Esse contato não foi estabelecido em Rochester, mas em Stratford, no Connecticut, onde Davis foi testemunha dos fenômenos do Poltergeist, produzidos em casa de um clérigo, o dr. Phelps, no começo de 1850. O seu estudo conduziu-o a escrever um panfleto - Filosofia do Comércio com os Espíritos - mais tarde desenvolvido num livro que encerra muita coisa que o mundo ainda não aprendeu. Algumas destas coisas, na sua sábia redução, devem ser recomendadas a alguns espíritas. "O Espiritismo é útil como uma vívida demonstração da existência futura", diz ele. "Os Espíritos me ajudaram muitas vezes, mas nem controlam a minha pessoa, nem a minha razão. Bondosamente podem realizar - e realizam - coisas para os que vivem na Terra. Mas os benefícios só serão garantidos com a condição de que lhes permitamos tornar-se nossos mestres e não nossos donos - que os aceitemos como companheiros, mas não como deuses a quem devamos adorar". Sábias palavras - e uma moderna verificação da observação vital de São Paulo, de que o profeta não se deve sujeitar aos seus próprios dons.

Para explicar adequadamente a vida de Davis, há que ascender às condições supranormais. Mesmo assim, entretanto, há explicações alternadas, se forem considerados os seguintes fatos inegáveis:

1 - que ele proclama ter visto e ouvido a forma materializada de Swedenborg, antes que soubesse algo de seus ensinos;

2 - que alguma coisa possuía esse jovem ignorante, que lhe deu muita sabedoria;

3 - que essa sabedoria cobriu os mesmos amplos e universais domínios que eram característicos de Swedenborg;

4 - mas representavam um passo à frente, de vez que adicionavam aquele conhecimento do poder do Espírito, que Swedenborg deve ter atingido após a sua morte.

Considerando estes quatro pontos, então, não será admissível que Davis fosse controlado pelo Espírito de Swedenborg? Bom seria que a estimável, mas estreita e limitada Nova Igreja tomasse essas possibilidades em consideração. Se, porém, Davis ficar só, ou se for o reflexo de alguém maior que ele, resta o fato de que era um milagre, o inspirado, o culto, o deseducado apóstolo da nova revelação. Sua influência foi tão permanente que o conhecido artista e crítico Mr. E. Wake Cook, em seu notável livro "Regressão em Arte" classifica os ensinos de Davis como uma influência moderna que poderia reorganizar o mundo.

Davis deixou uma profunda marca no Espiritismo. "Terra do Verão", por exemplo, como denominação para o moderno Paraíso e todo o sistema de Liceus, com a sua engenhosa organização, é de sua invenção. Conforme a observação de Mr. Baseden Butt, "Mesmo agora é difícil, senão impossível, avaliar todo o alcance de sua influência".

ARTHUR CONAN DOYLE

5 - O espisódio de Hydesville

Acabamos de expor as quatro manifestações, desconexas e irregulares, da força psíquica, nos casos que se apresentaram, e chegamos, por fim, ao episódio particular que, realmente, se achava em nível inferior ao dos anteriores, mas ocorrido em presença de pessoas práticas, que encontraram meios de o explorar completamente e de introduzir raciocínio e sistema naquilo que havia sido mero objeto de admiração sem propósito.

É verdade que as circunstâncias eram mesquinhas, os atores humildes, o lugar remoto, a comunicação sórdida, de vez que obediente a um motivo tão baixo quanto a vingança. É verdade que, na vida diária deste mundo, se quisermos verificar se um fio telegráfico está funcionando, examinaremos se uma mensagem passa por ele; mas a elevação ou a baixeza dessa mensagem será de consideração de segunda ordem. Diz-se que a primeira mensagem que foi transmitida pelo cabo submarino era uma trivialidade, uma pergunta feita pelo engenheiro inspetor.

Não obstante, desde então o empregam reis e presidentes. É assim que o humilde Espírito do mascate assassinado de Hydesville pode ter aberto uma passagem, através da qual se precipitaram os anjos. Há bons e maus e inumeráveis intermediários no Outro Lado, como do lado de cá do véu. A companhia que atraímos depende de nós mesmos e de nossos próprios motivos.

Hydesville é um vilarejo típico do Estado de New York, com uma população primitiva, certamente semi-educada, mas, provavelmente, como os demais pequenos centros de vida americanos, mais livres de preconceitos e mais receptivos das novas idéias do que qualquer outro povo da época. Aquela povoação, situada a cerca de vinte milhas da nascente cidade de Rochester, consistia de um grupo de casas de madeira, de tipo muito humilde. Foi numa dessas casas, residência que não satisfaria as exigências de um inspetor de conselho distrital britânico, que se iniciou o desenvolvimento que, atualmente, na opinião de muitos é a coisa mais importante que deu a América para o bem-estar do mundo.

Era habitada por uma honesta família de fazendeiros, de nome Fox - um nome que, por curiosa coincidência, tinha sido registrado na história religiosa como o do apóstolo dos Quakers. Além de pai e mãe, de religião metodista, havia duas filhas morando na casa ao tempo em que as manifestações atingiram tal ponto de intensidade que atraíram a atenção geral. Eram as filhas Margaret, de quatorze anos e Kate de onze. Havia vários outros filhos e filhas, que não residiam aí, uma das quais, Leah, que ensinava música em Rochester, deve ser citada nesta narrativa.

A casinha já gozava de má reputação. Os fatos tinham sido coligidos e logo depois publicados. Parece que se ligam tanto a essas informações quanto é possível. À vista da extrema importância de tudo quanto se liga ao assunto, alguns extratos de tais informações devem ser incertos. A família Fox alugou a casa a 11 de dezembro de 1847. Só no ano seguinte foi que os ruídos notados pelos antigos inquilinos voltaram a ser ouvidos. Consistiam de ruídos de arranhadura. Tais ruídos pareciam sons pouco naturais para serem produzidos por visitantes de fora, se quisessem advertir-nos de sua presença à porta da vida humana e desejassem que essa porta lhes fosse aberta.

Exatamente esses arranhões (todos desconhecidos desses fazendeiros iletrados), tinham ocorrido na Inglaterra em 1661, em casa de Mrs. Mompesson, em Tedworth. Esses arranhões também são registrados por Melancthon, como tendo sido verificados em Oppenheim, na Alemanha, em 1520. Também foram ouvidos em Epworth Vicarage, em 1716. Aqui o foram uma vez mais e, por fim, tiveram a sorte de ver a porta abrir-se. Parece que esses ruídos não incomodaram a família Fox até meados de março de 1848. Dessa data em diante cresceram continuamente de intensidade.

Às vezes eram simples batidas; outras vezes soavam como o arrastar de móveis. As meninas ficavam tão alarmadas que se recusavam a dormir separadas e iam para o quarto dos pais. Tão vibrantes eram os sons que as camas tremiam e se moviam. Foram feitas todas as investigações possíveis: o marido esperava de um lado da porta e a mulher do outro, mas os arranhões ainda continuavam. Logo se espalhou que a luz do dia era inimiga dos fenômenos, o que reforçou a idéia de fraude; mas toda solução possível foi experimentada e falhou.

Finalmente, na noite de 31 de março de 1848 houve uma irrupção de inexplicáveis sons muito altos e continuados. Foi nessa noite que um dos grandes pontos da evolução psíquica foi alcançado, desde que foi nessa noite que a jovem Kate Fox desafiou a força invisível a repetir as batidas que ela dava com os dedos. Aquele quarto rústico, com aquela gente ansiosa, expectante, em mangas de camisa, com os rostos alterados, num círculo iluminado por velas e suas grandes sombras se projetando nos cantos, bem podia ser assunto para um grande quadro histórico. Procure-se por todos os palácios e chancelarias de 1848: onde será encontrada uma sala que se tenha notabilizado na história como aquele pequeno quarto de uma cabana?

Conquanto o desafio da mocinha tivesse sido feito em palavras brandas, foi imediatamente respondido. Cada pedido era respondido por um golpe. Posto que humildes os operadores de ambos os lados, a TELEGRAFIA ESPIRITUAL estava funcionando. Deixavam à paciência e à dedicação da raça humana determinar as alturas do emprego que dela faria no futuro. Havia muitas forças inexplicadas no mundo; mas aqui estava uma força que pretendia ter às suas costas uma inteligência independente. Isto era a suprema significação de um novo ponto de partida.

Mrs. Fox ficou admirada daquele resultado e da posterior descoberta de que aquela força, ao que parecia, era capaz de ver e ouvir, pois quando Kate dobrava o dedo sem barulho, o arranhão respondia. A mãe fez uma série de perguntas, cujas respostas, dadas em números, mostravam maior conhecimento de seus próprios negócios do que ela mesma o possuía, pois os arranhões insistiam em que ela tinha tido sete filhos, enquanto ela protestava que só tinha tido seis, até que veio à sua mente um que havia morrido em tenra idade. Uma vizinha, Mrs. Redfield, foi chamada e sua distração se transformou em maravilha e, por fim, pavor, quando teve respostas corretas a questões íntimas.

À medida que se espalhavam as notícias dessas maravilhas, os vizinhos chegavam em bandos, um dos quais levou as duas meninas, enquanto Mrs. Fox foi passar a noite em casa de Mrs. Redfield. Em sua ausência os fenômenos continuaram exatamente como antes, o que afasta de uma vez por todas aquelas hipóteses de estalos de dedos e de deslocamentos de joelhos, tão frequentemente admitidas por pessoas ignorantes da verdade dos fatos. Tendo-se formado uma espécie de comissão de investigação, aquela gente, na maliciosa feição ianque, levou parte da noite de 31 de março num de jogo de perguntas e respostas com a inteligência invisível. Conforme a sua própria declaração, ele era um Espírito; tinha sido assassinado naquela casa; indicou o nome do antigo inquilino que o matara; tinha então - há cinco anos passados - trinta e um anos de idade; fora assassinado por causa de dinheiro; tinha sido enterrado numa adega, a dez pés de profundidade.

Descendo à adega, golpes pesados e brutais soaram, aparentemente vindo de dentro da terra, enquanto o investigador estava no meio da peça. Não houve sons em outras ocasiões. Aquele era, pois, o lugar da sepultura! Foi um vizinho chamado Duesler, quem, pela primeira vez, usou o alfabeto para obter respostas por meio de arranhões nas letras. Assim foi obtido o nome do morto - Charles B. Rosma. A idéia de coordenar as mensagens só se desenvolveu quatro meses mais tarde, quando Isaac Post, um quaker de Rochester, tomou a direção. Em poucas palavras, estes foram os acontecimentos de 31 de março, que se continuaram e se confirmaram na noite seguinte, quando não menos de duzentas pessoas se haviam reunido em volta da casa. No dia 2 de abril foi constatado que os arranhões tanto se produziam de dia quanto de noite.

Eis a sinopse dos acontecimentos da noite de 31 de março de 1848, à pequena raiz da qual se desenvolveu uma árvore tão grande. E como este volume pode ser chamado um monumento em sua memória, parece adequado que a história seja contada nas mesmas palavras das duas primeiras testemunhas adultas. Suas declarações foram feitas quatro dias depois após a ocorrência, e fazem parte daquela peça admirável de pesquisa psíquica, escrita pela comissão local.

Arthur Conan Doyle

6 - A carreira das irmãs Fox

Por amor à continuidade, a história subsequente das Irmãs Fox agora será dada após os acontecimentos de Hydesville. É uma história notável, embora dolorosa para os Espíritas; mas encerram esse fatos uma lição, pelo que devem ser registrados fielmente. Quando os homens aspiram a verdade honestamente e de todo o coração, não há acontecimentos que os envergonhem ou que não encontrem um lugar no seu programa.

Durante alguns anos as duas irmãs mais novas Kate e Margaret, fizeram sessões em New York e em outros lugares, triunfando em cada ensaio a que eram submetidas. Horace Greeley, posteriormente candidato à presidência dos Estados Unidos, conforme já o demonstramos, achava-se profundamente interessado por elas e convencido de sua honestidade. Diz-se que forneceu elementos para que a mais nova completasse a sua educação muito imperfeita.

Durante estes atos de mediunidade pública, quando as moças faziam furor, tanto entre as pessoas que não tinham a menor idéia do significado religioso dessa nova revelação, quanto entre aqueles cujo interesse estava na esperança de vantagens materiais, as irmãs estiveram expostas às enervantes influências das sessões promíscuas e de tal maneira que nenhum espírita avisado justificaria. Então os perigos de tais práticas não eram tão notados quanto agora, nem ao povo ocorria que não era possível que Espíritos elevados baixassem à Terra para dar conselhos acerca das ações das estradas de ferro ou soluções para os casos amorosos.

A ignorância era universal e não havia mentores à testa desse pobres pioneiros para lhes indicar um caminho mais elevado e mais seguro. O pior de tudo é que as suas energias esgotadas eram renovadas com a oferta de vinho, num momento em que, pelo menos uma delas, era pouco mais do que uma criança. Dizia-se que havia uma certa predisposição hereditária para o alcoolismo; mas, mesmo sem essa marca, o seu procedimento e modo de vida era ousado ao extremo. Contra sua formação moral jamais houve qualquer suspeita, mas elas tinham enveredado por um caminho que conduz à degeneração da mente e do caráter, muito embora só muitos anos mais tarde se tivessem manifestado os mais sérios efeitos.

Pode-se fazer uma idéia da pressão exercida então sobre as Irmãs Fox pela descrição que Mrs. Hardinge Britten nos faz de suas próprias observações. Ela fala de uma "parada no primeiro andar, para ouvir a pobre e paciente Kate Fox, em meio a uma multidão de investigadores curiosos e murmurantes a repetir, hora após hora, as letras do alfabeto, enquanto que Espíritos não menos pobres e pacientes batiam nomes, idades e datas adequadas a cada visitante". Será para admirar que as moças, com a vitalidade gasta, sem a bela e vigilante influência materna, solicitadas por inimigos, sucumbissem a uma crescente tentação no sentido dos estimulantes?

Uma luz notável se faz para Margaret, durante esse período, num curioso livrinho - "As Cartas de Amor, do dr. Elisha Kane". Foi 1852 que o dr. Kane, mais tarde famoso explorador do Oceano Glacial Ártico, encontrou Margaret Fox, então uma jovem muito bonita e atraente. A ela Kane escreveu aquelas cartas de amor, que representam um dos mais curiosos amores de origem puritana; e os Puritanos, com o seu ponto de vista que a Bíblia representa absolutamente a última palavra como inspiração espiritual, e que eles entendem o que essa última palavra significa, são por instinto antagonistas do novo culto que se propõe mostrar que novas fontes e novas interpretações ainda são possíveis.

Era, também médico. E a profissão de médico é, simultaneâmente, a mais nobre e a mais clinicamente incrédula do mundo. Para começar, Kane se convenceu de que a jovem estava envolvida em fraude e criou a teoria de que sua irmã mais velha, Leah, visando fins lucrativos, estava explorando a fraude. O fato de, pouco depois, Leah haver-se casado com um homem rico, chamado Underhill, magnata de seguros em Wall Street, parece que não modificou o ponto de vista de Kane, quanto à sua avidez por lucros ilícitos. O médico tomou-se de estreita amizade por Margaret, colocou-a sob as vistas de sua própria tia, a fim de a educar, enquanto se ausentava para o Oceano Ártico, e finalmente casou-se com ela sob uma espécie de casamento muito curioso, que era a lei Gretna Green, ao que parece, então vigente.

Morreu pouco depois, em 1857, e a viúva, então se assinando Mrs. Fox-Kane, abjurou os fenômenos por algum tempo e foi recebida na Igreja Católica Romana. Nessas cartas Kane censura continuamente a Margaret por viver em erro e hipocrisia. Restam poucas cartas de Margaret, de modo que não é possível saber até onde se defendeu. Conquanto não espírita, diz o compilador do livro: "Pobre moça! Com a sua simplicidade, timidez e ingenuidade, não poderia, ainda que tivesse inclinação, ter praticado a menor falcatrua com qualquer possibilidade de sucesso". É um testemunho de valor, de vez que o compilador naturalmente esteve em estreitas ligações com pessoas relacionadas com o assunto.

O próprio Kane, escrevendo à mais moça, Kate, diz: "Tome o meu conselho e jamais fale de Espíritos, quer aos íntimos, quer aos estranhos. Você sabe que com toda a intimidade com Maggie, depois de um mês inteiro de tentativas, deles nada pude obter. Assim, eles constituem um grande mistério." Considerando suas íntimas relações e que Margaret claramente ofereceu a Kane todas as provas de sua força, é inconcebível que um médico experiente admitisse que depois de um mês nada teria podido fazer, caso o fenômeno fosse um simples estalo de uma articulação. Nessas cartas não se podem encontrar indícios de fraude, mas amplas provas de que as duas moças Margaret e Kate, não tinham a mais leve idéia de ligação religiosa com essas forças, ou das graves responsabilidades da mediunidade e de que faziam mau uso de seus dons no sentido de dar indicações a todo o mundo, receber uma assistência promíscua e responder a perguntas frívolas ou jocosas.

Não era surpresa para nenhum espírita experimentado que, em tais circunstâncias, tanto o seu caráter quanto as suas forças estivessem tão estragados. Não podiam dar coisa melhor. E tanto a sua idade quanto a sua ignorância as escusam. Para compreender a sua situação, é preciso lembrar que eram pouco mais que crianças, pouco educadas e quase ignorantes da filosofia do assunto. Quando um homem como o dr. Kane assegurava a Margaret que aquilo era um grave erro, apenas repetia o que lhe entrava pelos ouvidos em toda a parte, inclusive de metade dos púlpitos de New York. Provavelmente tinha ela uma sensação desagradável de estar errada, sem ao menos saber por que, e isto, possivelmente, depõe em seu favor, por não se mostrar magoada por suas suspeitas.

Na verdade podemos admitir que, no fundo, Kane estivesse certo e que os processos fossem, por certo modo, injustificáveis. Naquela época elas próprias eram incorruptíveis; e se tivessem usado os seus dons como D. D. Home, sem relação a imortalidade da alma e consolar os aflitos, então, sim, elas se teriam colocado acima da crítica. Ele estava errado quando duvidava de seus dons, mas certo quando encarava como suspeitas certas maneiras de os utilizar. Como quer que seja, a posição de Kane é irremediavelmente ilógica. Ele desfrutava da maior intimidade e afeição da mãe e das duas moças, muito embora, se as palavras têm algum sentido, ele as julgasse embusteiras, que viviam da credulidade pública. "Beije a Katie por mim", diz ele; e continuamente manda saudades à mãe.

Moças como eram, já havia da parte dele a suspeita de perigo ao alcoolismo, a que se achariam expostas mais tarde e aquela promiscuidade. "Diga a Katie que não tome champanha e você siga o mesmo conselho", dizia ele. Era um conselho bom, e teria sido melhor para elas e para o movimento espírita se ambas o tivessem seguido. Novamente, porém, há que recordar a sua mocidade inexperiente e as constantes tentações.

Kane era uma curiosa mistura de herói e de bobo. As batidas dos Espíritos, não apoiadas por qualquer sanção religiosa ou científica, vinda posteriormente, era uma baixeza, uma superstição de ignorantes e ele, um homem de reputação, iriam casar-se com um espírito-batedor? Nisto ele vacilou extraordinariamente, começando uma carta pedindo para ser o seu irmão e terminando por lhe recordar os mais cálidos beijos. "Agora que você me deu o seu coração, eu serei o seu irmão", diz ele.

Tinha uma veia de superstição, que o percorria todo e que estava muito abaixo da credulidade que atribui aos outros. Frequentemente alude ao fato de possuir um poder divinatório pelo simples levantar da mão direita, coisa que havia aprendido "de um feiticeiro nas Índias". Por vezes tanto é pretensioso quanto tolo. "Até à mesa de jantar do presidente eu pensava em você". E mais adiante: Você nunca poderia atingir os meus pensamentos e o meu objetivo. Eu nunca poderia descer até os seus". Na verdade, as poucas citações de suas cartas mostram uma mente inteligente e simpática. Ao menos em uma ocasião encontramos Kane procurando decepcioná-la e ela combatendo a idéia.

Quatro pontos fixos podem ser estabelecidos nessas cartas:

1 - Que Kane pensava de modo vago que houvesse falcatrua.

2 - Que nos anos de sua maior intimidade ela jamais o admitiu.

3 - Que ele jamais pode sugerir em que consistia a falcatrua.

4 - Que ela empregou as suas forças de maneira que os espíritas sérios deploram.

ARTHUR CONAN DOYLE

7 - Primeiras manifestações na América

Após as irmãs Fox, podemos observar na América os primeiros efeitos desta invasão de seres de uma outra esfera. Esses efeitos não foram inteiramente excelentes. Houve loucuras de uns indivíduos e extravagâncias de agrupamentos humanos.

Uma destas, baseada em comunicações recebidas através da mediunidade de Mrs. Benedict, foi o Círculo Apostólico. Começou com um pequeno grupo de homens muito crentes num segundo advento e que, através das comunicações espíritas, procuravam confirmar aquela crença. Obtiveram aquilo que proclamavam como comunicação dos Apóstolos e profetas da Bíblia. Em 1849 James L. Scott, ministro batista do Sétimo Dia em Brooklyn, reuniu o centro em Auburn, o qual se tornou conhecido como o Movimento Apostólico, cujo chefe espiritual era supostamente o Apóstolo Paulo.

A Scott uniu-se o Rev. Thomas Lake Harris, e estabeleceram em Mountain Cove a comunidade religiosa que atraiu muitos adeptos até que, alguns anos depois, suas mistificações desiludiram e levaram à deserção os seus chefes autocráticos. Esse Thomas Lake Harris é, certamente, uma das mais curiosas personalidades de que temos notícia e é difícil dizer quem predominava em seu caráter: se Mr. Jekil ou o dr. Hyde. Era feito de extremos, de modo que tudo quanto fazia era decididamente para o bem ou para o mal.

Originariamente fora um ministro universalista, de onde lhe vinha o prefixo "Rev.", que usou por muito tempo. Separou-se de seus companheiros, adotou os ensinos de Andrew Jackson Davis, tornou-se um espírita fanático e, finalmente como vimos, tornou-se um dos dirigentes autocráticos das almas e das bolsas dos colonos de Mountain Cove. Chegou, porém, o momento em que aqueles colonos verificaram que eram bastante capazes de tratar de seus próprios negócios, quer espirituais, quer materiais.

Então voltou para New York e atirou-se violentamente no movimento espírita, pregando no Dodworth Hall, o quartel-general do culto, conquistando uma grande e merecida reputação por sua notável eloquência. Sua megalomania - possivelmente uma obsessão - arrebentou uma vez mais e fez extravagantes exigências que os espíritas sãos e equilibrados que se achavam em seu redor não podiam tolerar. Havia, entretanto, uma coisa que pretendia fazer bem - era a inspiração de uma entidade muito elevada e veraz, muito embora não se soubesse quando nem como atuava.

Nessa fase de sua carreira, ele ou alguma entidade, por seu intermédio, produziu uma série de poemas, como: "Um lírico da Idade de Ouro", "A Terra ao amanhecer", e outros, que, ocasionalmente, tocam as estrelas. Ferido pela recusa dos espíritas de New York em admitir as suas faculdades supranormais, Harris foi então (1859) para a Inglaterra, onde ganhou fama por sua eloquência, demonstrada em conferências cujo principal tema era a denúncia de seus antigos companheiros de New York. Cada nova etapa na vida desse homem era acompanhada por um desfile da etapa anterior.

Em 1860, em Londres, a vida de Harris despertou subitamente um maior interesse para os britânicos, principalmente para os que tinham afinidades literárias. Harris fez conferências no Steinway Hall, onde foi ouvido por Lady Oliphant que tocada por sua eloquência, pôs o pregador americano em contato com o seu filho, Laurece Oliphant, um dos homens mais brilhantes de sua geração. É difícil determinar o ponto de atração, pois o ensino de Harris nessa etapa nada tinha de incomum no assunto, salvo que ele havia adotado, o Deus-Pai e a Mãe-Natureza, idéia que tinha sido lançada por Davis.

Oliphant considerava Harris um grande poeta, a ele se referindo como "o maior poeta da época ainda desconhecido pela glória". Oliphant, não era um crítico vulgar; mesmo assim, num período que contava um Tennyson, um Longfellow, um Browning e também outros, a frase parece extravagante. O fim de todos esse episódio foi que, depois de adiamentos e vacilações, tanto a mãe quanto o filho se entregaram inteiramente a Harris e se aplicaram a trabalhos manuais numa nova colônia em Brocton, em New York, onde ficaram numa condição tal que, se não fora voluntária, era virtualmente de escravidão.

Se tal abnegação era santa ou idiota é um problema para os anjos. Certamente parece idiota quando se sabe que Laurence Oliphant teve a maior dificuldade em tomar férias para se casar e que exprimiu humildemente o seu agradecimento ao tirano quando, finalmente, a licença lhe foi concedida. Ele foi deixado livre para fazer a reportagens da Guerra franco-alemã de 1870, o que fêz na brilhante maneira que dele se podia esperar; depois voltou à servidão uma vez mais, e na qual um de seus deveres era vender morangos aos passageiros dos trens, enquanto era arbitrariamente separado de sua jovem esposa, mandada para o sul da Califórnia, enquanto ele ficava em Brocton.

Assim foi até 1882, vinte anos após o seu primeiro embaraço, quando Oliphant, ao morrer a sua mãe, rompeu com essa situação extraordinária e, depois de uma luta tremenda, no correr da qual Harris pretendeu encarcerá-lo num asilo, conseguiu unir-se a sua esposa, recuperar algumas de suas propriedades e voltar á sua vida normal. Pintou o profeta Harris em seu livro "Masollam", escrito no seus últimos anos de vida, e o resultado é tão característico, tanto para a brilhante descrição de Oliphant quanto para o homem extraordinário que ele pintou, que o leitor talvez fique satisfeito em encontrar uma referência no apêndice.

Tais acontecimentos, como Harris e outros, foram meras excrescências na linha-tronco do movimento espírita que, de um modo geral, foi sadio e progressista. Entretanto ficaram na sua história as marcas das idéias de amor livre e de sentimentos comunistas, professados por algumas seitas mais rudes, as quais foram inescrupulosamente exploradas pelos adversários, como se fossem características do todo. Vimos que, muito embora as manifestações espíritas tivessem tido larga divulgação através das Irmãs Fox, já anteriormente era conhecidas. A esses testemunhos precedentes devemos ajuntar o que diz o Juiz Edmonds: "Foi mais ou menos há cinco anos que o assunto atraiu à atenção pública, muito embora se verifique que uns dez ou doze anos antes houve algo no gênero em diferentes lugares no país, mas que havia sido ocultado, tanto por medo do ridículo quanto pela ignorância do que isso fosse".

Isto explica o surpreendente número de médiuns dos quais se começou a ouvir falar tão logo houve publicidade do caso da família Fox. Não era um novo dom que exibiam, mas apenas uma ação corajosa em torná-lo largamente conhecido que levava outros a se adiantarem e confessar que tinham o mesmo poder. Também esse dom universal da mediunidade pela primeira vez mais se ouvia falar de médiuns. Em abril de 1849 houve manifestações na família do Rev. A. H. Jervis, ministro metodista de Rochester, e na casa do Diácono Hale, nas vizinhanças da cidade de Greece. Assim, também, seis famílias na vizinha cidade de Auburn começaram a desenvolver a mediunidade. Em nenhum desses casos a família Fox tinha algo a ver com o que acontecia. De modo que estes pioneiros apenas abriram o caminho que os outros seguiram.

Fatos dignos de nota dos próximos anos foram o rápido crescimento de número de médiuns por toda a parte e a conversão ao Espíritismo de grande número de homens públicos, como o Juiz Edmonds, o ex-governador Tallmadge, o Prof. Roberto Hare e o Prof. Mapes. A adesão pública de homens tão notórios deu enorme publicidade ao assunto, ao mesmo tempo que aumentou a virulência da oposição, que então percebia que estava lidando com algo mais do que um bando de beócios iludidos. Homens como aqueles podiam fazer-se ouvir na imprensa diária. Houve também a mudança no caráter dos fenômenos. Em 1851 e 1852 Mrs. Hayden e D. D. Home foram instrumentos de muitas conversões.

Numa comunicação dirigida "Ao público", aparecida no New York Courier e datada em New York de 1º de agosto de 1853, o Juiz Edmonds, um grande caráter e uma inteligência brilhante, fez um relato convincente de suas experiências. É curioso notar como os Estados Unidos, que então deram uma prova conspícua da coragem moral de seus chefes, parece que caíram, neste particular, em anos mais próximos de nós, pois o autor, em suas recentes viagens ali encontrou muitos que tinham conhecimento da verdade psíquica, mas ainda se encolhiam ante uma imprensa hostil, temerosos de confessar as suas convicções.

Arthur Conan Doyle

8 - A carreira de D. D. Home

Daniel Dunglas Home nasceu em 1833 em Currie, uma aldeia perto de Edimburgo. Havia um mistério relativamente à sua ascendência: tanto se afirmava, quanto se negava que fosse de certo modo, da família do Conde de Home. Na verdade foi um homem que herdou um tipo elegante, maneiras delicadas, disposição sensível e um gosto para o luxo fosse de que fonte fosse. Mas pela sua força psíquica e pelo entusiasmo que esta comunicou ao seu caráter complexo, ele podia realmente tomado como o tipo exato de um caçula aristocrata, que herda as tendências, mas não a riqueza dos pais.

Home saiu da Escócia para a Nova Inglaterra aos nove anos de idade, com uma tia que o havia adotado, outro mistério que lhe cercava a existência. Aos treze anos de idade começou a mostrar as faculdades psíquicas herdadas de sua mãe, descendente de velha família de Highland e que possuía a faculdade de previsão característica de sua raça. Sua tendência mística revelou-se numa conversa com um colega, chamado Edwin, acerca de uma história, na qual fora feito um pacto em consequência do qual a criatura amada mostrar-se-ia à outra depois da morte. Do mesmo modo os dois rapazes fizeram o pacto de se mostrar um ao outro.

Home mudou-se para outro distrito, a algumas milhas de distância e, um mês mais tarde, certa noite, assim que foi para a cama, teve a visão de Edwin e anunciou à sua tia a morte do rapaz, do que tiveram informação um ou dois dias depois. Uma segunda visão, 1850, referia-se à morte de sua mãe, que tinha ido com o marido viver na América. Nessa ocasião o rapaz se achava acamado e sua mãe se achava fora, em visita a amigos distantes. Uma noite ele gritou por socorro e quando a tia chegou encontrou-o abatido. Disse que a mãe havia morrido naquele dia ás doze horas; que ela lhe havia aparecido e dado aviso. Em breve batidas fortes começaram a perturbar aquele lar quieto e os móveis a serem arrastados por forças invisíveis. Sua tia, criatura de estreita visão religiosa, disse que o rapaz havia trazido o Diabo para casa e jogou-o na rua.

Ele refugiou-se com os amigos e nos anos seguintes passava na casa de um para a de outro, de cidade em cidade. Sua mediunidade se havia desenvolvido poderosamente e nas casas em que se hospedava realizava frequentes sessões, ás vezes seis ou sete por dia, pois as limitações da força e as reações entre o físico e o psíquico eram então mal compreendidas. Isto lhe produzia grande perda de forças, e frequentemente o levava para a cama. Multidões acorriam de todos os lados para pesenciar as maravilhas que se produziam na presença de Home. Entre os que então investigaram com ele estava o poeta americano Bryant, que era acompanhado pelo Professor Wells, da Universidade de Harvard.

Em New York encontrou muitos americanos distintos, dos quais três fizeram sessões com ele: o Professor Hare, o Professor Mapes e o Juiz Edmonds, da Suprema Corte de New York. Estes três, como ficou dito, tornarm-se espiritistas convictos. Nesses primeiros anos o encanto da personalidade de Home e a profunda impressão criada por sua força permitiram que recebesse muitas ofertas. O Professor George Bush convidou-o para sua companhia, a fim de estudar para ministro swdenborgiano; Mr. e Mrs. Elmer, um rico casal sem filhos, que lhe haviam tomado grande afeição, ofereceram-se para adotá-lo e fazê-lo seu herdeiro, com a condição de trocar o nome pelo de Elmer.

Seu notável poder curador tinha excitado a admiração e persuadido pelos amigos, começou a estudar medicina. Mas sua saúde delicada, complicada com uma afecção pulmonar, forçou-o a abandonar os seus planos e, a conselho médico, deixou New York e foi para a Inglaterra. Chegou a Liverpool a 9 de abril de 1855, e foi descrito com um jovem alto, esguio, de marcada elegância e exagerada limpeza do vestir, mas com um olhar típico e uma expressão que traía a devastação feita pela moléstia. Tinha os olhos azuis e os cabelos castanhos; era desse tipo facilmente sujeito a tuberculose e a extrema emaciação mostrava quanto era insignificante a sua capacidade de resistência.

Um médico, bom observador certamente lhe faria um prognóstico de apenas uns meses de vida, num clima úmido como o nosso e de todas as maravilhas que Home realizava, o prolongamento da sua vida certamente não foi das menores. Seu caráter já havia tomado aqueles traços emocionais e religiosos que o distinguiam e ele recordou como, antes de desembarcar, correu para o seu camarote e ajoelhou-se em prece. Quando a gente considera a admirável carreira que se abre à sua frente e o grande papel que ele desempenhou no estabelecimento das bases materiais que diferenciam esse movimento religioso de qualquer outro, pode proclamar-se que esse visitante estava entre os mais notáveis missionários que jamais apareceram por estas plagas.

No momento a sua posição era muito singular. Tinha uma relação difícil com o mundo. Seu pulmão esquerdo estava parcialmente destruiído. Seus recursos eram modestos, embora suficientes. Não tinha negócios nem profissão e sua educação havia sido interrompida pela doença. De caráter desconfiado, gentil, sentimental artístico, afetuoso e profundamente religioso, tinha uma profunda tendência para a Arte e para o Drama. Assim, a sua capacidade para a escultura era considerável e como declamador provou mais tarde que pouca gente o igualava. Mas acima de tudo isto, de uma honestidade inflexível e tão rigorosa que por vezes chegava a ofender aos seus aliados, havia um dom tão admirável que apagava todos os demais.

Este repousa naquelas forças, muito independentes de sua vontade, que iam e vinham com desconcertante subitaneidade, mas demonstrando a todos que examinasse a prova, que havia algo na atmosfera desse homem que permitia que as forças a ele exteriores, como exteriores à nossa percepção, se manifestassem neste plano de matéria. Por outras palavras, ele era um médium - o maior que o mundo moderno já viu, no campo das manifestações físicas.

Um homem inferior teria usado os seus poderes extraordinários para fundar uma seita especial, da qual teria sido o sumo sacerdote inconteste, ou para se rodear de uma auréola de poder e de mistério. Certamente muita gente na sua posição teria sido tentada a usar aqueles dons para fazer dinheiro. Em relação a este ponto seja dito antes de mais nada que no curso de seus trinta anos de estranho ministério, jamais ele tocou num tostão como paga de seus dons. É absolutamente certo que lhe foram oferecidas duas mil libras pelo Clube União, em Paris, no ano de 1857, por uma única sessão, e que ele, pobre e inválido, as recusou terminantemente. "Fui mandado em misão", disse ele. "Essa missão é demonstrar a imortalidade. Nunca recebi dinheiro por isso e jamais o receberei". Houve certos presentes da Realeza que não podiam ser recusados sem grosseria: anéis, alfinetes de gravatas e outros, que mais eram sinais de amizade do que recompensa; porque, antes de sua morte prematura, poucos eram os monarcas da Europa com os quais esse moço desconfiado de um subúrbio de Liverpool não estivesse em afetuosa intimidade.

Napoleão III cuidou de sua única irmã; o Imperador da Rússia foi testemunha de seu casamento. Qua o novelista que seria capaz de inventar uma tal carreira? Há, porém, tentações mais sutis do que as da riqueza. A inquestionável honestidade de Home foi a melhor salvaguarda contra aquelas. Jamais ele perdeu, por um só instante, a sua humildade e o seu senso de proporção. "Tenho esses poderes", teria ele dito, serei feliz até o limite de minhas forças, em vo-los demonstrar, se vos aproximardes de mim, do mesmo modo que um cavalheiro se aproximara de outro. Alegrar-me-ei a qualquer experiência razoável. Eu não exerço controle sobre elas. Elas me usam, mas eu não as uso. Elas me abandonam durante meses e voltam com redobrada energia. Eu sou um instrumento passivo - nada mais".

Tal era a sua atitude invariável. Ele era sempre o homem mundano fácil e amigo, que nem tinha o manto do profeta nem o turbante do mágico. Como os homens relativamente grandes, não havia em sua natureza o mínimo de posse. Um indício de sua elegância é que, sempre que devia confirmar os seus resultados, jamais citava nomes, a menos que estivesse absolutamente certo de que as pessoas citadas de modo algum se incomodariam em ser referidas a um culto impopular. Por vezes, ainda quando estas lhe houvessem autorizado a citá-las, evitava fazê-lo, com receio de ofender a um amigo. Quando publicou as primeiras séries do "Incidentes em minha Vida", o Saturday Review cobriu de sarcasmos o anônimo "testemunho da Condessa O.. do Conde B.., do Conde de K.., da Princesa de B. e de Mrs E..", que eram apontados como tendo assistido as manifestações.

Em seu segundo volume, tendo-se assegurado do apoio de seus amigos, Home preencheu os claros com os nomes da Condessa Orsini, do Conde de Beaumont, do Conde de Komar, da princesa Beaveau e a conhecida dama americana Mrs. Henry Senior. Jamais citou os seus amigos reais, embora fosse muito sabido que o Imperador Napoleão e Imperatriz Eugênia, o Tzar Alexandre, o Imperador Guilherme I da Alemanha e os Reis da Baviera e do Wurtemberg também haviam sido convencido por suas forças extraordinárias. Nem uma só vez Home foi condenado por qualquer mistificação, quer por palavras, quer por atos.

Por ocasião de sua primeira viagem à Inglaterra, hospedou-se no Cox's Hotel, em Jermyn Street, e é provável que tenha escolhido esta hospedaria por ter sabido, através de mrs. Hayden, que o seu proprietário era simpático a causa. Como quer que seja, Mr. Cox logo descobriu que o seu jovem hóspede era o mais notável médium e, a seu convite, os mais notáveis intelectuais do momento foram convidados a examinar os fenômenos que Home lhes poderia exibir. Entre outros, Lord Brougham veio à sessão e trouxe um cientista seu amigo Sir David Brewster. Em plena luz do dia investigaram os fenômenos e na sua satisfação pelo que se havia passado, ao que se conta, teria dito Brester: "Isto derrota a filosofia de cinquenta anos". Se ele tivesse dito "mil e quinhentos" ter-se-ia aproximado da marca. Ele descreve o que aconteceu numa carta à sua irmã, só muito mais tarde publicada. Estavam presentes Lord Brougham, Sir David Brewster, Mr. Cox e o médium.

"Nós quatro", disse Brewster, "sentamo-nos a uma mesa de tamanho regular e cuja estrutura nos tinham convidado a examinar. Em pouco tempo a mesa fez esforços e um tremor percorreu os nossos braços; esses movimentos cessavam e recomeçavam ao nosso comando. As mais incontáveis batidas se produziram em várias partes da mesa e esta se ergueu do chão quando não havia mãos sobre ela. Outra mesa maior foi utilizada e produziu os mesmos movimentos... "uma pequena sineta foi posta no chão, sobre o tapete, de boca para baixo; depois de algum tempo ela soou sem que ninguém a tivesse tocado." Acrescenta ele que a sineta veio para ele e se colocou em suas mãos; depois fez o mesmo com Lord Brougham. E conclui: "Estas foram as principais experiências. Não poderíamos explicá-las nem imaginar por que espécie de mecanismo poderiam ter sido produzidas".

Declara o Conde Dunraven que foi levado a investigar os fenômenos pelo que Brewster lhe havia contado. Descreve o encontro com este último, que dizia serem as manifestações inexplicáveis pela fraude, ou por quaisquer leis de física de nosso conhecimento. Home remeteu uma descrição dessa sessão a um amigo na América, onde a mesma foi publicada e comentada. Quando os comentários foram reproduzidos na imprensa inglesa, Brewster ficou muito alarmado. Uma coisa é sustentar certas idéias na intimidade e outra enfrentar a inevitável perda de prestígio, que ocorreria nos meios científicos em que se achava. Sir David não era daquele estofo de que são feitos os mártires e os pioneiros. Escreveu ao Morning Advertiser, declarando que, embora tivesse visto vários efeitos mecânicos que não poderia explicar, ainda era de opinião que os mesmos poderiam ser produzidos por pés e mãos humanos. Aliás jamais lhe ocorrera que a carta escrita à sua irmã, a que acima nos referimos, um dia fosse publicada.

Quando toda a correspondência foi publicada, o Spectator observou, em relação a Sir David Brewster: "Parece estabelecido pela mais clara prova que ele sentiu e descreveu, logo depois de suas sessões com Mr. Home, uma maravilha e quase terror, que depois desejou explicar. O herói da ciência não se absolve como a gente desejaria, ou como era de se esperar".

Abordamos ligeiramente o incidente com Brewster porque é típico da atitude científica de então e porque o seu efeito era despertar um maior interesse em Home e seus fenômenos, e acordar novos investigadores. Pode alguém lembrar que os homens de ciência se dividem em três classes: os que absolutamente não examinaram o assunto - o que não os impede de pronunciar opiniões muito violentas; os que sabem que a coisa é verdadeira, mas temem confessá-lo; e, finalmente, a brilhante minoria dos Lodges, dos Crookes, dos Barrets e dos Lombrosos, que sabem que é verdade e não temem proclamá-lo.

De Jermyn Street, Home foi morar com a família Rymer em Ealing, onde foram realizadas muitas sessões. Aí foi visitado por Lord Lytton, o famoso novelista que, muito embora tivesse recebido notáveis provas, jamais confessou publicamente a sua crença nos poderes do médium, a despeito de suas cartas particulares e das novelas publicadas constituírem provas evidentes de seu modo de sentir. Assim acontecia com muitos homens e senhoras bem conhecidos. Entre os seus primeiros assistentes estavam o Socialista Robert Owen, o escritor T. A. Trollope e o alienista Dr. J. Garth Wilsinson.

Nestes dias, quando os fenômenos psíquicos são familiares a todos, exceto aos que propositadamente os ignoram, dificilmente podemos imaginar a coragem moral necessária a Home para desenvolver as suas forças e as exibir em público. Para o britânico de educação média na material época Vitoriana, um homem que se dissesse capaz de produzir fenômenos que contrariassem a lei da gravidade de Newton e que mostrasse uma inteligência invisível atuando sobre a matéria visível era, de saída, julgado um tratante e um impostor. O ponto de vista sobre o Espiritismo, externado pelo vic-chanceler Giffard, na conclusão do processo Home-Lyon, era o da classe a que ele pertencia.

Nada conhecia sobre o assunto, mas tomou como certo que tudo nesse particular era falso. É verdade que semelhantes coisas eram descritas em terras distantes e em livros antigos, mas que elas pudessem ocorrer na velha e sólida Inglaterra prosaica, na Inglaterra de dividendos bancários e de livre câmbio, era demasiadamente absurdo Lord Giffard virou-se para o advogado de Home e perguntou: "Parece-me que o senhor sustenta que o seu cliente foi levitado no ar?" O advogado o confirmou e então o juiz voltou-se para o júri e fez um tal movimento, como o teria feito um sumo sacerdote, rasgando suas vestes talares em sinal de protesto contra a blasfêmia. Em 1868 havia poucas pessoas do júri suficientemente educadas para verificar as observações do juiz e é exatamente neste particular que fizemos algum progresso nestes cinquentas anos. Trabalho lento - mas o Cristianismo levou mais de três séculos para se firmar.

Tome-se este caso de levitação de Home como um teste de seu poder. Sustenta-se que por mais de cem vezes, perante testemunhas respeitáveis, ele flutuou no ar. Considere-se a prova. Em 1857, num castelo perto de Bordéos, ele foi erguido até o teto de um salão alto, em presença de Madame Ducos, viúva do Ministro da Marinha e do Conde e da Condessa de Beaumont. Em 1860 Robert Bell escreveu um artigo, no Cornhill, sob o título de "Mais estranho do que uma ficção", no qual diz que "foi erguido de sua cadeira quatro a cinco pés do solo... Vimos o seu corpo passar de um para o outro lado da janela, com os pés para a frente, posto horizontalmente no ar". O Dr. Gully, de Malvern, médico muito conhecido, e Robert Chambers, autor e editor, eram outras testemunhas. Pode admitir-se que esses homens mentissem por deliberado acordo o que não soubessem dizer se um homem flutuava no ar ou apenas pretendia fazê-lo?

No mesmo ano Home foi levantado em casa de mrs. Milner Gibson, em presença de Lord e Lady Clarence Paget, tendo o Lord passado as mãos por baixo de Home, a fim de se certificar do fato. Poucos meses mais tarde, Mr. Wason, advogado de Liverpool, com sete outros, assistiram ao mesmo fenômeno. Diz ele: "Mr. Home atravessou a mesa, passado por cima das cabeças das pessoas sentadas em sua volta". E acrescenta: "Alcancei a sua mão a sete pés do solo e dei cinco ou seis passos enquanto ele flutuava no espaço, acima de mim". Em 1861 Mrs. Parkes, de Cornwald Terrace, Regent's Park, conta como se achava presente, com Bulwer Lytton e Mr. Hall, quando Home, em sua própria sala de visitas, foi levantado até que a mão chegou ao alto da porta e então flutuou horizontalmente. Em 1860 Mr. e Mrs. Hall, Lady Dunsany e Mrs Senior, em casa de Mr. Hall, viram Home, com o rosto transfigurado e brilhante, erguer-se duas vezes até o teto e deixar uma cruz, feita com lápis, na segunda levitação, de modo a assegurar às testemunhas que não eram vítimas de sua própria imaginação.

Em 1868 Lord Adare, Lord Lindsay, o capitão Wynne e Mr. Smith Barry viram Home levitado várias vezes. Uma descrição minuciosa foi deixada pela primeira daquelas testemunhas da ocorrência de 16 de dezembro daquele ano, quando em Ashley House, em estado de transe, Home flutuou do quarto para sala de estar passando pela janela, a setenta pés acima da rua. Depois de chegar à sala, voltou para o quarto com Lord Adare e, depois que este observou que não compreendia como Home poderia ter passado pela janela, apenas parcialmente levantada, "ele me disse que se afastasse um pouco. Então passou pelo espaço aberto, primeiro a cabeça, muito rapidamente estando o seu corpo aparentemente rigido e quase na horizontal. Voltou novamente, com os pés para a frente".

Arthur Conan Doyle

9 - Os irmãos Davenport

A fim de apresentar uma história contínua foi necessário descrever toda a vida de Daniel Dunglas Home. Agora é preciso voltar aos primeiros dias na América, e considerar o desenvolvimento dos dois Davenports. Home e os Davenports tiveram um papel internacional e sua história cobre o movimento na Inglaterra e nos Estados Unidos. Os Davenports trabalharam num nível muito mais baixo do que Home, fazendo profissão de seus notáveis dons e ainda pelos rudes métodos através dos quais tiveram resultado no meio da multidão, de maneira que não teria sido usada por um médium mais fino. Se considerarmos todo esse trem de eventos, como tendo sido produzidos por uma força sábia - mas não infalível ou onipotente - situada no Além, observaremos como cada ocasião é utilizada por um instrumento adequado, e como, ao falhar uma demonstração, outra a substitui.

Os Davenports tiveram sorte com os seus cronistas. Dois escritores publicaram livros, descrevendo os acontecimentos de sua vida e a literatura periódica do tempo está cheia de seus relatos. Ira Erastus Davenport e William Henry Davenport nasceram em Búffalo, no Estado de New York, o primeiro a 17 de setembro de 1839 e o segundo a 1º de fevereiro de 1841. Seu pai, descendente dos primeiros colonos ingleses da América, ocupava posição no departamento de polícia de Búffalo. Sua mãe, nascida em Kent, na Inglaterra, veio criança para a América. Foram observados alguns sinais de faculdades psíquicas na vida da mãe. Em 1846 a família foi perturbada alta noite por aquilo que descreveram como "batidas, socos, ruídos altos, rupturais e estalos". Isto foi dois anos antes do surgimento das manifestações nas Fox que, neste caso, como em muitos outros, os levou a investigar e descobrir que tinham faculdades mediúnicas.

Os dois rapazes Davenport e sua irmã Elizabeth, a mais moça dos três, experimentaram pondo as mãos sobre a mesa. Ruídos fortes e violentos eram ouvidos e mensagens eram deletreadas. A notícia se espalhou e, do mesmo modo que com as irmãs Fox, centenas de curiosos e de incrédulos se amontoavam na casa. Ira desenvolveu a escrita automática e distribuiu entre os presentes mensagens escritas com extraordinária rapidez contendo informações que ele não podia possuir. Logo se seguiu a levitação e o rapaz era suspenso no ar, por cima das cabeças dos que se achavam na sala, a uma altura de nove pés do solo. Depois o irmão e irmã foram igualmente influenciados e os três flutuavam no alto da sala.

Centenas de cidadãos respeitáveis de Búffalo são citados como tendo presenciado esses fatos. Uma vez, quando a família tomava uma refeição, as facas, os garfos e os pratos dançaram e a mesa foi erguida no ar. Numa sessão, pouco depois, disso um lápis foi visto escrevendo em plena luz do dia, sem qualquer contacto humano. Então as sessões passaram a ser feitas com regularidade, começaram a aparecer luzes e instrumentos de música boiavam no ar e eram tocados acima das cabeças dos circunstantes. A Voz Direta e outras manifestações extraordinárias se seguiram muito numerosas. Atendendo o pedido das inteligências comunicantes, os irmãos começaram programando os vários lugares onde seriam realizadas sessões públicas.

Entre estranhos, insistiam pedidos de testes. A princípio os rapazes eram segurados por pessoas escolhidas entre os presentes, mas isto foi considerado insatisfatório, porque pensavam que os seguravam eram comparsas. Então passaram a amarrá-los com cordas. A leitura da lista das engenhosas maneiras de controle que eram propostas, sem que pudesse haver interferência, mostra como é quase impossível convencer cépticos opináticos. Desde que um processo de controle dava resultado, outro era proposto. Em 1857 os professores da Universidade de Harvard examinaram os rapazes e os seus fenômenos. Assim se expressa o seu biógrafo:

"Os professores demonstraram ingenuidade, propondo testes. Seriam eles capazes de se submeterem a ser algemados? Sim. Permitiriam que fosse agarrados? Sim. Fizeram uma dúzia de propostas, que foram aceitas e logo rejeitadas por seus próprios autores. Se algum teste fosse adotado pelos irmãos, isto bastava para o por de lado. Admitiam que estivessem preparados para isso, de modo que qualquer outro devia ser encontrado".

Finalmente os professores trouxeram cento e cinquenta metros de corda, encheram de buracos o gabinete preparado numa de suas salas e aí amarraram brutalmente os rapazes. Todos os laços da corda foram amarrados com fio de linho e um deles, o Professor Pierce, isolou-se dentro do gabinete, entre os dois rapazes. Imediatamente mostrou-se a mão de um fantasma, moveram-se instrumentos, que eram notados pelo professor junto à sua cabeça ou ao seu rosto. A cada instante, ele procurava os rapazes com as mãos, sempre constantando que estavam imobilizados. Por fim os operadores invisíveis libertaram os rapazes das suas amarras e quando o gabinete foi aberto, as cordas foram encontradas enroladas no pescoço do professor! Depois de tudo isso os professores não fizeram nenhum relatório. É interessante ler a descrição de um aparelho de controle realmente interessante de madeira, muito bem pregadas, inventado por um homem chamado Darling, em Bangor, nos Estados Unidos.

Como outros aparelhos, foi incapaz de evitar as manifestações. Devemos lembrar que muitos desses testes foram aplicados quando aqueles irmãos eram garotos, demasiado moços para terem aprendido complicados meios de mistificar. Não é estranho ler-se que os fenômenos levantaram violenta oposição mais ou menos por toda a parte; e frequentemente os rapazes eram denunciados como trapaceiros e mistificadores. Foi depois de dez anos de trabalho público nas maiores cidades americanas que os irmãos Davenport vieram para a Inglaterra. Eles se haviam submetido com êxito todas as provas que o engenho humano podia inventar e nenhuma foi capaz de explicar como eram obtidos os resultados. Por seu próprio comportamento havia conquistado uma grande reputação. Agora iriam recomeçar tudo. Os irmãos Ira e William tinham, então, vinte e cinco e vinte e três anos, respectivamente. O World, de New York, assim os descreve:

"Eram notavelmente parecidos em quase tudo, muito bonitos, com a cabeleira grande, crespa e preta, tinham a testa larga mas não alta, olhos pretos e vivos, sobrancelhas grossas, bigode e cavanhaque, lábios acentuados e corpos musculosos e bem proporcionados. Vestiam fraque preto e um deles usava relógio com corrente". O seu biógrafo, Dr. Nichols, deles nos dá essa primeira impressão:

"Os jovens, com os quais tive um ligeiro contato, e que jamais tinha visto antes de sua chegada a Londres, se me afiguraram, tanto no intelecto quanto no caráter, acima da média de seus companheiros camponeses; não são notáveis pela inteligência, posto que razoavelmente habilidosos e Ira possui algum talento artístico. Os moços parecem absolutamente honestos e singularmente desinteressados e não mercenários - muito mais satisfeitos de que a gente fique contente com a sua integridade e com a realidade das manifestações, do que preocupados em ganhar dinheiro. Sem dúvida têm uma ambição, que é gratificada por terem sido escolhidos como instrumentos daquilo que consideram um grande bem para a humanidade".

Foram à Inglaterra acompanhados pelo Rev. Dr. Ferguson, antigo pastor de uma grande igreja em Nashville, no Tennesse, que era frequentada por Abraham Lincoln, por Mr. D. Palmer, conhecido maestro, que exercia as funções de secretário, e por Mr. William M. Fay, que também era médium. Em sua biografia dos Davenports, publicada anonimamente em Boston, em 1869, Mr. P. B. Randal indica que a sua missão na Inglaterra era "encontrar-se, no seu próprio campo, conquistando-o por meios adequados, com o materialismo duro e o cepticismo da Inglaterra". O primeiro passo no reconhecimento, diz ele, é convencer-se da ignorância. E acrescenta:

"Se as manifestações obtidas por intermédio dos irmãos Davenport podem provar às classes intelectuais e científicas que há forças - e forças inteligentes ou poderes inteligentes - acima da faixa de suas filosofias, e que aquilo que elas consideram impossibilidades físicas é rapidamente realizado pelo invisível, para elas desconhecido, mas que são inteligências, um novo universo abrir-se-á para o pensamento humano e para a investigação." Há uma pequena dúvida sobre se os médiuns exerceram tal efeito sobre muitas mentes. As manifestações da mediunidade de Mrs. Hayden eram calmas e sossegadas, enquanto as de D. D. Home eram mais notáveis, se limitavam, entretanto, a pessoas que não pagavam entrada.

Mas esses dois rapazes alugavam salões e desafiavam todo o mundo a vir assistir os fenômenos que ultrapassavam os limites da crença ordinária. Não era preciso ser arguto para prever uma forte oposição: assim aconteceu. Mas eles atingiram o objetivo que certamente tinham em vista os dirigentes invisíveis. Chamaram a atenção do público como nunca na Inglaterra para um tal assunto. Melhor testemunho não poderia ser dado do que o seu maior oponente, Mr. N. N. Maskelyne, o célebre mago, que escreve: "É verdade, a Inglaterra foi inteiramente dominada, por algum tempo, pelas maravilhas apresentadas por esses charlatães". Depois acrescenta:

"Os irmãos fizeram mais que ninguém para familiarizar a Inglaterra com o chamado Espiritismo; ante imenso auditório e sob várias condições, na verdade produziram fatos maravilhosos. As sessões dos outros médiuns eram feitas no escuro ou na semi-obscuridade, ante uma assistência simpática ou, frequentemente devota; aí parece que ocorriam manifestações, que não podem ser comparadas com as exibições dos Davenport, pelo seu efeito sobre a opinião pública". Sua primeira sessão em Londres, de caráter privado, foi a 28 de setembro de 1864, na residência de Mr. Dion Boucicault, em Regent Street. No salão desse famoso ator e autor encontravam-se as principais figuras da imprensa e distintos homens da ciência. O noticiário da imprensa foi notavelmente completo e - o que é uma maravilha - correto.

A descrição do Morning Post, no dia seguinte, diz que aos convidados tinham pedido uma crítica e que todas as necessárias precauções fossem tomadas contra a fraude e a mistificação e continua: "As pessoas convidadas a assistir as manifestações da noite passada eram em número de doze ou catorze, todas tidas como de consideráveis distinção nas respectivas profissões que exercem. Em sua maioria jamais haviam assistido a qualquer coisa no gênero. Todas, entretanto, estavam determinadas a descobrir e, se possível, denunciar, qualquer tentativa de mistificação. Os irmãos Davenport são de pequena estatura, de aparência distinta, e as últimas pessoas no mundo de quem se poderia esperar uma grande demonstração de força. Mr. Fay aparenta alguns anos mais e é de constitução mais robusta".

Depois de descrever as ocorrências, continua o articulista: -"Tudo quanto pode ser garantido é que as demonstrações que descrevemos ocorreram, na presente ocasião, em circunstâncias que excluem presunção de fraude". The Times, o Daily Telegraph e outros jornais publicaram notícias longas e honestas. Omitiram as suas citações porque o seguinte depoimento de Mr. Dion Boucicault, publicado no Daily News, bem como em muitos outros jornais londrinos, cobre todos os fatos. Descreve ele uma sessão posterior, em sua própria casa, a 1 de outubro de 1864, a que estiveram presentes, entre outras pessoas, o Visconde Bury, deputado, Sir Charles Wike, Sir Nicholson, o Chanceler da Universidade de Sidney, Mr. Robert Chambers, Charles Reade, escritor, e o capitão Inglefield, explorador do Ártico.

Arthur Conan Doyle

10 - Os irmãos Eddy e os Holmes

Dentro de certos limites é difícil acompanhar o aparecimento de vários médiuns nos Estados Unidos. O estudo de um ou dois casos proeminentes é suficiente para servir de exemplo do todo. Os anos de 1874 e 1875 foram marcados por grande atividade psíquica, e produziram convicção por um lado e escândalo pelo outro. No conjunto parece que predominou o escândalo; mas se com ou sem razão, é uma questão que também pode ser discutida. Os adversários da verdade psíquica contam com o clero de várias igrejas, com a ciência oficial e com a enorme massa inerte da humanidade material; tinham a imprensa profana às suas ordens; de modo que tudo quanto lhe fosse favorável ou era sonegado ou distorcido e tudo quanto lhe fosse contrário tinha a mais larga publicidade.

Daí ser necessária uma constante verificação de passados episódios e uma reconsideração de valores. Mesmo agora a atmosfera é saturada de preconceitos. Se um homem de responsabilidade entrasse agora na redação de um jornal londrino e dissesse que tinha pilhado um médium em fraude, a coisa seria aceita com satisfação e espalhada por todo o país. Se o mesmo homem proclamasse que, debaixo do mais rigoroso controle os fenômenos eram autênticos, é pouco provável que lhe consagrassem um período. A edição já estaria sobrecarregada.. Na América, onde praticamente não existe uma lei contra a difamação, e onde a Imprensa é por vezes violenta e sensacional, esse estado de coisa era - e, possivelmente, ainda é - talvez mais evidente.

O primeiro incidente notável foi a mediunidade dos irmãos Eddy, que talvez jamais tenha sido superada no terreno da materialização ou, como podemos agora chamar, das formas ectoplásmicas. A dificuldade então em aceitar esses fenômenos repousava no fato de que os mesmos pareciam regidos por leis desconhecidas e por se acharem isolados de toda a nossa experiência da Natureza. Os trabalhos de Geley, de Crawford, de Madame Bisson, de Schrenck Notzing e de outros removeram essa dificuldade e nos deram, quando mais não seja, uma hipótese perfeitamente científica, apoiada em prolongadas e cuidadosas investigações, de modo que podem por alguma ordem no assunto. Isto não existia em 1874 e podemos admitir a dúvida, mesmo nos espíritos mais honestos e cândidos, quando lhes pediam que acreditassem que dois rudes camponeses, desajeitados e sem instrução, podiam produzir resultados que eram negados ao resto do mundo e completamente inexplicável pela ciência:

Os irmãos Eddy, Horatio e William, eram primitivos moradores de uma pequena propriedade na aldeia de Chittenden, perto de Rutland, no Estado de Vermont. Um observador os descreveu como "sensitivos, frios e abruptos com os estranhos, mais parecendo trabalhadores braçais de fazenda do que profetas ou sacerdotes de uma nova dispensação; de compleição maciça, cabelos e olhos negros, articulações duras, atitudes desgraciosas, encolhida e que embaraça os recém-chegados. Não se dão com alguns vizinhos e para outros não são simpáticos... Na verdade se acham separados da opinião pública, que não está preparada ou desejosa de estudar os fenômenos, as maravilhas científicas, ou as revelações do outro mundo".

Os rumores dos estranhos acontecimentos que se passaram em casa dos irmãos Eddy se espalharam e despertaram uma curiosidade semelhante á causada pela sala de música de Koons nos primeiros dias. Veio gente de toda parte investigar. Parece que os Eddy tinham acomodações amplas, embora primitivas, para os seus visitantes, e que os alojavam num grande quarto, onde o reboco das paredes caía aos pedaços e a comida era tão simples como a das cercanias. Cobravam essa hospedagem modicamente e parece que não tiravam nenhuma vantagem disso a não ser a demonstração de suas faculdades psíquicas.

Uma grande curiosidade tinha sido despertada em Boston e em New York pelo relato do que acontecia e um jornal de New York, o Dailt Graphic, encarregou o Coronel Olcott de fazer investigações. Olcott não se havia identificado até então com qualquer movimento psíquico - ao contrário, tinha o espírito prevenido contra isso e iniciou a sua tarefa antes com o fito de desmascarar um impostor. Era um homem de mente clara, de notável habilidade e com um alto sentido de honra. Ninguém poderá ler os ricos e íntimos detalhes de sua vida, contados em suas "Old Diary Leasves", sem sentir respeito por aquele homem tão leal, desinteressado, e com uma rara coragem moral de seguir a verdade e aceitar os resultados, mesmo quando opostos à nossa expectativa e aos nossos desejos. Não era um sonhador místico, mas um homem de negócios muito prático e algumas de suas observações psíquicas despertaram menos atenção do que mereciam.

Olcott ficou dez semanas na atmosfera de Vermont, o que demonstrou uma considerável força de vontade em suportar o meio primitivo e a vida dura daquela gente. Voltou com algo próximo do aborrecimento pessoal pela morosidade de entendimento com os seus hóspedes, mas, por outro lado, com absoluta confiança em seus poderes psíquicos. Como todo investigador sensato, recusa-se a dar atestados em branco sobre o caráter e não responde pelas ocasiões em que não se achava presente, nem pela futura conduta daqueles a quem julga. Limita-se á sua experiência do momento e, em quinze notáveis artigos publicados no New York Daily Graphic, em outubro e novembro de 1874, deu os resultados completos e as medidas que havia tomado para os controlar. Lendo-os, é difícil lembrar uma precaução que não tenha sido tomada.

Seu primeiro cuidado foi examinar a história dos Eddy. Foi um bom registro, a que não faltaram manchas. Nunca será demais insistir em que o médium é um mero instrumento e que o seu dom nenhuma relação tem com o seu caráter. Isto se aplica aos fenômenos físicos, mas não aos mentais, porque jamais um alto ensino poderia chegar através de um canal inferior. Nada havia de mau na investigação daqueles irmãos, mas admite-se que certa vez deram uma falsa exibição de mediunidade, anunciando-a como tal, mas praticando truques. É provável que tal tivesse sido feito para dar o que falar e ainda para conciliar os vizinhos fanáticos, que viviam enfurecidos contra os legítimos fenômenos. Seja qual for a causa ou o motivo, Olcott foi naturalmente levado a tornar-se muito circunspecto em seus contatos, desde que mostrava um bom conhecimento dos truques.

A ancestralidade era muito importante, porque, não só havia uma ininterrupta cadeia de poderes psíquicos, que se estendia sobre várias gerações, como, também a avó deles, que fora processada quatro vezes como feiticeira, fora queimada como tal ou, pelo menos, sentenciada, no famoso processo de Salém, em 1692. Muitos de nossos contemporâneos gostosamente fariam o mesmo com os nossos médiuns, como foi o caso de Cotton Mather. Mas as perseguições policiais constituem o seu equivalente moderno. O pai dos Eddy foi, infelismente, um desses fanáticos perseguidores. Olcott declara que os meninos foram marcados para toda a vida pelos golpes que o pai lhes havia dado, visando desencorajar aquilo que chamava de poderes diabólicos.

A mãe, que era possuidora de grande força psíquica, ficou sabendo como esse bruto "religioso" agia injustamente: seu lar tornou-se um inferno na terra. Não havia refúgio para as crianças em parte alguma, pois os fenômenos psíquicos geralmente as acompanhavam, até mesmo à escola e excitava a grita dos jovens bárbaros ignorantes em seu redor. Em casa, quando o jovem Eddy caia em transe o pai e um vizinho despejavam água fervente sobre ele e punham brasas vermelhas sobre a cabeça, deixando-lhe marcas indeléveis. Felismente o rapaz estava adormecido. É de admirar que depois de tal infância as crianças se tivessem tornado homem sombrios e desconfiados?

Depois que cresceram, o infeliz pai tentou fazer dinheiro por meio dos poderes que tão brutalmente havia desencorajado e alugava os rapazes como médiuns. Ninguém jamais descreveu adequadamente os sofrimentos a que se sujeitam os médiuns públicos nas mãos de investigadores idiotas e cépticos cruéis. Olcott testemunhou que as mãos e os braços das irmãs, bem como dos irmãos, estavam cheios de marcas de ligaduras e de escaras produzidas por lacre quente para selar os nós, enquanto que duas das meninas tinham pedaços de pele e carne esgarçadas pelas algemas. Eram enjauladas, batidas, queimadas, apedrejadas, enquanto as cabines eram destroçadas. O sangue escorria dos cantos das unhas, devido à compressão das artérias. Assim foram os primeiros dias na América, mas a Grã-Bretanha não ficou atrás, se recordarmos os irmãos Davenport e a violência brutal da massa em Liverpool.

Parece que os Eddy eram possuidores de todas as mediunidades. Olcott dá esta lista: batidas, movimento de objetos, pintura a óleo e aquarela sob influência de Espíritos, profecia, fala de línguas estranhas, poder de cura, discernimento dos Espíritos, levitação, escrita de mensagens, psicometria, clarividência, e, finalmente, a produção de formas materializadas. Desde que São Paulo enumerou os dons do Espírito, jamais se organizou uma lista mais extensa. O método das sessões era o seguinte: o médium ficava sentado numa cabine de um lado da sala, e a assistência em bancos, enfileirados à sua frente. Perguntar-se-á por que uma cabine. E a experiência continuada mostrou que, de fato, esta pode ser dispensada, salva no fenômeno de materialização. Home jamais usou a cabine e atualmente os principais médiuns ingleses raramente a empregam.

Há, contudo uma razão muito aceitável apra a sua presença. Sem querer ser muito didata num assunto que ainda se acha na fase de exame, pode ser admitido, como hipótese muito aceitável, que os vapores ectoplásmicos, que se solidificam numa substância plástica, da qual surgem as formas, podem condensar-se mais facilmente num espaço limitado. Entretanto, achou-se que a presença do médium não era necessária dentro desse espaço. Na maior sessão de materialização a que o autor esteve presente, na qual cerca de vinte formas de várias idades e tamanhos apareceram numa noite, o médium estava sentado fora da porta da cabine da qual saíam as formas. É de presumir que, de acordo com a hipótese, seu vapor ectoplámico fosse levado para aquele espaço confinado, independentemente da posição de seu corpo físico. Isso não tinha sido reconhecido ao tempo da investigação, de modo que a cabine foi utilizada.

É óbvio, entretanto, que a cabine oferecia um meio para fraudes e disfarces, com o que era cuidadosamente examinada. Ficava num segundo andar, e tinha uma janelinha. Olcott tinha a janela tapada com tela antimosquito, pregada por fora. O resto da cabine era de madeira sólida e só atingível pela sala onde se achavam os espectadores. Parece que não havia possibilidades de fraudes. Olcott a tinha feito examinar por um perito, cujo certificado aparece no livro. Em tais circunstâncias Olcott contou em seus artigos e, depois, no seu notável livro "People from the other world" que, certamente, durante dez semanas, viu nada menos de quatrocentas aparições sainda da cabine, de todas as formas, tamanhos, sexos e raças, vestidos maravilhosamente, crianças de colo, guerreiros índios, cavalheiros em trajes de rigor, um curdo com uma lança de nove pés, uma índia pele vermelha fumando, senhora com vestidos elegantes, etc..

E não havia um caso que ele fosse capaz de dar as mais seguras provas. Seu relato foi recebido com incredulidade, mas agora já produz menor descrença. Mas Olcott dominava o assunto e, tomando suas precauções, preveniu, assim como previnimos, a crítica daqueles que, não tendo estado presentes, preferem dizer que os que estavam ou foram enganados ou eram malucos. Diz ele: "Se alguém lhes fala de crianças carregadas por senhoras que saem da cabine, ou de moças de formas flexíveis, cabelos dourados e pequena estatura, de velhas e velhos apresentando-se em corpo inteiro e falando conosco, de criançolas, vistas aos pares, simultâneamente com outras formas e roupas diferentes, de cabeças calvas, de cabelos grisalhos, de feias cabeças negras de cabelos encarapinhados, de fantasmas imediatamente reconhecidos como amigos, e fantasmas que falam de modo audível línguas estranhas que o médium desconhece - sua indiferença não se altera. A credulidade de alguns homens de ciência, também, seria ilimitada - antes prefeririam acreditar que uma criança possa levantar uma montanha sem uma alavanca do que um Espírito possa levantar um peso".

Arthur Conan Doyle